Introdução
Um dos aviões a jato de emprego militar mais utilizados no mundo é o F-5 Tiger, de projeto e fabricação da Northrop Corporation, empresa fundada em 1939, que em 1994 se uniu à Grumman e hoje se chama Northrop Grumman.
O foco para o projeto foi a leveza, indo ao encontro de uma necessidade de algo de uso prático porém fora da faixa de caças de emprego múltiplo como o pesado F-4 Phantom. A própria Northrop custeou o início do programa, apostando na simplicidade e preço menor que do avião da McDonnell Douglas, e se deu muito bem, tendo vendido o F-5 em suas diversas versões para 36 países, um fato impressionante.
Muitos deles ainda o utilizam, após modernizações de várias origens, como aqui no Brasil, onde a Embraer tem o contrato do F-5M, a segunda extensa revitalização e melhoria de antigos aviões que começaram a chegar em 1975. Em todo esse tempo, vários sofreram acidentes e algumas unidades usadas foram compradas e entraram nesses programas de reforma.
E quando se olha para a data em que o F-5 voou pela primeira vez fica-se atônito: 30 de julho de 1959, sessenta anos hoje! Seis décadas!
A conceituação do avião foi tão certeira que uma grande quantidade foi fabricada e vendida para países aliados dos EUA, além de aproximadamente 1.200 T-38 Talon, a versão de treinamento sem armas derivada do F-5.
É um daqueles produtos que ninguém precisava, até que ele foi oferecido para venda e todo mundo achou bom e necessário. Nesse ponto, a empresa localizada em El Segundo, na Califórnia, fundada por Jack Northrop (1895-1981) foi muito feliz, criando uma necessidade e ganhando muito com isso, e não apenas dinheiro, mas um reforço à fama de fabricante de produtos inteligentes e inovadores. Este empresário tem uma história riquíssima, com grandes ideias “fora da caixa”, e na maioria das vezes sendo muito feliz com isso. Só para se ter uma noção melhor, o B-2 Spirit, o primeiro avião militar em configuração de asa voadora a funcionar de verdade e participar de conflitos armados também é projeto desta empresa.
Cabe aqui chamar atenção para um fato corriqueiro apenas para manter o padrão do AUTOentusiastas e AEROentusiastas quanto à redação, a grafia do nome Northrop. É comum encontrar “Northrup” em várias fontes, inclusive americanas. Está errado, e não consigo entender como se pode cometer um engano desse tipo com um nome tão conhecido no meio aeronáutico.
Já em 1970, depois de um bom tempo de uso no Vietnã, mostrando a capacidade e qualidade do F-5 nas versões A e B (este último de dois tripulantes) a Northrop apresentou a versão E, para venda a nações amigas dos EUA, e o Brasil assinou contrato para compra de 36 modelos E, e seis F, a variante de treinamento.
Mais empuxo dos motores e maiores tanques de combustível eram as melhorias principais, mas asas também foram mudadas para melhorar a agilidade, com as extensões de bordo de ataque junto da fuselagem, chamadas de vanes, quase o mesmo que aleta.
Aos poucos o F-5 foi gerando uma grande quantidade de apreciadores, pela manutenção simples, dimensões contidas e ótimo desempenho. Todos que o pilotaram dizem ter ótimas qualidades de controlabilidade e rapidez de resposta de comandos. A escola de pilotos de caça da Marinha americana, de apelido Top Gun, mas cujo nome correto é United States Navy Strike Fighter Tactics Instructor Program, utiliza os F-5 como aviões inimigos, pela sua grande capacidade de manobra. Essa função tem o apelido de ‘aggressor’, de mesmo significado em português. A foto de abertura mostra um avião com essa finalidade, destacando-se o número grande em vermelho, característica identificação de aviões russos.
São mais de 1.400 Tiger II, a segunda geração do modelo, um número bem alto para um jato supersônico. O número total da família chegou a 3.800, e mais de 500 deles permanecem em uso em diversos países, inclusive nos EUA. Poderia ter evoluído mais ainda com o F-20 Tigershark, mas as razões estão explicadas naquele texto.
Desenvolvimento
O projetista-chefe do F-5 foi Edgar Schmued, que também trabalhou previamente na North American Aviation em dois aviões que são símbolos de projeto bem-feito, de perfeita capacidade operacional e longevidade, o P-51 Mustang e o F-86 Sabre.
Schmued, responsável pelos desenhos para produção do F-5, teve como diretriz ir contra a corrente de aviões maiores e mais pesados, além de estimar uma vida útil de mais de 10 anos, bastante para um avião de combate que é feito para suportar manobras com grandes acelerações da gravidade (g), que forçam bastante as estruturas. Custos foram mantidos dentro das estimativas com os motores General Electric J85, pequenos e leves. O J85 tinha relação empuxo-peso de 6,25 a 7,5, ótima para aquela época, quando os motores do Phantom tinham 4,7. Quanto menor o número, mais pesado o motor para cada unidade de potência gerada.
O principal parceiro de Schmued foi Welko Gasich, o definidor da posição dos motores dentro da fuselagem, lado a lado, e montados baixos para serem facilmente acessados com os mecânicos no solo, dispensando escadas. Gasich utilizou o ciclo de vida desejado de dez anos como parâmetro guia de projeto estrutural.
O avião nasceu como o protótipo N-156 Freedom Fighter (lutador da liberdade), sendo T a versão de dois lugares e F, o monoplace (um único banco).
Os Lockheed T-33 de Kelly Johnson já eram bem usados, e estavam envelhecendo quando o N-156T foi escolhido para substituí-los. Esse viria a ser batizado de Talon, avião mundialmente famoso entre os apreciadores do mundo das viagens espaciais, já que os astronautas dos programas americanos tinham esses aviões a sua disposição, tanto pela necessidade de viagens frequentes quanto para manter uma proficiência de voo e tudo de bom que vem com ele, como concentração e muita atividade cerebral, além das cargas de força G sobre o organismo. Foram 1.158 Talons fabricados até janeiro de 1972.
A imagem abaixo mostra a diferença de comprimento e configuração de nariz entre o F-5E Tiger II de um lugar, o RF-5E utilizado para reconhecimento e que espaço para câmeras fotográficas no nariz, e a versão F, justamente o Talon.
Um fato importante foi registrado no primeiro voo do N-156F em 30 de julho de 1959, a velocidade acima de Mach 1 atingida já na estreia, algo incomum ainda hoje. Fazia apenas 12 anos que a barreira do som havia sido ultrapassada, e um avião de projeto para alta produção já conseguia deixá-la para trás em seu voo de estreia. Isso mostra o quanto essa época é apaixonante para quem aprecia o assunto, já que a velocidade da evolução era muito grande.
Em avaliação comparativa com concorrentes, o N-156 F mostrou que funcionava perfeitamente. Numa sequência de sorte — e ela ajuda quem se prepara — em 1962 foi reativado um requerimento do governo americano visando aumentar o apoio às nações amigas, e o F-5A foi o vencedor na área de jato leve de combate, anúncio feito em 23 de abril de 1962. Esse requerimento tinha o nome de F-X, curiosamente o mesmo do programa do novo caça da FAB, tantas décadas depois.
Depois de vários anos de emprego, o F-5 venceu mais uma concorrência, dessa vez a IFA em 1970 – International Fighter Aircraft , para substituir a si próprio na variante A, destinado a se equiparar em combate ao MiG-21. Essa é a versão mais fabricada e conhecida, o F-5E Tiger II. Tem motores GE J85-21, fuselagem mais larga com tanques maiores, extensão curvas nas asas, radar que o A e o B não tem, melhor equipamento de navegação, e manteve os dois canhões ao lado do nariz, o M39.
Visando equipar aliados em áreas perigosas — entendam comunistas — os EUA venderam os direitos de fabricação para Taiwan, onde 308 foram feitos, Coreia do Sul, mais 68, e a Suíça, eternamente neutra, também aproveitou e comprou 91 aviões, montando-os em casa.
Bem mais à frente, a versão G foi projetada, com apenas um motor, e foi batizado F-20 Tigershark por questões de marketing, que queria um nome novo que afastasse o novo avião de um modelo já antigo. Não conseguiu vencer as concorrências com o fabuloso F-16, e ficou apenas na fase de protótipo.
Há alguns anos vi e fotografei um F-5E modificado para estudos de sonic boom, o estrondo sônico que um objeto produz ao passar pela barreira do som. Alterações na fuselagem visavam mudar a intensidade do som nesse momento, diminuindo-o. Batizado de Shaped Sonic Boom Demonstrator (SSBD) se encontra no Valiant Air Command Museum, em Titusville, na Florida.
Esse avião é um daqueles exemplos de trabalho de desenvolvimento prático a partir de teorias matemáticas. Ele foi sendo modificado com adição de partes feitas em compósitos de fibra de vidro, apenas para se chegar a uma forma que proporcionasse o mínimo de ruído quando o cone de pressão adiante do avião fosse rompido, o que causa o som duplo ” bam-bam”, e que é alvo de protestadores ecológicos pelo mundo afora. Um excesso de reclamação, certamente, já que qualquer ônibus urbano movido a diesel faz mais barulho que um avião voando alto sobre uma cidade. A humanidade se preocupa com algumas formiguinhas e deixa escapar os elefantes.
Toda a história desse projeto está em um completíssimo livro digital que pode ser baixado gratuitamente no site da NASA, cujo link está no final.
Versões modernizadas também foram feitas em países com os quais o governo americano tem relações complicadas atualmente.
Uma delas é o HESA Kowsar (trovoada) feito no Irã. Os iranianos afirmam que o avião é novo, e não cópia ou mera reforma do F-5. Equipado com aviônicos de quarta geração, o radar de vários modos de uso, como combate ou mau tempo, instrumentos em telas multifunção e sistema de controle de fogo avançado, com matemática de balística agrupada a mapas móveis, permitindo estabelecer ponto de impacto em solo com precisão.
Esse avião é bem recente, com a apresentação da linha de fabricação na Iran Aircraft Manufacturing Industries em 3 de novembro de 2018. Sete aviões estavam nas imagens divulgadas, mas não se tem certeza se é uma instalação que trabalha constantemente ou apenas um cenário montado para impressionar.
De acordo com especialistas em armas, há grandes chances do avião ser apenas os F-5 antigos modernizados, e que apenas mostraria que o embargo americano contra o Irã está sendo desafiado.
Antes do Kowsar, a empresa HESA já havia fabricado pelo menos nove exemplares do HESA Saeqeh, que era operacional já em 2006, e dois exemplares participaram de uma parada militar no ano seguinte, em voo.
Já em 2010 o primeiro esquadrão equipado apenas com o Saeqeh foi apresentado. A grande diferença visual para o F-5 é a cauda com dois estabilizadores verticais e eliminação dos profundores, além de asas com filetes e entradas de ar diferentes para os motores, mas a fuselagem, trem de pouso, motores e cockpit eram idênticos.
Para quem se interessa, é fácil entender o porquê da existência desses aviões. Os F-5 são numerosos em muitas nações, e ao ficar antigos em sistemas e motores, é normal que sejam avaliados quanto à estrutura. Se estão em bom estados, podem ser reformados e é isso que gera esses aviões com novos nomes, normalmente feitos em países que pouco se importam com o respeito a direitos autorais ou origem de projeto.
Pensando o futuro do F-5
A Northrop utilizou o F-5 como base para participar de uma importante concorrência militar em 1973, destinada a equipar a Marinha Americana com um caca de emprego múltiplo, substituindo os já antigos A-7 Corsair II, os A-4 Skyhawk e os Phantom. Com o YF-17 buscava fazer o melhor projeto para a arma, e boa parte do avião foi baseado no F-5.
Embora nele baseado, o YF-17 era bem diferente, com motores mais próximos do centro do avião e também montados mais altos, estabilizador vertical duplo, devido a necessidade de manobras mais rápidas para pouso em navios-aeródromos, e carlinga do tipo bolha, com visibilidade traseira elevada, algo que o F-5 nunca teve de bom.
O vencedor da concorrência foi o McDonnell Douglas F-18 Hornet, que teve seu desenho geral baseado no YF-17, em um acordo de colaboração técnica que favoreceu a ambas empresas. Mais uma vez a excelência de engenharia da Northrop se fez provar, com um concorrente utilizando seu desenho básico. Se pensarmos que a partir do começo dos anos 1990 um novo avião, o F-18 E Super Hornet foi desenvolvido, e que sua arquitetura geral é muito parecida com a do F-18 original, essa superioridade da Northrop se reforça ainda mais.
Ainda hoje o F-5 voa em muitas nações, tem eficiência muito boa pela antiguidade de seu projeto, e deverá continuar em operação por algumas décadas, devido aos programas de modernização que existem em várias nações.
Nada mau para um jovem de 60 anos!
Para saber mais:
Livro Quieting the Boom, https://www.nasa.gov/connect/ebooks/nasa-ebook-quieting-the-boom
Védeo de 49 minutos com a história do F-5, da série Great Planes:
Dados técnicos do Northrop F-5E Tiger II
- tripulação: 1
- comprimento: 14,68 m
- envergadura: 8,13 m
- altura: 4.07 m
- área alar:17,3 m2
- peso vazio: 4.347 kg
- peso carregado sem carga externa: 7.142 kg
- peso máximo de decolagem: 11.192 kg
- tanque de combustível interno: 2.560 L
- tanque de combustível externo: até 3 de 1.040 L
- motores: 2 × General Electric J85-GE-21 com pós-combustão , empuxo líquido 1.600 kgf, 2.200 kgf com pós combustão
Desempenho
- velocidade máxima: Mach 1,63 (1,740 km/h) a 11.000 m
- velocidade de cruzeiro: Mach 0,98 (1,050 km/h) a 11.000 m
- velocidade de cruzeiro para máxima autonomia: Mach 0,8 (850 km/h) a 11.000 m
- velocidade de estol: 230 km/h
- alcance sem carga externa: 891 km
- raio de combate: 220 km com 20 minutos de reserva de combustível
- alcance máximo: 3.723 km com tanques externos, velocidade econômica
- teto máximo de serviço: 15.800 m
- razão de subida: 11.000 m/min
- corrida de decolagem: 884 m, sem carga externa
- corrida de pouso: 1.128 m (762 m com para-quedas de frenagem)
Armamento
- Canhões: 2 de 20 mm (0.787 in) M39A2
- Mísseis: 2 AAM Sidewinder ou AIM-120 AMRAAM ou AGM-65 Maverick
- Capacidade externa para bombas, foguetes ou tanques suplementares: 4 pontos nas asas e um sob a fuselagem, para 3.200 kg máximos
JJ