Dos cinco países que visitei em minha mais recente viagem aos Bálcãs, a Albânia era provavelmente o maior enigma. Quando cheguei lá, mandei mensagem para minha família, que acompanhava a viagem quase em tempo real, com os dizeres: “Chegamos à Albânia. Nunca pensei que fosse dizer isto.”
Não por preconceito, que eu não sou pessoa de recusar qualquer tipo de viagem. Nem por falta de curiosidade, que tenho de sobra. Apenas porque se tivesse feito uma lista dos países que gostaria de conhecer o mais provável é que a Albânia não tivesse entrado entre os 50 primeiros. Um país que ficou fechado para o resto do mundo durante décadas, com problemas de infraestrutura e sobre o qual pouco se sabe até hoje… E provavelmente não teria entrado nem na minha lista nem na da maioria das pessoas. Hoje digo tranquilamente: que bom que fui lá e que conheci.
Durante minha longa etapa de planejamento, e diante da falta de informações em blogs e fóruns de viagens, enviei e-mails às embaixadas dos cinco países que iria visitar pedindo informações sobre os locais de travessia de fronteira por onde pretendia passar e perguntando os horários de funcionamento. Quem me acompanha há mais tempo sabe os perrengues que passei na fronteira entre Argentina e Chile em fevereiro passado — no lindo Passo de Sico você só pode atravessar entre 8 e 18 horas. Se chegar fora desse horário, nada feito. Tem de dormir no quarto de campanha da Gendarmería argentina — que, pelo menos, oferecem essa opção e são de uma gentileza ímpar. Pessoas realmente simpáticas, gentis e prontas a ajudar em tudo.
Das cinco embaixadas a única que me respondeu (até este momento, meses depois) foi a da Albânia. Mandei mensagem lá pelas 23h30 e no dia seguinte por volta das 8h30 já tinha todas as informações solicitadas e mais algumas. Realmente muito, muito eficientes. Começamos bem, pensei. Para ajudar no meu roteiro, todos os locais funcionavam 24 horas por dia os 7 dias da semana. E havia vários pontos para escolher entre um país e outro.
Entramos na Albânia vindos de Montenegro e saímos rumo à Macedônia do Norte. Já antecipo que em todos os lugares fomos extremamente bem tratados e o trâmite é muito simples. Nem saímos do carro.
Entramos no país pelo lindíssimo lago Skadar (ou Shkoder), em sua parte mais ao Norte, pois ele é gigantesco e vai até a costa do Adriático. Tive dificuldades em localizar nos mapas o ponto, mas o e-mail da embaixada tirou minhas dúvidas e chegamos a Hani Hotit-Bozhaj sem nenhum problema. Atravessamos a fronteira já sem luz natural — o sol se punha por volta das 16h30 todos os dias.
A estrada SH1, quase uma continuação natural da montenegrina E762, é bem razoável. Confesso que nem sabia direito o que esperar e pelo lugar em si, montanha, parque natural e todos os outros obstáculos da Natureza, sabia que nos faltaria sinal para o GPS com frequência. Foi o que aconteceu, mas chegamos a Shkoder sem problemas.
Shkoder é a quarta maior cidade do país e tem lindas histórias de patriotismo e lutas. É geralmente usada como base para fazer caminhadas, canoagem e todo tipo de atividade ao ar livre no lago Skadar. Já na chegada, pudemos andar bastante pela simpática Rruga (rua) Kole Idromeno, para pedestres (foto abaixo), e onde tudo acontece. Bem, tudo é força de expressão, pois falamos de uma cidade com uns 150.000 habitantes apenas.
Continuávamos às voltas com os problemas de idioma, pois embora nos hotéis se fale inglês quase sempre, nos restaurantes nem sempre — mas sobra boa vontade dos albaneses e jantamos peixes do lago Skadar maravilhosos. Mesmo na rua, perguntei a hora para uma pessoa e me respondeu em inglês muito fluente, mesmo. É que em algum momento chegamos a pensar que haveria outro fuso horário (fomos confundidos por um programa de televisão, transmitido de outro lugar, mas como não entendíamos o idioma, chegamos a pensar que era albanês, o que provavelmente não era. Mas era um grupo de jovens por volta dos 25 anos.
Nas lojas foi um pouco mais difícil, mas ainda assim consegui comprar um pato para minha coleção sem ter de imitar um, como sói acontecer. Numa loja de roupas demoramos em perceber que o que era dito insistentemente nos alto-falantes era que os clientes deveriam se dirigir aos caixas, pois o estabelecimento fecharia em breve. Só faltou um aviso “Olha, estamos falando com esses dois turistas que insistem em ficar”. Mas ninguém nos disse nada, nem fomos empurrados ou postos para fora. Parece que apenas esperaram que entendêssemos o que era dito em albanês. Deduzimos isso, pois nem bem cruzamos as portas, trancaram tudo e apagaram as luzes.
No nosso segundo dia fomos conhecer a ponte Messi, construída em 1770 e que nos rendeu belíssimas fotos (como a de abertura). Talvez a mais engraçada tenha sido a que pedi para meu marido tirar. Eu fiquei na ponte antiga, apenas para pedestres e estreitíssima, e ele foi até a outra, por onde passam os carros. Enquanto ele tentava me enquadrar com a câmera, passou um pastor com um grupo enorme de cabras, todas espalhadas pela ponte, para desespero do meu marido que ficou imóvel esperando que aquela horda de bichos passasse por ele.. Eu, na outra ponte, tive ataques de riso de ver a cena.
É claro que tivemos de parar no caminho para perguntar, mesmo sendo um ponto bastante turístico — OK, também não são tantos assim, pois, como disse, a cidade é mais base para atividades no lago vizinho. Uma das paradas foi numa rede de combustíveis chamada Kastrati, o que me rendeu uma foto divertida (foto Kastrati). Pedi encarecidamente ao meu marido para se manter longe desses lugares, hehehehe. Por sinal, o combustível tem seus preços regulados pelo governo, mas também não é caro, embora mais do que na Bósnia. O diesel custa o mesmo que a gasolina de 95 octanas RON, 1,38 euro o litro (foto ao lado feita pela autora)
Eu já havia pesquisado e havia lido em alguns fóruns que como a qualidade pode não ser fiscalizada nos postos menores e fora dos maiores centros é melhor abastecer apenas em grandes redes. Na dúvida, foi o que fizemos.
O trânsito desde o centro até a ponte Messi já se mostrou complicado pela forma como os albaneses dirigem. E aqui mais um momento wikipédia. A Albânia viveu sob regime comunista, daqueles bem, bem comunistas, durante décadas. Somente de governo Enver Hoxha foram quase quatro décadas, de 1944 até 1985, quando morreu. Inicialmente alinhadíssimo com o stalinismo, Hoxha recebeu entre 1948 e 1960 pelo menos US$ 200 milhões dos soviéticos para ajudar na reconstrução da infraestrutura do país, devastada por várias guerras. Mas boa parte dos recursos gerados no país foi utilizada na construção dos 175.000 (!!) bunkers nele todo — o que dá a fantástica média de 5,7 bunkers por quilômetro quadrado de território. Quando eu digo bunker quero dizer exatamente isso: os abrigos antibombas, anti qualquer coisa, subterrâneos.
O governo era tão, mas tão comunista que nos anos 1960 rompeu com a União Soviética por não achá-la tão comunista quanto eles achavam que deveria ser. Anos depois, apesar de ter recebido substancial ajuda financeira da China, rompeu com o governo chinês pelo mesmo motivo e quando os recursos foram cortados se isolou completamente do mundo. Por isolar, digo isolar, mesmo. Ninguém entrava nem saía do país. Totalmente proibido. Até a madre Teresa de Calcutá, nascida na hoje Macedônia do Norte, filha de albaneses e considerada albanesa por estes, foi considerada perigosa e uma agente inimiga. Ela foi impedida de entrar no país e mesmo de ver a mãe e a irmã doentes, que morreram sem que ela se despedisse.
O regime comunista começou a cair no final de 1990, mas ainda levou alguns anos até que tivessem eleições novamente e só a partir de 1992 é que os albaneses conquistaram (modo irônico ativado) o direito de comprar um carro. Direito, não necessariamente tinham o dinheiro para isso. Não há uma tradição de autoentusiamo no país ainda — ou melhor, entusiasmo acho que tem, sim, talvez falte-lhes algumas gerações de prática atrás do volante.
O país tinha em 2017 (último dado que consegui) 535.570 veículos para uma população de 2.900.000 habitantes. Desde 1º de janeiro de 2019 está proibida a importação de veículos com mais de 10 anos de fabricação que não atendam às normas da União Europeia Euro 5 de emissão de poluentes. A capital do país, Tirana, tem uma das piores qualidades de ar e na Albânia toda apenas 3,3% dos veículos (cerca de 14.000) estão de acordo com as normas Euro 5 e Euro 6 de emissões. A média de idade da frota circulante albanesa é de 20 anos — duas vezes a média dos países da União Europeia.
Pessoalmente, cheguei a uma conclusão: o povo albanês tem muita, muita fé. Nas frias estatísticas, 57% da população é muçulmana, 10% católica, 7% ortodoxa e 2,5% são ateus — na época comunista, o país era oficialmente ateu. Não laico, ateu, mesmo. O restante se divide entre outras religiões, mas segundo o DataNora, eles têm muita fé. Fé de que vão conseguir ultrapassar três carros de uma vez só sobre uma ponte de mão dupla sem acostamento e entrar na pista correta num espaço de não mais do que 1,5 metro (como nos aconteceu); fé de que não vai vir ninguém na pista contrária num caminho de montanha embora eles estejam ultrapassando com faixa contínua e numa curva cega (também nos aconteceu) e outras demonstrações de profunda confiança em alguma entidade suprema que protege os motoristas. Se alguém for dirigir na Albânia eu recomendo fortemente que o faça de forma defensiva ao extremo, sempre. E, claro, só faça isso se sua condição cardíaca assim o permitir. Sugiro até fazer antes um check-up e uma consulta médica prévia para garantir ;-).
Vimos bastante polícia em todos os lugares em que estivemos e em vários casos paramos para perguntar para eles o caminho — para nossa surpresa, mesmo em lugares mais ermos, os guardas entenderam inglês e responderam em inglês. Assim como em outros países, é obrigatório para o policial explicar o motivo pelo qual ele para um carro caso o faça. Um veículo não pode ser parado sem um motivo que, claro, pode ser checagem de documentos, farol quebrado — vimos vários, portanto deduzo que não deve ser lá muito sério andar sem alguma luz.
As multas mais comuns variam de 500 a 2.000 leks (ou 4,12 euros até 16,45 euros), mas se a multa for paga nos primeiros cinco dias da emissão há um desconto de 20%. Lembram que eu comentei aqui do meu problema de estatura? E de como os eslavos são altos? Pois é. Passei por pouco, pois a lei albanesa obriga que crianças de até 12 anos ou abaixo de 1,50 (!!) sejam transportadas no banco de trás sem “os devidos dispositivos de segurança”, ou seja, cadeirinhas ou cintos adequados. Ufa! Foi por pouco. Seria muito patético meu marido andar sozinho na frente, como se fosse meu motorista, não? Mas acho que essa seria uma interpretação muito literal da lei, pois entendo que a altura mínima seja exclusivamente para pessoas abaixo dos 12 anos — ou pelo menos, prefiro acreditar que assim seja.
Os limites de velocidade são muito razoáveis, adequados às vias, levando-se em consideração como são as estradas e seu estado de conservação . Carros de até 3,5 toneladas e motocicletas (que não vimos nas estradas e muito poucas nos centros urbanos) podem andar a até 110 km/h nas “motorways” (autoestradas, ideograma verde) e até 90 km/h nas vias expressas (ideograma azul). Nas áreas urbanas, até 40 km/h e fora delas, até 80 km/h. Mas se o carro estiver puxando um trailer os limites caem para 80 e 70 km/h nas estradas, 40 km/h em locais em obras e 60 km/h fora deles. Ah, e não há pedágio nas estradas do país. Nenhumzinho.
A infraestrutura rodoviária não é megafantástica, mas, como disse, dá para andar sem problemas. São exatos 18.000 quilômetros de estradas pelo país, das quais 12.920 são asfaltadas e 5.080 não pavimentadas. Embora a Albânia não faça parte da União Europeia, em muitas lugares é fácil pagar em euros, exceto alguns museus — que é estranho, pois é justamente onde seria mais necessário. E muitos não aceitam cartão de crédito, ao contrário do comércio em geral.
A sinalização na Albânia, mesmo nos pontos turísticos, é escassa e tivemos de parar muitas, muitas vezes para perguntar. No segundo dia em Shkoder queríamos ir até a famosa Fortaleza Rozafa, mas foi um esforço e tanto. No mapa que pegamos no hotel parecia fácil. O GPS não reconhecia o lugar, embora seja o mais visitado da cidade, e ainda não havíamos conseguido fazer funcionar o Gúgol Mépis dos celulares — até agora não sabemos por quê, assim como não sabemos por que ele começou a funcionar subitamente em algum lugar da própria Albânia, naquele dia mesmo.
O primeiro lugar onde paramos para perguntar era a única loja (bem, eu pensei que era disso que se tratava) que estava aberta naquele trecho da cidade. Meu marido parou o carro onde conseguiu e ficou me aguardando enquanto eu andava, celular na mão com meu mapa offline travado. Entrei e depois de ter cruzado a soleira percebi que estava numa funerária. Cheia de caixões por toda a volta. Bom, já estava lá, né? O que poderia acontecer? Não tenho medo da morte, apenas não quero isso para mim por um bom tempo… Perguntei para o senhor que estava lá: English? Fez que não com a cabeça. Italiano? Novamente, não. E aí um parênteses. A Albânia pertenceu à Itália de 1939 a 1943 e alguns albaneses, especialmente os mais velhos, falam e/ou entendem italiano. A mãe da minha tia-avó era italiana mas falava albanês também. Bom, no meu caso, tive de apelar para todos meus gestos e palavras em albanês (as quatro ou cinco que havia estudado). O sujeito super gentilmente pegou meu celular, o apoiou sobre um caixão (essa parte, sim, me deu uma sensação estranha) e anotou num papel como deveríamos fazer para achar o lugar que queríamos.
Saí da funerária com a nítida sensação de que ele não havia me entendido, pois me mandava para o lugar de onde vínhamos e que, certamente, não era onde estava a Fortaleza. Andamos mais uns dois quarteirões de carro na direção que ele nos indicara, já com a certeza absoluta de que era o caminho errado e paramos de novo para perguntar. Desta vez a portinha aberta era de um cubículo minúsculo onde estava um casal costurando à máquina. Assim, virados sobre a calçada. Comecei minhas tentativas de diálogo novamente. Pelo menos, eles entendiam um pouco de italiano e me explicaram como chegar à Fortaleza em albanês. Eu confirmava alguns pontos em italiano e eles confirmavam ou negavam. O que mais ajudou, claro, foram os gestos.
Lá fomos nós para a Fortaleza que se provou um lugar muito bonito e com umas vistas absolutamente maravilhosas do lago Skadar, da cidade e de outros pontos realmente lindos. Estacionar foi outra novela, mas uma gentil senhora nos ajudou e nos mostrou em que lugar da rua poderíamos parar. No final, por ser fora de temporada, subimos com o carro até a porta do castelo onde há somente umas 3 ou 4 vagas, mas só havia outro carro além do nosso. É por isso que adoro viajar fora de temporada.
Depois de passear por Shkoder, lá saímos em direção ao castelo de Kruja. A estrada E762 é uma das principais do país, pois une algumas das maiores cidades do país. Nem por isso é uma autobahn, mas fora a forma, digamos, cheia de fé de dirigir dos albaneses, não é um grande problema, não. Depois de passar algumas horas em Kruja e de conhecer mais sobre o herói nacional Skanderberg no lindo museu da cidade, assistimos ao pôr do sol no castelo. Um verdadeiro “momento Kodak”. Saímos já sem luz natural rumo a Tirana por estradas muito razoáveis. Ao chegar à capital, novamente fortes emoções. Há muitas obras em andamento nas vias que dão acesso ao centro. O trânsito é simplesmente caótico e regras de trânsito são ignoradas constantemente. Portanto, muita paciência, pois nem eles se irritam — pelo menos não ostensivamente. Então, se isso é o normal, adaptemo-nos (fazia tempo que não usava uma ênclise dessas).
Nos nossos dias em Tirana o carro ficou parado no estacionamento do hotel, pois nossa localização nos permitia fazer tudo a pé, ainda que algumas caminhadas tenham sido mais longas. O trânsito é complicado, os congestionamentos são comuns e, por incrível que pareça, vimos um carro com volante à direita. Juro que não sei como alguém tem coragem de andar nesse caos sem sequer ter uma boa visão do que se passa à frente e aos lados, mas…
Provavelmente uma das coisas mais interessantes desta viagem, junto com a visita ao túnel da Esperança em Sarajevo, tenha sido nossa ida para passar um par de horas ao Bunkart 2, um bunker de verdade que funcionou durante os anos do comunismo e que hoje virou uma espécie de museu daquele período. É incrível o acervo que o Bunkart 2 tem. Ouvimos gravações originais das escutas que o governo colocava nas casas da população em geral, os artefatos usados pela polícia secreta Sigurimi para monitorar os cidadãos — meu favorito é o transmissor no cabo da vassoura, empunhada por uma albanesa sempre que havia alguma reunião, geralmente em embaixadas estrangeiras (foto abaixo).
Algo entre hilário e triste, pois estima-se que no mínimo 30.000 mas provavelmente até 100.000 pessoas foram mortas pelo regime, geralmente sob a falsa acusação de espionagem, e outras 200.000 foram mandadas a campos de trabalhos forçados calcados no modelo dos gulags soviéticos — 2.700 ainda estão vivos, mas ainda há 6.000 corpos não identificados daquela época.
Num dos corredores do bunker encontramos uma frase de Madre Teresa de Calcutá . Achei a frase sensacional que, na minha tradução livre, ficaria: “O mal se estabelece quando um homem começa a se achar melhor que os outros”. E essa frase estar num bunker onde tanta gente foi torturada, perscrutada, espionada… É muito significativo.
Depois de muito passear, comer divinamente e tomar vinhos excelentes, nossos dias em Tirana chegaram ao fim e rumamos ao Sul, em direção à Macedônia do Norte. Fiquei com vontade de seguir mais ao Sul ainda e conhecer as lindas praias albanesas dos mares Adriático e Jônico, mas esta não era a época do ano para isso, então ficarão para uma próxima viagem.
Pegamos a estrada E852 para uma parada no castelo de Petrella. Sim, esta foi a viagem dos castelos, dos parques naturais e de muita cidade com histórias tristes. Depois seguimos pela SH3/A3. A estrada em si tem a maior quantidade de postos de gasolina que vi na minha vida. Não exagero se falar em um a cada 500 metros, e um de cada lado da estrada, que, claro, era de pista simples, mão dupla e sem acostamento. O asfalto era bastante razoável, mas o mais engraçado era a quantidade de pessoas vendendo de tudo na beira da estrada. Vimos muitos legumes e verduras, mas também galinhas e perus vivos, coelhos e algumas coisas que não conseguimos identificar. E muita gente de bicicleta, especialmente mais idosos, como foi comum em todo o país. Bicicletas daquelas bem, bem simples. E num dia de chuva foi engraçado ver a habilidade com que empunham o guarda-chuva com uma mão e seguram o guidão com a outra. Num caso, vimos um suporte para encaixar o cabo do guarda-chuva e mantê-lo aberto. Achei prático.
Antes de atravessar a fronteira, já na cidade de Pogradec, precisei parar numa farmácia para comprar um antiácido, pois não me sentia bem há alguns dias. Meu marido estacionou o carro onde achamos uma vaga e lá fui eu andar meio quarteirão para onde havia visto uma placa de farmácia. Ao chegar, estava fechada. Parei uma senhora com uma criança de talvez uns 12 anos que estava subindo a rua e comecei o clássico: English? Fez que não com a cabeça. Italiano? Novamente, não. Minha Terceira opção são sempre os gestos e lá fui eu. Apontei a farmácia e fiz sinal com as mãos de fechado. Ela falou alguma coisa em albanês com o que acho que era o filho e fez um gesto com a mão para que eu a seguisse.
Descemos a rua, na direção oposta à que ela vinha e eles andaram cinco quarteirões comigo e me deixaram na porta de uma farmácia aberta. Agradeci em albanês (“faleminderit”) da forma mais efusiva que consegui, repetindo três vezes a palavra e ela me disse algo que obviamente não entendi. E voltou na direção em que vínhamos. Adorei a gentileza dos dois. Aí começou o segundo problema. A farmácia, como muitas na Europa, é apenas um balcão com um farmacêutico atrás dele. Daqueles de jaleco e tudo.
Bem, o diálogo vocês já conhecem: English? Italiano? E, claro comecei com os gestos. Inflei as bochechas e passei a mão no meu estômago, para que ele entendesse que eu sentia o estômago estufado. Ele foi l atrás do balcão e voltou com uma caixa que me entregou. Dei uma lida e não havia nenhum idioma que eu entendesse. Três amontoados de parágrafos que poderiam ser a mesma coisa, todos em cirílico. Não, não ia tomar algo sem ter certeza para quê era. Devolvi e fiz que estava em dúvida. Ele foi lá atrás novamente e voltou com uma caixa de Maalox. Aleluia! Tem o mesmo nome. Disse que sim, que levaria. Ele tirou uma cartela da caixa e escreveu um 3x e algo que parecia ser “por dia”. Paguei e sai depois de menos de 10 minutos. E meu estômago melhorou com isso.
Atravessar a fronteira foi, mais uma vez, muito fácil. Eu havia escolhido cruzar em Tushemisht-Shen Naum para pegar o extremo sul do Lago Ohrid para entrar na Macedônia do Norte, o que se provou uma excelente opção. Mas essa história eu conto na próxima coluna.
Mudando de assunto: caríssimos leitores: com algum atraso, espero que tenham passado uma ótima véspera de Natal e tenham um excelente Natal e um Ano Novo maravilhoso. Vou comemorar, arrumar armários, jogar fora contas velhas e começar 2020, espero, com energias renovadas. Volto a este espaço no dia 8 de janeiro. Tudo de muito bom para vocês.
NG
(Atualizada em 26/12/19 às 17h15, inclusão de foto da vassoura-espiã)