A rodovia sempre revela muita coisa sobre o verdadeiro caráter de um automóvel. No caso do Honda HR-V, alvo desse “30 Dias”, não foi diferente. Suves são, no meu modo de entender, os herdeiros naturais das quase extintas peruas (ou “station wagons”, como gostam alguns). Suves são veículos escolhidos por boa parcela de usuários por serem capazes de levar carga em uma viagem, seja ela longa, seja no rotineiro final de semana na praia ou no sítio.
Foi exatamente a esta função que expus o HR-V Touring, que tem no nome a palavra inglesa que, em qualquer tradução, remete ao ato de viajar. Batismo não à toa como pudemos observar, eu e as acompanhantes com suas bagagens.
Cena 1: carregar o HR-V
Acessar o porta-malas não tem segredo já que o botão está onde deveria estar (algo nem sempre usual na produção automobilística atual, diga-se). Além disso, há a possibilidade de destravar (não de abrir) a 5ª porta através da chave, tipo presencial, e que não exige ser inserida.
Uma vez aberto o compartimento, boas notícias: espaço interno razoável, possibilidade de alterar o ângulo de inclinação do encosto do banco de passageiros bipartido (60:40) e, por consequência, aumentar ligeiramente o espaço na área mais elevada do porta-malas. No topo, cobertura fácil de ser retirada. Nas laterais, plástico duro corrugado, reforçado mas vítima fácil de arranhões. No fundo e no encosto, carpete. O estepe de uso temporário está sob uma placa de aglomerado de espessura correta.
A altura da borda em relação ao fundo é mínima, e sua superfície é revestida com plástico resistente. Carregar é fácil, descarregar melhor ainda. Aliás, a distância da “boca” em relação ao solo é adequada e o para-choque, preto, espanta o medo de riscos, inevitáveis caso fosse pintado na cor da carroceria.
O compartimento recebeu com folga nossas malas e tudo o mais que foi necessário levar e, uma vez carregado, o HR-V não fez ver uma característica chatinha dos Honda Fit e WR-V (com os quais compartilha plataforma), que é arriar a traseira mesmo que o peso não esteja nem de perto do limite. E qual seria este limite? A Honda anuncia peso bruto total de 1.800 kg para o HR-V Touring, enquanto o peso em ordem de marcha é de 1.380 kg, ou seja, 420 kg. Somando o peso humano, sobrariam pelo menos 200 kg para levar no compartimento de carga. Certamente não havia nem 1/3 disso.
Cena 2: a bordo
Não há nenhuma dúvida que uma das melhorias mais bem aplicada a esta nova geração de HR-V é o aperfeiçoamento dos bancos. Apesar de contar com apenas regulagens básicas – altura, inclinação do encosto e distância do volante – sentar ao volante ou no lugar do passageiro é sinônimo de pleno conforto. Uma característica que pode incomodar alguns é praticamente não haver folga entre cabeça e seu encosto. Para mim, tal posicionamento não incomoda, é opção de segurança. E falando nela… dá-lhe bolsas infláveis: são seis, frontais, laterais e de cortina.
Outro bom aspecto vem da ergonomia que, em se tratando de viagem, apresenta aspectos específicos. Saí de noite e, num dado momento do percurso encarei chuva fina e neblina. Ter comandos intuitivos e eficientes para faróis, limpador de para-brisa e outros são regra no HR-V, o ideal nestas condições difíceis
O sistema de iluminação é ótimo, a posição AUTO elimina o dever de ligar as luzes quando anoitece ou aparece um túnel. Aliás, já repararam quanta gente circula na cidade de faróis apagados? Culpa dos painéis atuais, cuja iluminação é enganosa, igual seja de dia ou de noite na maioria dos veículos, idem no HR-V.
Aliás, falando em painel, este Honda permite escolher entre sete cores para a iluminação do aro do velocímetro. Escolhi vermelho, cor que prevalece quando a tocada é perdulária, enquanto o verde predomina quando se dirige sem exagerar no acelerador. Na transição entre economizar e gastar combustível, o verde-sustentável passa para o amarelo, laranja e, por fim, ao vermelho gastador.
A central multimídia é razoável, funcional. Dotada de navegador nativo, espelha celulares Android e Apple o que agrada a wazedependentes como eu. Outro agrado vem facilidade de operar o sistema de áudio via comandos no volante, assim como o telefone celular pareado (via cabo ou Bluetooth).
O ar-condicionado, estranhamente, não é bizona, equipamento que se espera encontrar em um HR-V topo de linha, assim como um teto solar caprichadão (que está lá…), um retrovisor fotocrômico (idem) e o botão pelo qual ligo o motor e parto para a rodovia.
Cena 3: guiando na rodovia
Já falei, e falo de novo: o HR-V se deixa levar rodando na cidade usando 10 ou 20% do acelerador. Uma vez na rodovia, estabilizado aos 120 km/h regulamentares, o pé aperta quase nada de acelerador e o conta-giros está a pouco mais de 2 mil rpm. Assim, tranquilo, o motor usa apenas 30% de seu arco de rotação disponível e o resultado é… – bingo! – baixo consumo de combustível.
Associado a uma bem ajustada caixa CVT, o motor desse Honda — que aparentemente não tem formas que brigam muito com a parede de ar à sua frente (o CX não se sabe pois a marca não o anuncia) –, não faz força para o mover. Outro fato que ajuda a gastar pouca energia é o peso, contido a 1.380 kg em ordem de marcha.
Para conseguir o melhor consumo no trecho, abdico de qualquer excesso no pedal da direita mas não do conforto do ar-condicionado e, dirigindo suavemente, alcanço ao destino depois de cerca de 200 km de pistas variadas, com destaque para a descida da Serra do Mar. Importante citar que o controlador de velocidade em descidas nem tão íngremes deixou a velocidade exceder a impostada em mais do que dez km/h, o que não é razoável.
Eu esperava o contrário, já que câmbios CVT têm a propriedade de “achar” relação entre as duas polias que resulte no freio-motor para manter a velocidade programada.
Na chegada, o computador de bordo indica 16,8 km/l. Neste mesmo trajeto e em tocada semelhante, o campeão nas minhas mãos foi o híbrido Toyota Prius (17,5 km/l) seguido do Civic Touring (17,0 km/l), que é equipado com este mesmíssimo motor do HR-V. O sedã é 50 kg mais leve e certamente mais aerodinâmico que o suve, porém a marca do HR-V é absolutamente excelente.
Cena 4: on-off road
No destino, rodar na terra e em terrenos íngremes (fotos acima), com muitos desníveis, mostrou que contatos com o solo, tanto frente quanto traseira, não acontecem, a não ser por raspadinhas das abas de borracha situadas diante das rodas dianteiras. Outro elemento que passou incólume foi o volumoso silenciador que se vê abaixo da porta dianteira direita: parece que vai raspar no solo, mas isso não aconteceu nem mesmo circulando em desníveis pronunciados.
Quanto à capacidade de tração em piso ruim, o controle age de maneira correta, permitindo uma leve desgarrada inicial, adequada para vencer a inércia, para depois controlar a transmissão da força ao solo. Exagerando no acelerador, a progressão é mínima se os pneus não encontrarem piso firme. Num local úmido, cheio de folhas, foi preciso desligar o controle de tração por alguns momentos para vencer o trecho, o que confirmou o que eu já sabia: as capacidades do HR-V em off-road são limitadas. Vai bem sobre irregularidades, encara desníveis na boa apesar do curso de suspensões curto, mas piso de baixa aderência de verdade deve ser evitado.
Cena 5: a volta
O trecho de serra em subida serviu para mostrar as habilidades do HR-V em uma tocada mais rápida, e deu chance de explorar o fôlego do motor de 1,5 litro turbo. Os 173 cv sobram na tarefa de mover este Honda.
É empolgante a progressão da aceleração, assim como verificar o excelente comportamento da direção e do sistema eletrônico AHA (Agile Handling Assist), que ajuda o HR-V a digerir curvas de modo impecável — freiam-se ligeiramente as rodas internas, a mesma vetorização por torque que dá direção aos tanques e aos tratores de esteira.. Nota positiva vem dos pneus Michelin Primacy 215/55R17V e do ajuste de suspensões, no que pese considerar que rigidez a mais não faria mal nestes momentos mas esportivos.
Um componente que mostra limitação quando o ritmo aumenta é o câmbio: mesmo com a possibilidade das 7 marchas virtuais acionadas pelas borboletas atrás do volante ou uso do modo “S”, que eleva a rotação-padrão, o CVT limita o uso esportivo o que define que o HR-V é o que é: um suve, dos mais potentes, mas sem vocação para divertir.
Ao cabo da passeio de fim de semana, 400 e passa quilômetros depois, o trio de viajantes exaltou conforto, ambiente agradável (teto e couro claro dão show!), boa capacidade de carga e competência na proposta de ser Touring não só no nome. Acrescento ainda um 10 com louvor ao sistema de iluminação, que engoliu escuridão e neblina, passando excelente visibilidade. Baixo consumo de gasolina é outro ponto alto, sem concorrentes à altura no segmento. Algo a melhorar? Talvez o isolamento do motor que, nos momentos de forte aceleração, ainda se faz presente em excesso na cabine.
Para a 3ª semana, o uso previsto é urbano, e há uma possibilidade de usar a capacidade de carga de modo extremo e ver o que acontece.
RA
Relatório anterior: 1ª semana
Honda HR-V Touring
Dias: 14
Quilometragem total: 706,3 km
Distância na cidade: 318,1 km (45%)
Distância na estrada: 388,2 km (55%)
Consumo (cidade): 7,8 km/l a 10,9 km/l
Consumo (rodovia): 14,2 km/l a 16,8 km/
Consumo médio (na semana): 13,3 km/l
Consumo médio (desde o início da avaliação): 10,8 km/l
FICHA TÉCNICA HONDA HR-V TOURING 2020 | |
MOTOR | Quatro cilindros em linha, dianteiro, transversal, bloco e cabeçote de alumínio, 16 válvulas, comando no cabeçote acionado por corrente, variador de fase na admissão e escapamento, turbocompressor com interresfriador, injeção direta, gasolina |
Cilindrada (cm³) | 1.498 |
Diâmetro e curso (mm) | 73 x 89,5 |
Taxa de compressão (:1) | 10.6 |
Potência máxima (cv/rpm) | 173/5.5.00 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 22,4/1.700 a 5.500 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo dianteiro automático CVT com 7 marchas virtuais, trocas manuais sequenciais pelas borboletas, tração dianteira |
Relações de transmissão (:1) | 2,645 a 0,405; ré 1,859 a 1,303 |
Espectro das relações (:1) | 6,530 |
Relação de diferencial (:1) | 5,048 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra antirrolagem |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade |
Voltas entre batentes | 2,8 |
Diâmetro do aro do volante (mm) | 360 |
Diâmetro mínimo de giro (m) | 10,6 |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/293 |
Traseiros (Ø mm) | Disco/282 |
Controle | ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças de frenagem e assistência à frenagem |
RODAS E PNEUS | |
Rodas (pol.) | Liga de alumínio, 7Jx17 |
Pneus | 215/55R17V |
CARROCERIA | Monobloco em aço, suve, subchassi dianteiro, quatro portas, cinco lugares |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 393 (980 com encostos rebatidos) |
Tanque de combustível | 51 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.380 |
Capacidade de carga | 420 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.329 |
Largura sem espelhos | 1.772 |
Altura | 1.650 |
Distância entre eixos | 2.610 |
Bitola dianteira/traseira | 1.535/1.540 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBEV | |
Cidade (km/l) | n.d. |
Estrada (km/l) | n.d. |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 9 (estimado) |
Velocidade máxima (km/h) | 200 (estimado) |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
V/1000 c/ rel. mais longa (km/h) | 59,7 |
Rotação a 120 km/h, idem (rpm) | 2.000 |