Começo com um pedido de desculpas ao amigo leitor ou leitora pela demora (quatro meses) para produzir a terceira e última parte deste tema. Sei que é indesculpável minha ausência tanto tempo, mas andei com uma série de outros afazeres profissionais e com problemas de saúde que me tomaram boa parte do tempo. Então como diria meu avô “vamos continuar sem mais delongas”.
Vamos lá para nossa conclusão da saga de curiosidades dos carros que têm sua graça, justamente por em sua época “oferecerem quase nada”. Até 1965, vez por outra vinham versões standard para nosso mercado, mas é justamente nesse ano que o termo mais conhecido para designar esses carros “pelados” nasce como nome oficial pela Volkswagen: o “Pé-de-Boi” (Foto de abertura).
Um pacote de incentivos da Caixa Econômica Federal determinado pelo governo permitiu o financiamento de 90% do automóvel que tivesse preço real e popularmente acessível, dentro do conceito de “carro popular”. O curioso é essa expressão, criada para um propósito específico, ter chegado aos dias atuais na cabeça do consumidor como os carros mais baratos de uma gama (os de entrada), apesar de o carro popular pertencer a uma categoria caracterizada exclusivamente tratamento fiscal diferenciado e não pelo seu visual despojado. Ou seja, a rigor não existe mais carro popular.
Assim, além do VW sedã “Pé-de-Boi”, a Willys-Overland veio com o ultradespojado Renault Gordini denominado Teimoso. A Vemag, que alguns anos antes tinha uma versão simplificada da perua Vemaguet, a Caiçara, foi além com a perua Pracinha. Por sua vez, e dentro da mesma linha de despojamento, a Simca lançou a versão Profissional, visando também sua utilização no serviço de táxi.
Para baratear os carros a fórmula era simples: eliminar tudo que não fosse essencial para o funcionamento e trânsito do veículo, desde que cumprisse legislação no tocante a equipamentos obrigatórios. Num comparação, foi usada a receita minimalista do Citroën 2CV. Por exemplo, este, quando surgido em 1948, tinha o limpador de para-brisa (só para motorista) acionado pelo cabo do velocímetro.
Foi aproximadamente dentro desta linha que o VW sedã “Pé-de-Boi” não tinha mais o medidor de combustível, mas acompanhava o modelo uma régua de madeira para, pelo bocal do tanque, saber aproximadamente o volume de gasolina disponível, embora contasse com o sistema original de torneira de três vias (aberto, fechado, reserva) utilizado no Fusca (e Kombi) até 1960.
Esses carros espartanos, até demais, eram — para a época — um atestado de “comprei um carro 0-km, mas é de pobre” (parafraseando, mais uma vez, meu avô). Então, assim que sobrava um dinheirinho o feliz proprietário tratava de equipar seu carro, com o quê muitos desses veículos foram descaracterizados, poucos sobraram, e o resultado é que hoje esses veículos são raridades bastante valorizadas.
Agora, amigo leitor ou leitora, se você, assim como eu, gosta de carros diferentes, acha legal um carro standard e tem pouca reserva financeira (assim como este escriba), uma alternativa pode ser procurar um carro dos anos 1960/70, porque embora tenha sido uma época de carros não necessariamente associados ao termo “carro popular”, havia automóveis nacionais bastante interessantes e que assim como os acima citados da década de 1960, têm-se rareado e, como um bônus, ainda não estão na mira dos colecionadores tradicionais.
A linha Corcel II, por exemplo, além dos desejados GT e Hobby (a versão esportiva espartana), tinha o luxuoso LDO, o intermediário L e o carro sem sobrenome nenhum, chamado só de Corcel II. O painel é de lata, sem qualquer cobertura, o volante é simples e o assoalho é revestido de borracha, assim como é o Maverick Super, a versão despojada do desejado cupê da Ford.
Ainda, em se tratando de Ford, o Escort é um carro bem legal, mesmo longe dos desejados XR3. A versão mais em conta tinha câmbio de quatro marchas, rodas de aço sem calotas e acabamento dos bancos mais simples, mas achar um carro desses imaculado é quase impossível. Então é o tipo de carro que, se achar um atualmente, é do tipo que vale a pena guardar porque já é rara.
Certo, eu sei, mas provavelmente quem esteja à procura de um carro nacional para ter como “xodó” queira um modelo mais emblemático, não é? Então já parou para pensar num Opala SL? O sedã da GM, na versão espartana, é bem interessante. Esse carro, que era uma versão que a fabricante de São Caetano do Sul lançou para cativar frotistas e taxistas, acabou acumulando no currículo o fato de ser veículo da Polícia Militar no Estado de São Paulo durante o governo de Orestes Quércia. Longe dos holofotes dos desejados cupês e dos esportivos SS, esse modelo mais despojado é uma opção de se ter uma versão diferente de um carro que é bastante desejado e já tem uma legião de fãs.
Se o amigo leitor ou leitora permitir um conselho, caso descubra um carro standard desses e acabe por adotar um, vale a pena deixá-lo original, e se porventura o carro estiver equipado, pense na “standardização”, voltar ao standard. Afinal, modelos raros tendem a ser carros interessante para se vivenciar e saborear a História.
Para 2020 tenho uma meta, terminar a “standardização” da minha F-100.
PT