Relendo alguns textos antigos aqui no AE, acabei vendo um comentário de nosso editor-chefe Bob Sharp em que ele cita sua famosa frase “morro sem entender…”. E vendo alguns comentários, tanto em páginas automobilísticas similares e mesmo em publicações da imprensa em geral, acabei fazendo minha própria lista de “morro sem entender”.
Começa por um carro ser autuado por excesso de velocidade quando o motorista o empurrava, como mostra o fac-simile da notificação de autuação que abre esta matéria. Há casos semelhantes, como um carro ser multado por trafegar no horário do rodízio paulistano quando era transportado num caminhão-plataforma.
CONSUMIDORES
Morro sem entender:
• Por que o brasileiro tem verdadeira fascinação em pneus de perfil baixo sendo que vai rodar a no máximo 120 km/h na estrada e enfrentar asfalto mais assemelhado à superfície lunar?
• Por que tanta gente, mesmo provando por A+B certos conceitos, fica simplesmente “fixado” no valor do torque máximo e rotação sem ao menos conhecer maiores detalhes de um motor x. Ninguém se preocupa com potência.
Fala-se só de “torque”, simplesmente ignorando que o torque é um dos componentes, que multiplicado pela rotação fornecerá o valor da potência (essa sim, relevante!) E teve gente que criou até uma relação maluca denominada “peso-torque”. Sendo o torque que chega às rodas é o valor do torque do motor multiplicado pela relação de marcha e de diferencial, Essa relação peso-torque é tão sem sentido quanto correlacionar índice pluviométrico com quantidade de habeas corpus impetrados pelos advogados do Lula .
• Falando ainda em torque, outro dia vi um comentário depreciativo ao Novo Corolla no qual a pessoa declara textualmente que o carro tem torque máximo a 4.400 rpm. E daí? O motor VW EA113 2-L do Jetta também tem o pico de torque em 4.000 rpm mas todos sabem que a quase totalidade do torque produzido por esse motor já está disponível em 2.400 rpm.
Aliás, falar em torque sozinho é o mesmo que comparar modelos de chuveiro elétrico dizendo se ele é 110 V ou 220 V e com isso esquentará mais ou menos uma certa quantidade de água para uma determinada vazão…
• A fascinação do brasileiro pela película escurecedora nos vidros, sob o argumento tão questionável quanto o terraplanismo de que “ajuda na segurança”. Essa é outra que morro sem entender.
• Que o brasileiro gosta de carro eu até concordo, mas o cara gastar todo o orçamento em um jogo de rodas de aros enormes e colocar um jogo de pneus remold de perfil ultrabaixo é outra coisa que não entra na minha cabeça. E ainda rebaixa, para piorar tudo…
• O Carnaval 2020 ainda está longe, mas isso me lembra outro “morro sem entender”. Sempre ouvi falar de carnavalescos como sinônimo de foliões, mas de um tempo para cá carnavalesco é diretor de escola de samba. Muito esquisito.
IMPRENSA (ESPECIALIZADA OU NÃO)
• Certas maneiras de falar e escrever me são intrigantes. Como é possível se achar que automóveis são apenas montados, daí chamar fábricas de automóveis de montadoras? O mais curioso é ‘montadora’ ser “reserva especial” para fábricas de automóveis, pois qualquer outro produto é produzido em fábricas, não em montadoras. De motocicletas a parafuso.Será que alguém já ouviu falar em ‘garantia de montadora’?.
• Bloco. Hoje aquilo que outrora foi componente do motor (junto com cabeçote, bronzinas, pistões, bielas, etc.) hoje virou sinônimo de motor. Ai aparecem as aberrações do tipo “O veículo possui um bloco de 2000 cilindradas que produz 145 cv.””.
• E falando em cilindrada…moto de 125 cilindradas, motor de 1600 cilindradas…Cilindrada agora é unidade de volume? Pelo jeito, sim. Então partindo desse pressuposto, amanhã vou ao supermercado comprar 1 peso de carne e uma Coca-Cola de 2 volumes para o almoço…
• Morro sem entender por que o adjetivo ordinal está praticamente extinto no Brasil.Nos grandes prêmios de F-1 , por exemplo, não se diz mais, por exemplo, trigésima-sétima volta, sempre “volta de número trinta e sete.” O mesmo nos informativos de fábrica quanto a recordes de produção, como em “a fábrica x produziu o carro y de número um milhão.” Milionésimo? Acabou.
• Sempre li e ouvi falar em capotagem, mas hoje leio cada vez mais ‘capotamento’. Por que mudou? O que terá acontecido? Essa é uma que morro sem entender.
• A imprensa “leiga” brasileira quando resolve falar de aviação solta cada pérola que daria para escrever um livro maior que toda a regulamentação tributária do Brasil. O Boeing 737-Max se acidentou porque é um projeto “remendado”, turbina de avião “pega fogo” durante a decolagem ou então motor de jato “explode” durante a decolagem (estol de compressor é algo bem diferente de pegar fogo ou explodir), somente para citar alguns.
FABRICANTES (OU SERIA MONTADORA???)
• Alguns fabricantes parecem ter vergonha de seu passado: produzem veículos e assim que os tira de linha, jogam-nos num total ostracismo, ao ponto de haver dificuldade para encontrar peças para eles.Morro sem entender esse “antimarketing”.
• Certas soluções são tão básicas e óbvias que morrerei sem compreender por que levaram tanto tempo para serem implementadas — quando implementadas! Eixo ômega na Ford Courier (precisaram de alguns anos para implementarem), “T” metálico na tubulação de combustível da Kombi de dupla carburação (nunca fizeram!), apenas para citar alguns.
• Outra coisa que morro sem entender: numa época onde a customização do produto era para ser a palavra de ordem, hoje os veículos estão cada dia mais “engessados” em pacotes de opcionais. Enquanto no passado você podia comprar um Passat (por exemplo) de diversas versões, com câmbio de relações longas ou não, hoje em alguns modelos você acaba refém dos pacotes de opcionais. E muitas vezes tem que se contentar com o que tem para aquele momento, porque se for aguardar o estoque, ou você vai para a venda direta (e se submete a esperar meses pelo carro) ou se contenta com aquilo que há no concessionário.
• Falando em venda direta, até agora não compreendi o porquê de alguns modelos simplesmente demorarem tanto para serem entregues! Um parente de minha esposa esperou quase quatro meses para faturarem seu veículo, adquirido como produtor rural. Outro fato semelhante eu vi acontecendo com um conhecido que está esperando seu carro há mais de 90 dias, apenas porque pediu teto solar… Fato assim eu só me lembro na época que eu era criança, quando do Plano Cruzado e o congelamento de preços!
• E já que o assunto é demora, nos meus 22 anos de motorista tive apenas quatro dos 12 carros que passaram por minhas mãos comprados zero-quilômetro. E sou franco da razão: Não tenho paciência de esperar.
Não entra na minha cabeça a dificuldade em liberar um carro zero para o consumidor. Quando a Cássia, minha mulher, comprou o Jetta, o cheque foi compensado no dia seguinte à compra e o financiamento aprovado no mesmo dia. O veículo já se encontrava no pátio central da concessionária, portanto já pertencia à empresa como estoque. A entrega do carro, todavia, levou 15 dias.
Com a minha atual Saveiro (adquirida de segunda mão), financiamento aprovado, fiz o TED (Transferência Eletrônica Disponível) na conta da loja de veículos na parte da manhã e no final da tarde estava de carro na mão.
TRÂNSITO E LEGISLAÇÃO
Neste quesito, dá para morrer, reencarnar e tornar a morrer novamente e ainda assim não será possível compreender a cabeça dos “especialistas” de trânsito.
• Morrerei sem entender o que passa na cabeça dos “profissionais de trânsito” brasileiros (entre aspas mesmo). Em nome da “segurança” criam-se lombadas na diagonal, colocam-se “tartarugas” de concreto em lugares de alto fluxo de veículos (restringindo a apenas um carro por vez) e pior, tão estreitas que até picapes têm dificuldade em virar, apenas para citar algumas.
• Já viram lombada em diagonal? Por aqui alguém inventou essa moda e o “dejeto viário” fica ainda maior, incômodo.
Bonito é ver caminhão com alguma carga passando por essas aberrações. O chassi chega a estralar!
• Morrerei sem compreender também qual a dificuldade de muitas empresas em fazer um remendo de asfalto NIVELADO com o piso pré-existente. Alguns remendos mais parecem pequenas lombadas no meio da pista.
• Também foge à minha compreensão a dificuldade de se fazer um correto escoamento de água nas rodovias. Alguns poderiam até dizer que é por se tratar de algo feito pelo serviço público, mas o que torna esse fato bastante grave é observar lâminas d´água em dias de chuva em rodovias concedidas e (muito bem) pedagiadas!
• Na cidade onde resido há uma série de vias preferenciais cruzando com vias de parada obrigatória. Geralmente onde tem maior fluxo de carros há a preferência, certo? Errado! Aqui muitas vezes a preferencial é na via cujo sentido tem MENOS carros e para ajudar, ainda tem uma valeta de escoamento de água pluvial na via preferencial…
• Embora eu seja um liberal no sentido econômico, não entendo como se consegue tantas concessões para vendas diretas de veículos na categoria PCD. Embora meu pai tenha direito (legítimo) de ter um veículo com todas as isenções, ele NUNCA comprou um carro nessas condições exatamente por conta da excessiva burocracia que o levaria a ter que correr diversos órgãos.
Agora, já vi gente até com bursite comprando carro com isenção…
SOBRE O AUTOR DESSE TEXTO
• Morro sem entender por que eu tento compreender coisas como as acima listadas, cuja resposta certa e simples é: “Porque estamos no Brasil!!!”
“O Brasil é de cabeça para baixo e, se você disser que é de cabeça para baixo, eles o põem de cabeça para baixo, para você ver que está de cabeça para cima.” (Tom Jobim – 1927-1994)
DA