A semana de encerramento dos 30 dias de convívio com Gol 1,6 MSI Automático acabou, como é costumeiro, com a visita à Suspentécnica. A oficina paulistana tem na experiência de Alberto Trivellato e equipe seu diferenciador. Porém, antes de contar o que foi visto enfiando o nariz nas entranhas do Gol, vale fazer um resumo da avaliação.
Como já comentei, dia após dia o Gol foi me surpreendendo positivamente neste teste. Necessário dizer que mesmo sendo como quase todos os brasileiros um razoável conhecedor deste hatch, tanto de sua história quanto da evolução e mudanças ao longo de seus 40 anos de mercado, foi uma satisfação constatar o alto nível de eficiência prática alcançado. Em outras palavras, o velho e bom Gol, sim, tem algo de velho, mas bem mais de bom.
No decorrer do longo tempo em produção problemas foram reduzidos ou sanados, aspectos menos positivos corrigidos e qualidades potencializadas. Quem dirigiu um Gol uma década atrás terá uma boa surpresa ao guiar este atual, o que exige se abster de cobrar do modelo modernidades incoerentes com um projeto datado, atualmente a porta de entrada no mundo VW.
As linhas da carroceria acusam o tempo apesar das constantes atualizações, a mais recente na dianteira. Aspectos relativos à habitabilidade também denunciam a idade do projeto e foi a própria Volkswagen que se encarregou de nos mostrar como seria um Gol projetado de acordo com a tecnologia atual: é o Novo Polo, lançado em setembro de 2017. Basicamente, tem as mesmas dimensões que o Gol, linhas mais modernas e soluções técnicas recentes. Fiz o Teste de 30 Dias do Novo Polo, concluído em 23 de março de 2018.
Comparar estes dois VW seria injusto, mas ignorar o conhecimento que tenho do Novo Polo (que diz ao Gol “eu sou você amanhã”…), hipócrita. Assim, é preciso dizer com todas as letras que o Gol ainda merece estar em produção pois custa menos para ser produzido e, consequentemente, pode ser oferecido a preço menor. Para aqueles que precisam de um vetor para o vai e vem (e não estão nem aí para design atual, qualidades dinâmicas mais evoluídas e modernidade do projeto), o Gol ainda joga um bolão.
A dupla motor e câmbio é o astro principal, o ponto mais elogiável do modelo. Gasta pouco e anda bem o Gol com este motor EA211 de 1,6 litro com bloco também de alumínio. Quanto ao câmbio automático, impossível usar qualquer outro adjetivo que não “excelente”. O que deixa a desejar no Gol? Certamente a ergonomia não é de referência. Apesar da amplitude de regulagem do volante, a pedaleira desalinhada à direita e a ausência de um apoio correto para o pé esquerdo se faz sentir. O banco não é ruim quanto à conformação, mas a regulagem de altura é um tanto rudimentar e o material usado no painel e acabamento de portas passa de ano, mas raspando…
Porém, como disse, o Gol não deve ser analisado sob o prisma da atualidade ou do requinte de seu acabamento, mas sim da eficiência. Aí sim ele se torna um grande campeão, um dos carros que concilia de maneira impressionante consumo mínimo e desenvoltura máxima: você aperta o acelerador e ele vai. A velocidade aumenta, sem preguiça, e o ponteirinho do marcador de combustível demora a descer. Comodidades como uma tela tátil e possibilidade de espelhar smartphones, seja via Android Auto ou Apple CarPlay, se juntam com um volante de excelente empunhadura e controles para sistema de áudio, telefone e trocas de marcha à la carte.
Vive-se bem dentro do Gol. Fui e voltei de São Paulo a Ribeirão Preto, no noroeste do Estado, em um mesmo dia, engolindo mais de 600 km. Chegando em casa poderia ter voltado a Ribeirão sem sofrer. Fiz de tudo com o Gol: carreguei volumes com banco rebatido, enchi o compartimento de bagagem de compras e malas. Rodei só, com acompanhante e com lotação total. Lambi a velocidade final em um momento de desprendimento e também afundei o pé no freio como se precisasse voltar ao passado em vez de parar. Em todas as situações o Gol foi correto.
Costumo sempre brincar dizendo que se tivesse que escolher apenas um tipo de comida para mastigar até o fim dos tempos ela seria ravióli (de carne!). Uma bebida? Coca-Cola. Um carro? Não sei, mas creio que o Gol poderia ser candidato. Sabe fazer tudo, é um campeão de versatilidade e, talvez, a escolha mais racional que se poderia fazer sem paixões, sem delírios.
Nesta versão com câmbio automático e com todos os opcionais a sensação é ambígua: tem requintes como o espelho retrovisor direito que aponta para o meio-fio quando se engata a marcha a ré, luzes de cortesia sobre os para-sóis, chave-canivete com abre-e-fecha portas (mantendo pressionado o botão os vidros se abrem) e porta-malas, sensores de proximidade no para-choque traseiro e alarme volumétrico. Falta o botão para abertura do porta-malas (interno ou na própria tampa) e eu preferiria destravar a portinhola do tanque a partir da cabine em vez de ter que dar a chave ao frentista toda vez que é preciso abastecer. Como se percebe, nada do que faz falta é verdadeiramente fundamental.
Ao estacionar diante da Suspentécnica, nosso consultor Alberto Trivellato solta seu primeiro elogio, notando a regularidade das folgas entre os componentes da carroceria, indício de cuidado na fabricação e montagem. Apesar de sujinho, outro destaque mereceu a pintura. Capô aberto, a organização do motor e “periféricos” é também admirada assim como a pintura das partes que, em muitos carros de padrão bem superior, se limita à tinta de fundo, o tal do “primer”. No Gol isso não acontece.
Sentado ao volante, o painel e sua sóbria organização é alvo de outro comentário positivo do consultor, que todavia não é replicado ao ajuste de altura do banco e pedaleira enviesada. Bastaram algumas centenas de metros para que uma frase irônica fosse dirigida ao câmbio. “Cadê as marchas?”, pergunta Alberto. Pois é. Como dito e repetido, a suavidade das trocas de marchas é absoluta, tanto em aceleração quanto nos momentos em que o pé direito é levantado.
A aceleração plena em uma rara avenida livre impressionou. O Gol tem pegada, responde bem quando instigado e Alberto se surpreende, mas sem deixar de notar como a rumorosidade e vibração cresce até um nível incômodo quando a rotação supera 4 mil rpm.
Suspensões? O consultor julga o acerto correto, que filtra razoavelmente as irregularidades sem passar a desagradável impressão de ser excessivamente branda. Um ajuste de compromisso que funciona em boa parte pela opção da VW de usar os elementos elásticos de ligação de componentes de suspensão com a estrutura, os coxins, que “trabalham” filtrando a aspereza do conjunto mola-amortecedor.
Erguido no elevador, chamou imediatamente a atenção o par de cárteres, o do óleo motor o do câmbio, este mais próximo do solo o que se confirma pela marca deixada (não em nosso teste) por uma ralada na parte frontal. Preocupante? Bem, certamente uma proteção ao cárter, especialmente para quem roda em estradas muito irregulares (todas, atualmente…), seria recomendável.
Outro detalhe chamativo é a curvatura acentuada no subchassi, o mesmo das versões dotadas de outro motor no qual o tubo de escapamento — que nesta versão sai por trás da estrutura – saía pela frente. O vão é desnecessário assim como a necessidade, segundo a VW, de projetar outro subchassi. Curioso também é o filtro de óleo ser “Made in Germany”. Qual a razão de trazer de fora um componente que é produzido no Brasil há décadas? Intrigante.
As bandejas de suspensão de chapa estampada tem desenho simples e se conectam à poderosa manga de eixo, interligada ao conjunto amortecedor-mola, o mais popular esquema McPherson. A semiárovre do lado do passageiro é longa e grossa, a do lado do motorista, curtinha e mais fina. Trivellato explica que o grosso é oco e o fino, maciço, diferença esta para minimizar um efeito chamado de “torque steer”, ou esterçamento por torque, a tendência do sistema de direção de autoesterçar para um lado quando o motor é submetido à aceleração.
O bem-protegido tubo de escapamento está “enterrado” no túnel central revestido com chapa aluminizada que o isola, impedindo a passagem de calor à cabine. Também os dutos de freio e linhas de combustível se aproveitam de vãos mas não contam com nenhuma proteção. O fundo do assoalho do Gol é pleno de ranhuras, veios com finalidade de reforçar a estrutura. Não há nem sombra de qualquer intenção de ajudar o escoamento do ar na parte inferior, coisa que à época de seu projeto era uma miragem, bem ao contrário do Novo Polo, que tem painéis plásticos que ajudam a melhorar o coeficiente de resistência aerodinâmica (Cx) e, consequentemente, desempenho global – consumo e desempenho.
O onipresente eixo de torção na traseira é precedido pelo tanque de combustível de plástico, que como observou Alberto Trivellato, passa ao interior da cabine um nítido ruído do líquido se movimentando em seu interior, evidenciando a inexistência de material fonoabsorvente e/ou anteparos quebra-ondas em seu interior, destinados a minimizar tal ruído.
De acordo com o consultor, robustez e simplicidade são os melhores termos para aplicar ao que é visto na parte do Gol que poucos enxergam. Nada é supérfluo ou elaborado em excesso. De fato, à parte a ausência de proteção dos cárteres, nada falta, nada sobra. A sábia essencialidade que faz do Gol uma unanimidade quando o tema é robustez, um pré-requisito do projeto inicial de 40 anos atrás e que jamais foi desvirtuado.
No dia da devolução, a contabilidade da semana final trouxe mais um dado sobre o consumo urbano com álcool no tanque, que em virtude das condições mais desfavoráveis — congestionamentos mais do que malvados nos quais a média horária caiu a ridículos 13 km/h — atingiu a marca de 5,1 km/l em pouco mais de 130 km rodados. Todavia, no cômputo geral, o Gol 1,6 MSI Automático registrou a bela marca de exatos 10 km/l em um mês de uso no qual houve privilegio à rodagem urbana (quase 60%). Tal marca praticamente o alinha a – vejam vocês – ao irmão moderninho, o Novo Polo, e seu festejado motor de 1 litro turbo. Como se vê, o que disse lá em cima vale ser repetido: o velho e bom Gol sim, tem algo de velho, mas bem mais de bom.
Infelizmente o vídeo que é sempre feito, e o foi desta vez, saiu com problema de imagem e áudio, e não pôde ser publicado aqui. Mas o repetirei o mais rapidamente possível — o Gol já foi devolvido à fábrica e vamos tratar de obter outro para fazer outro vídeo, que será publicado separadamente e, ao mesmo tempo, será integrado a este relatório final.
RA
Leia is relatórios anteriores: 1ª semana 2ª semana 3ª semana
Volkswagen Gol 1,6 MSI automático
Dias: 30
Quilometragem total: 1.870 km
Distância na cidade: 1.082 km (58%)
Distância na estrada: 788 km (42%)
Consumo médio: 10,0 km/l (61% gasolina – 39% álcool)
Melhor média (gasolina): 19,2 km/l
Pior média (gasolina): 7,8 km/l
Melhor média (álcool): 13,8 km/l
Pior média (álcool): 5,1 km/l
Média horária: 28,8 km/h
Tempo ao volante: 64h51 minutos
Litros consumidos: 186,83
Preço médio litro: R$ 3,44
Custo: R$ 643,72
Custo do quilômetro rodado: R$ 0,34
FICHA TÉCNICA VW GOL 1,6 MSI AUTOMÁTICO 2019 | ||
MOTOR | ||
Designação | EA211 R4 MSI 1,6 | |
Descrição | 4-cilindros, transversal, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, variador de fase na admissão em 50º, 4 válvulas por cilindro, atuação indireta por alavanca-dedo roletada com fulcrum hidráulico, correia dentada, flex | |
Diâmetro x curso (mm) | 76,5 x 86,9 | |
Cilindrada (cm³) | 1.598 | |
Taxa de compressão (:1) | 11,5 | |
Potência máxima (cv/rpm, G/A) | 110/120/5.750 | |
Torque máximo (m·kgf/rpm, G/A) | 15,8/16,8/4.000 | |
Comprimento de biela (mm) | 140 | |
Relação r/l | 0,31 | |
Corte de rotação | 6.600 (teórico, sobe marcha a 6.200 rpm) | |
Formação de mistura | Injeção no duto | |
Gerenciamento do motor | Simos 15 | |
TRANSMISSÃO | ||
Câmbio | Transeixo dianteiro com câmbio automático epicíclico Aisin AQ 160-6F de 6 marchas marchas à frente mais ré, tração dianteira | |
Relações das marchas (:1) | 1ª 4,667; 2ª 2,533; 3ª 1,556; 4ª 1.135; 5ª 0,859; 6ª 0,686; ré 3,394 | |
Relações do eixo motriz (:1) | 3,502 | |
SUSPENSÃO | ||
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora de Ø 19 mm | |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado | |
DIREÇÃO | ||
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência hidráulica | |
Diâmetro mín. de curva (m) | 10,9 | |
Relação de direção (média, :1) | 14,9 | |
N° de voltas entre batentes | 2,9 | |
FREIOS | ||
De serviço | Hidráulico, duplo-circuito em diagonal, servoassistido a vácuo | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/256 | |
Traseiros (Ø mm) | Tambor/200 | |
Controle | ABS (obrigatório) e distribuição eletrônica das forças de frenagem | |
RODAS E PNEUS | ||
Rodas | Aço 6Jx15 | |
Pneus | 195/55R15H | |
Marca e tipo no carro testado | Goodyear Efficient Grip | |
Estepe temporário | Roda de aço 5Jx14, pneu 175/70R14T Goodyear Efficientgrip | |
PESOS (kg) | ||
Em ordem de marcha | 1.040 | |
Carga máxima | 460 | |
CONSTRUÇÃO | ||
Tipo | Monobloco em aço, sedã hatchback 4-portas, 5 lugares, subchassi dianteiro | |
AERODINÂMICA | ||
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,373 | |
Área frontal (m²) | 2,04 | |
Área frontal corrigida (m²) | 0,761 | |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | ||
Comprimento | 3.892 | |
Largura sem/com espelhos | 1.656/ 1.893 | |
Altura | 1.474 | |
Distância entre eixos | 2.467 | |
Bitola dianteira/traseira | 1.423/1.411 | |
Distância mínima do solo | n.d. | |
CAPACIDADES (L) | ||
Porta-malas | 285 | |
Tanque de combustível | 55 | |
DESEMPENHO | ||
Aceleração 0-100 km/h (G/A, s) | 10,7/10,1 | |
Velocidade máxima (G/A, km/h) | 179/185 | |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBEV | ||
Cidade (km/l, G/A) | 11,1/7,7 | |
Estrada (km/l, G/A) | 13,6/9,6 | |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | ||
v/1000 em 6ª (km/h) | 45,3 | |
Rotação em 6ª a 120 km/h (rpm) | 2.650 | |
Rotação em vel. máxima, 5ª (rpm) | 5.100 |