“Ah, rodar com carros e motocicletas e escrever sobre eles, é isso? Divertido, hein?” Foi o que ouvi de um médico proctologista quando respondi à pergunta sobre qual era minha profissão.
Nos instantes seguintes, silêncio. Um misto de vergonha e culpa — muita culpa! — me invadiu. Tratar do ânus e suas doenças é para os fortes mas… diversão não é conceito aplicável à esta atividade profissional. A comparação entre nossas funções me reduziu a um nada, inútil para a humanidade. Mas aí ele — bom médico — me salvou: começou a falar, feliz da vida, sobre uma moto que teve, Suzuki 600, e de como sempre gostou de motos e carros. E assim o Honda HR-V Touring surgiu na conversa, tornando a consulta recíproca: ele queria saber mais do suve, eu das condições de meu, digamos, tubo de escape, já que ninguém vai ao proctologista por gosto…
Ao final, todos felizes: eu com o diagnóstico (nada de mais…) e ele com o relato sobre o turbinado suve nipônico. Me disse que iria à concessionária vê-lo de pertinho, gostou do que ouviu pois o resumo do teste foi esse mesmo: gostei, como gostei distrair o doutor em sua jornada de trabalho. Ajuda mútua.
Informar e distrair é uma boa síntese do papel da imprensa automobilística? Pode ser. Recuperado o amor-próprio e a convicção de relevância de meu trabalho, me animo a dar desfecho do teste do melhor HR-V que o seu dinheiro pode comprar, a versão Touring equipada com uma joia mecânica, o motor de 1,5 litro turbocarregado, sem dúvida nenhuma o ponto alto do modelo.
Impressiona pelo vigor de seus 173 cv de potência e 22,4 m·kgf de torque, o quatro-cilindros em linha exclusivamente alimentado por gasolina, fator que para mim é parte da explicação do porquê ser tão econômico. Fechou o 26º Teste de 30 Dias do AE com uma média de consumo de 10,5 km/l, rodando mais do que a metade dos 1.661 quilômetros na cidade. Ah, não achou “tudo isso” a marca de consumo? Não perca seu tempo em contestar, confie nas palavras, não na cifra, que deve ser julgada comparando-a com a dos outros 25 (!!!) Testes de 30 Dias. O contexto é “o que eu consigo dirigindo do meu jeito, no meu cenário”.
A título indicativo, reafirmo que o Toyota Prius foi o recordista do Teste de 30 Dias: média de 16,3 km/l com gasolina em teste de quilometragem semelhante à deste HR-V. Idem os percentuais estrada/cidade, praticamente idênticos. Porém, o Prius é um híbrido tornando injusta a comparação Outros recordistas do T30D – Peugeot 208 1,2 Puretech com 11,7 km/l e o Kwid 1,0 com 11,3 km/l – além de pertencerem a outra categoria tem motores “flex”, o que torna a comparação imprópria. Resumindo, o HR-V é o campeão na categoria “gasolina” do Teste de 30 Dias, batendo (vejam vocês…) o campeão anterior, Honda Civic Touring, que equipado com este mesmíssimo motor fez 9,5 km/l de média no teste, mas rodando 62% da distância na cidade contra os 52% do HR-V.
Na verdade, o bom termo de análise de consumo é a viagem ao litoral norte que quase sempre faço no Teste de 30 Dias, que com o HR-V resultou em esplêndida marca de 16,8 km/l na ida. Importante lembrar que esse discurso sobre consumo não diz respeito apenas ao bolso do usuário. Indica eficiência térmica, encontrada em motores modernos e/ou projetos espertos e, em última análise, a um quesito cada vez mais comentado: a SUSTENTABILIDADE. Gasta pouco, anda bem e é amigo do meio ambiente, fazendo jus à etiqueta aplicada no motor “Earthdreams”, há anos uma mensagem da Honda que alerta para motores “limpos”, amigos do meio ambiente
Nesta semana final do teste consegui, como comentado na semana anterior, novamente colocar o HR-V Touring na rodovia. Mais uma vez obtive marca de consumo igual para trajeto idêntico (16,8 km/l), mas não só. Na volta pude finalmente praticar uma tocada mais intensa na subida da serra, que do litoral norte paulista leva ao planalto paulista.
Estou certo que depois desse embate com as curvas da Rodovia dos Tamoios que o suve da Honda não atenderá quem gosta de esportividade. Isso é mais do que óbvio, pois o endereço dele não é esse. No que pese o vigor do motor made in Japan, a associação com o câmbio CVT ajustado para uso corriqueiro joga um balde de água fria nos que acham que o mais potente dos HR-V pode ter alma esportiva. Não, não tem.
Mesmo assim, importante dizer que sistemas eletrônicos, escolha adequada de pneus e direção ótima permitem que apressados pratiquem sua pressa sem risco. No limite máximo (mesmo), o que pega é o acerto de suspensão macio e ele, o câmbio CVT, que definitivamente não atenderá a necessidade de quem comprou HR-V Touring imaginando Civic Si.
Usado devidamente, como suve familiar, o HR-V é difícil de bater em sua categoria. Não lembro de conjunto tão afinado, que traga as qualidades já exaltadas (modernidade do motor e eficiência) com um excelente espaço interno, porta-malas adequado, conforto de marcha, boa ergonomia e uma qualidade construtiva que se percebe na prática e não na teoria.
Na visita à Suspentécnica, antes de suspender o Honda no elevador da oficina, Alberto Trivellato deu seu tradicional giro e ressaltou diversos aspectos que o agradaram: acerto de suspensão, direção, ergonomia, a aparência do interior.
Já na oficina, fez ver elementos que mostram a boa engenharia aplicada ao Honda HR-V e também aspectos construtivos, um modo de fazer que exala a prioridade dos japoneses pela essencialidade. É possível reclamar da qualidade de um plástico cá e lá (“ah, poderia ser macio ao toque custando o que custa”, diriam alguns), no entanto, tais materiais, apesar de “menos nobres”, são de excelente qualidade, a montagem acompanha a fama de carro que não desmonta com o passar dos quilômetros, e que é associada aos Honda de maneira geral.
Definitivamente, como comentou Trivellato, não é bonito olhar para o interior do capô e ver a lata no primer, e nem mesmo aquela solda química, massa que “transborda” nas junções de chapa, uma imagem que não agrada. Mas, sublimando essas características, o que se tem é um carro bem feito, sólido, dinamicamente irrepreensível, que atenderá exigências concretas, mas nem tanto as de caráter superficial.
Embaixo o que se vê é que o HR-V confirma que seu ângulo de ataque dianteiro aliado à altura em relação ao solo são ideais, não há marcas de contato na dianteira, e também não há naquele abafador que se vê sob a porta do passageiro, e que se fosse oval, e não circular, não seria visível. Atrás, o abafador para a saída dos escapes é complementado por um acabamento plástico que elimina a chance do para-choque promover o péssimo efeito paraquedas.
Voltando à dianteira, praticamente não se vê o motor por baixo, encapsulado que é por um fechamento plástico nada a ver com proteção contra choques, mas sim com aerodinâmica inferior e manutenção de temperatura estável no cofre do motor e, talvez, eliminar turbulências e ruídos. Visível por uma frestinha está a caixa de direção, cuja assistência elétrica está na sua árvore e não na caixa propriamente dita. Outro atrativo peculiar é o tanque situado na porção central, entre eixos, o que permite a existência do prático sistema “Magic Seat” do banco traseiro, que já comentei na semana passada.
Reforços estruturais são comuns de ver na parte inferior dos Honda, peças de aço tubular que “amarram” pontos da estrutura. Na suspensão traseira, por eixo de torção, destaque para molas helicoidais de dimensão robusta, com as dianteiras atreladas ao sistema McPherson.
Quem chegou até aqui neste texto (obrigado…) certamente pode estar pensando que eu e Alberto recebemos um cachezão da Honda para encher a bola do mais recente lançamento da família HR-V. Sim, “babamos um pouco o ovo”, confesso, mas não recebemos lhufas, e por dever de ofício e preservação de credibilidade, mostrarei o reverso da medalha, ou seja, o que é menos bacana neste suve.
“Caro” é a palavra recorrente que se lê nos diversos artigos escritos sobre o HR-V Touring, cujo preço sugerido é de pouco menos de 140 mil reais. O critério dos colegas para tal julgamento passa por qual caminho? Falta de equipamentos, concorrentes mais baratos que oferecem mais por menos ou a comparação deste HR-V turbo com o de motor aspirado, desde seu lançamento o mais vendido entre todos os Honda? Acredito que é o conjunto de fatores e não apenas um deles o responsável pelo “acidente”, a crítica ao preço do HR-V Touring.
Mesmo o experiente colaborador da Suspentécnica coçou a cabeça tentando entender onde estão estes muitos reais de diferença entre o HR-V com motor aspirado e este dotado de motor turbo poderoso. A constatação de que o HR-V EXL, versão topo com motor de 1,8 litro e 140 cv deve pouco ou quase nada em equipamentos se comparado ao HR-V Touring que custa 20% (!!!) mais afugentou Alberto, que simpatiza com o modelo mais potente mas não estaria disposto a pagar quase 30 mil reais a mais pelo Touring, considerando (corretamente) que um teto solar panorâmico e motor turbo importado não justificam esse tremendo “gap”
Menos equipado que o Civic Touring de mesmo motor e ainda assim mais caro? É isso mesmo, e a razão, já escrita aqui anteriormente, creio ter viés mercadológico. HR-V vende bem, não sofre muito ataque de concorrentes. Já o Civic precisa ter um preço mais “político” para conquistar o comprador, aparentemente enfeitiçado pelo modelo rival.
No meu modo de entender este incêndio que é o preço elevado do HR-V Touring seria facilmente apagado se na configuração do modelo nacional fossem aplicados itens que estão no HR-V de categoria equivalente vendido na Europa, que conta com sistema start-stop, frenagem ativa em uso urbano, alarme de colisão frontal, sensor de pressão dos pneus, aviso de mudança de faixa de rolamento, ar-condicionado bizona, sistema de áudio premium e um computador de bordo bem mais caprichado. Cerejinha sobre o sorvete (e aí poderiam precificá-lo por até mais de 150 mil) seria oferecer aqui a opção com tração 4×4 que existe nos EUA, mas não na Europa.
Enfim, a “mão pesada” na precificação é um direito do fabricante, assim como o é o esperneio da imprensa e do consumidor, por tabela. A equação que resulta no preço final alto, a maior crítica deste modelo, só a Honda sabe. A possibilidade de alterar o pacote e manter o preço tem como vilão o dólar: se a cotação cair, a chance aumenta, se subir, não.
Ao final deste Teste de 30 (felizes) Dias confirmo que modelo me atendeu em praticamente tudo. O usei como transporte urbano, rodoviário, como utilitário enchendo sua área de carga no limite – tanto de peso como de volume. Fucei suas entranhas em busca de problemas e defeitos e, felizmente, cheguei a conclusão que ele é um Honda dos melhores, o que explica ser o mais vendido no Brasil. Os fatores que me incomodaram são bobinhos (computador de bordo capenga, falta de luz no porta-luvas, ausência de repetidora digital do velocímetro, um certo ruído de rolagem que invade a cabine em velocidade acima dos 100 km/h), e foram esmagados pelas suas qualidades.
Concluo com uma mensagem aos que insistem em afirmar que, por este preço, o Civic Touring é melhor escolha. Entendo a visão, mas lembro que a praticidade e versatilidade do HR-V (e dos suves de modo geral) não está ao alcance dos sedãs, e que certamente é aí que mora boa parte da preferência do mercado pelos carros “mais altinhos”, herdeiros naturais das peruas que sumiram, que conciliavam a dirigibilidade dos sedãs com a versatilidades dos suves, do qual este HR-V é excelente representante.
Assista ao vídeo:
RA
Leia os relatórios anteriores: 1ª semana 2ª semana 3ª semana
Honda HR-V Touring
Dias: 30
Quilometragem total: 1.661,4 km
Distância na cidade: 869,2 km (52%)
Distância na estrada: 792,2 km (48%)
Consumo médio (desde o início da avaliação): 10,5 km/l
Melhor média (rodovia): 16,8 km/l
Pior média (rodovia): 14,2 km/l
Melhor média (cidade): 10,9 km/l
Pior média (cidade): 7,8 km/l
Litros consumidos: 158,19
Preço médio do litro: R$ 4,167
Custo: R$ 659,20
Custo do quilômetro rodado: R$ 0,39
FICHA TÉCNICA HONDA HR-V TOURING 2020 | |
MOTOR | Quatro cilindros em linha, dianteiro, transversal, bloco e cabeçote de alumínio, 16 válvulas, comando no cabeçote acionado por corrente, variador de fase na admissão e escapamento, turbocompressor com interresfriador, injeção direta, gasolina |
Cilindrada (cm³) | 1.498 |
Diâmetro e curso (mm) | 73 x 89,5 |
Taxa de compressão (:1) | 10.6 |
Potência máxima (cv/rpm) | 173/5.5.00 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 22,4/1.700 a 5.500 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo dianteiro automático CVT com 7 marchas virtuais, trocas manuais sequenciais pelas borboletas, tração dianteira |
Relações de transmissão (:1) | 2,645 a 0,405; ré 1,859 a 1,303 |
Espectro das relações (:1) | 6,530 |
Relação de diferencial (:1) | 5,048 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra antirrolagem |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade |
Voltas entre batentes | 2,8 |
Diâmetro do aro do volante (mm) | 360 |
Diâmetro mínimo de giro (m) | 10,6 |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/293 |
Traseiros (Ø mm) | Disco/282 |
Controle | ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças de frenagem e assistência à frenagem |
RODAS E PNEUS | |
Rodas (pol.) | Liga de alumínio, 7Jx17 |
Pneus | 215/55R17V |
CARROCERIA | Monobloco em aço, suve, subchassi dianteiro, quatro portas, cinco lugares |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 393 (980 com encostos rebatidos) |
Tanque de combustível | 51 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.380 |
Capacidade de carga | 420 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.329 |
Largura sem espelhos | 1.772 |
Altura | 1.650 |
Distância entre eixos | 2.610 |
Bitola dianteira/traseira | 1.535/1.540 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBEV | |
Cidade (km/l) | n.d. |
Estrada (km/l) | n.d. |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 9 (estimado) |
Velocidade máxima (km/h) | 200 (estimado) |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
V/1000 c/ rel. mais longa (km/h) | 59,7 |
Rotação a 120 km/h, idem (rpm) | 2.000 |