Duas corridas das mais movimentadas e disputadas deram um novo fôlego à F-1 2019, temporada que ainda tem a pecha de ser uma das mais modorrentas da história, cortesia do domínio que a Mercedes impõe sobre as nove equipes que almejam reverter esse quadro. Faltando alguns dias para o GP da Alemanha e o início do período de férias da categoria, alguns acontecimentos extra-pista ajudam a manter o circo mais caro do mundo em alta graças a assuntos nada inéditos: um processo de empresário contra piloto, envolvendo o australiano Daniel Ricciardo, e o caso de um patrocinador megalomaníaco (foto de abertura/Haas), que apesar de tudo ainda aparece na identidade visual da equipe Haas.
A relação comercial entre os atores da F-1 é das mais complicadas e o capítulo “Pilotos e Empresários” não foge à essa regra. Em linhas gerais, a ligação entre o atleta e as equipes é extremamente indireta e envolve caminhos complicados e tortuosos que cruzam diversas fronteiras para explorar as melhores condições fiscais e minimizar, tanto quanto possível, o pagamento de impostos. O piloto presta serviços para uma determinada empresa, que por sua vez negocia esse capital com uma empresa que representa os interesses de uma equipe de F-1. Há quem fature alguns trocados para simplesmente acender e apagar luzes e fazer ligações desde um telefone fixo e, com isso, legitimar que em um determinado endereço vive uma pessoa ou funciona uma empresa.
Para garantir o sigilo e confidencialidade dessas negociações são usadas as mais diversas estratégias. Niki Lauda admitiu que para convencer Lewis Hamilton a trocar a McLaren pela Mercedes esperou até as duas horas da manhã para bater à porta do seu quarto de hotel… Nem sempre piloto e equipe são assim tão rápidos e diretos nas tratativas e aqui voltamos ao caso de Ricciardo.
Longe de julgar o caso que eclodiu esta semana envolvendo Daniel Ricciardo, o episódio exemplifica o processo. Ao contrário do compatriota Mark Webber ou do austríaco Gerhard Berger, pilotos que evitavam delegar a negociação de seus contratos a terceiros, Ricciardo tinha desde 2012 um acordo de trabalho com Glenn Beavis. De acordo com o site da ESPN inglesa, este inglês agora processa o australiano pela soma de aproximadamente R$ 48 milhões alegando falta de pagamento por serviços prestados e, ele alega, pavimentaram seu caminho para assinar o contrato com a Renault no segundo semestre de 2018.
O australiano chegou à F-1 pelas mãos da Red Bull, que o apoiou em categorias de acesso, mas sua continuidade no time começou a ficar ameaçada com a promoção relâmpago de Max Verstappen, em 2017. Isso disparou o início de negociações com outras equipes, em particular com a Ferrari, assunto que como é normal acontecer com tudo que acontece com a Scuderia, vazou e, consequentemente, esvaziou a tratativa. Essas negociações foram feitas por Glenn Shane Roger Beavis, que desde 2012 estava à carga do assunto. Em meados de 2017 ele alega ter iniciado os contatos com Cyril Abiteboul, líder da equipe Renault .
Beavis fundou a agência Sivana Sports International em 30 de abril de 2010 e a dissolveu junto às autoridades britânicas em 24 de julho de 2014 e há anos opera desde um escritório situado nos Emirados Árabes Unidos. Desde o início do ano quem cuida dos interesses de Ricciardo é a CAA, uma agência baseada na Califórnia e que tem escritórios espalhados pelo mundo. Para garantir esse novo contrato, foi costurado um acordo no final do ano passado: no dia 15 de dezembro o australiano solicitou formalmente o fim do contrato com Beavis para o dia 31 de março de 2019.
Segundo o inglês, ficou acertado que as pendências financeiras seriam acertadas oportunamente, incluindo o pagamento da super-licença de Daniel Ricciardo e redação final do contrato com a Renault, trabalho que teria sido concluído em 7 de março, uma semana antes do GP da Austrália. De acordo com o advogado do piloto, Jeremy Courtenay-Stamp, a causa inexiste:
“O reclamante não tem qualquer direito de comissão ou qualquer outra forma de pagamento referente ao contrato com a Renault. Não há qualquer mérito com relação a essa causa e vamos defender isso de forma absoluta.”
Questionada sobre o assunto a Renault emitiu nota dizendo que se trata de um assunto particular do piloto e Beavis e que, portanto, trata-se de um assunto que não lhe diz respeito.
Haas e a não tão rica energia
Até o início desta temporada a equipe Haas não exibia nenhum patrocinador principal em seus carros; o assunto e os seus carros ganharam outras cores quando a marca de energéticos Rich Energy anunciou um acordo para ser seu patrocinador master. A empresa esteve envolvida em negociações para adquirir a Force India no decorrer da temporada de 2018, mas sua proposta foi rejeitada pelos administradores da massa falida. Tão logo seu logotipo apareceu nos carros de Romain Grosjean e Kevin Magnussen, a Whyte Bikes, uma empresa fabricante de bicicletas customizadas, instaurou um processo alegando cópia de sua marca.
A Haas tenta manter a calma diante da balbúrdia que se instalou em torno desse patrocínio: é extremamente difícil encontrar o produto, fabricado no bairro londrino de Richmond, nos supermercados e lojas de comodidade da Inglaterra e seu ex-executivo-chefe, William Storey, tem todas as características de um megalomaníaco. Os balanços publicados pela empresa jamais indicaram condição para adquirir ou patrocinar uma equipe de F-1, onde uma unidade da moeda básica da categoria é um milhão de dólares.
Mais recentemente a Rich Energy mudou seu nome para Lightining Volt, mas a Haas continua mantendo as cores e o nome antigo do produto em seu site e nos seus carros e, sabiamente, evita comentar o assunto. Nem por isso deixa de ser curioso o fato do seu departamento legal ter aprovado o contrato com uma empresa que faturou US$ 134 (R$ 530) em 2016 e pouco mais de R$ 3.000 no ano seguinte. O time norte-americano não foi o único a cair na conversa de Storey: no fim de semana do GP dos EUA de 2018 Claire Williams e alguns executivos da Williams esperavam fechar um contrato de patrocínio com a Rich Energy, algo que seria assinado durante um jantar em um restaurante em Austin… Storey não apareceu e alguns dias depois aconteceu o anúncio da parceria com a Haas.
No passado aconteceram casos semelhantes envolvendo a Lamborghini e a Forti Corse. A fábrica de esportivos italiana caiu no conto do advogado mexicano Fernando González Luna, que desapareceu misteriosamente às vésperas do GP do México de 1990. Seis anos mais tarde a equipe de Guido Forti se deixou persuadir pelas promessas do grupo irlandês Shannon Racing e no GP da Espanha apresentou seus carros com a pintura branca e verde e o trevo de quatro folhas dessa empresa. Nem mesmo o fato da TWR-Jaguar ter desmentido o anúncio que a Shannon Racing tinha comprado quatro dos seus protótipos do Grupo C serviu para alertar Forti que daquele shamrock não emanaria dose de boa sorte.
WG