A Transporter T6 parou no estacionamento externo do complexo às 7:30 da manhã.
Tínhamos saído do Hotel Rey Juan Carlo, em- Barcelona, as 6:45, e nos dirigido direto pelas avenidas periféricas em direção a Martorell, onde fica a grande fábrica da Seat na Espanha.
Esta fábrica, perto de Barcelona, é muito moderna e na realidade preparada para montar vários veículos, inclusive de outras marcas do grupo, como a Audi, que ali montou por bom tempo seu Q3 e hoje monta o Audi A3.
Depois de uma rápida olhada nos nossos crachás, os seguranças na entrada principal liberaram nossa entrada, e rodamos ainda uns 5 minutos por dentro da fábrica, passando pelo prédio de design, onde largamos dois Designers que iam completar suas apresentações no estúdio da Seat, que era a nossa base para qualquer necessidade imprevista de material para desenho.
Seguimos em direção ao complexo de apresentação (a pista) montado especialmente para esta que era uma reunião mensal do grupo mais fechado e de alto nível, responsável pelo pré-desenvolvimento de novos produtos das marcas do Grupo de Design da Volkswagen, composto de 12 marcas das mais importantes de toda a indústria automobilística.
No fim de um dos estacionamentos de carros de produção seguimos por uma saída numa pequena estrada sem sinalização, que sobe em direção a um pequeno monte que faz parte de um grande complexo de montanhas nesta região.
A estradinha vai dar em uma guarita onde mais uma vez passamos por uma triagem para poder ir em frente.
Finalmente encostamos em um pátio improvisado, saímos do carro e seguimos a pé, pelo resto da estradinha, que nos leva até o ponto mais alto onde avistamos o complexo dedicado à apreciação de modelos de Design em andamento no grupo.
O projeto arrojado saiu das reclamações do Walter de Silva, nosso chefe do grupo de design da época, que, com razão, durante seis meses não conseguia ver um carro à luz do sol, já que durante todo os anos, e especialmente no inverno, céu azul e sol são coisas raras em Wolfsburg, onde está o Centro de Design da VW.
Acreditem se quiser, está é a verdade, porém tinham outras razões.
As apresentações formais em Wolfsgurg eram muito difíceis para o design, já que todas as marcas tinham que ir para lá para apresentar seus trabalhos para o Chefe Wiko (Martin Winterkorn) o que causava um colapso constante na capacidade física do estúdio.
Além disso, as reuniões de decisão tinham uma duração muito curta, e havia muitas interferências e distrações para o Winterkorn.
Lá na Espanha, Wiko tinha um dia completo para se dedicar somente ao tema Design, de todas as marcas do grupo, pois ele era o chefe supremo, e somente lá era possível ver o Winterkorn e seus diretos com roupas normais, jeans, camisa polo, e sapato “esporte”.
E ele adorava isso. Neste dia ele se transformava em um homem de bom humor, sorrindo e andando de um lado para o outro, sempre rodeado dos melhores da sua companhia para desenvolver automóveis.
O complexo
Chegando a pé no ponto mais alto da estradinha, o complexo vai se desfraldando lentamente e você vai percebendo o tamanho da pista.
Desta maneira chegamos pelas “costas” do complexo, e a estrada se abre em um grande pátio de manobras para caminhões pesados, e com especificações técnicas apropriadas para o transporte dos modelos de design, que devem ficar longe do calor ou do frio, e muitos sensíveis a vibrações da estrada.
Por isso mesmo os caminhões são refrigerados e com suspensão a ar, muito parecidos com os da Fórmula 1.
De cima da estradinha podíamos ver agora um prédio extremamente longo, térreo, com aproximadamente 20 portas de garagens para entrada de modelos e protótipos, a serem apresentados para o chefão.
Não tenho os números precisos, mas numa apresentação podíamos ter mais de 40 modelos DEF (designerlebnisfahrzeuge) que significa “modelos de design vivos”
.Estes modelos, que um mês antes só existiam em clay (massa de modelar), agora foram transformados em compósito de fibra de vidro e com vidros semitransparentes escuros, e dentro do carro se posicionava um piloto que conduzia o modelo conforme a orientação do líder que passava instruções pelo rádio.
Lembrem-se, para cada modelo tínhamos que ter mais quatro “properties” (carros ou modelos),.
um modelo atual para comparar com a proposta, e três ou mais concorrentes do mercado para comparações.
Você só participava destas reuniões se estivesse “na lista” que era organizada pelos secretários do Dr. Winterkorn se tivesse um modelo do seu estúdio a ser apresentado para o Chefão.
Nesta reunião mensal todos principais representantes da engenharia, planejamento, produção e qualidade de todas marcas do Grupo, inclusive os presidentes e vice-presidentes das marcas, juntos com o Número 1 da época, o Dr. Winterkorn, tomavam todas as decisões importantes para que os projetos fossem avançando pelo processo de desenvolvimento de um novo produto, até sua produção.
Os modelos (de carros) que eram admirados nestas reuniões, elas próprias um grande show, uma demonstração da capacidade criativa e técnica de uma dos maiores grupos de desenvolvedores do mundo, modelos em escala 1:1 absolutamente parecidos com um carro de verdade, movidos, a velocidade de até 30 km/h, por motores elétricos.
Os modelos vêm de todas partes do mundo: Brasil, EUA, China, mas, especialmente da Alemanha, Itália, República Checa, e da própria Seat.
Agora, o mais legal de tudo é estar num lugar onde estão as maiores mentes e especialistas de todas áreas a indústria automobilística de ponta, tendo a oportunidade de aprender e vivenciar está experiência.
A entrada de pessoas para o circuito se dava pelo pequeno anexo na extrema esquerda onde os convidados que chegavam para a reunião, sempre em belas T6, Audis, Bentleys e mais.
Os aviões da Volkswagen (3) sempre estavam à disposição do Dr. Winterkorn e de seus diretos, entre ele o Walter de Silva e também o Klaus Bischoff, meu chefe direto.
Peguei algumas caronas de Wolfsburg para a Espanha com eles, sempre ajeitados pela eficiente secretaria do Walter, a Maria, uma espanhola de valor, que lidava direto com a fera, diariamente.
Ao entrar por este prédio de recepção, já de cara estávamos em uma sala coletiva com grande bancadas e acesso à internet e a rede interna da Volkswagen, o que permitia aos assistentes de projetos se comunicar com suas bases e receber online qualquer tipo de informação matemáticas utilizada nos projetos modernos.
Cruzando esta sala, você tinha de um lado acesso a banheiros e vestiário, e do outro um bufê completo que era abastecido sem parar durante todo o dia, com lanches e comidas da melhor culinária espanhola.
Tapas, saladas, presunto, pães, bebidas quentes e frias, carnes, peixes e uma variedade sem fim de gostosuras.
Bem em frente a está “cantina”, que tinha toda área frontal envidraçada, estava o primeiro “auditório” ao ar-livre, que dava de frente para a pista.
Neste auditório, construído 1 metro mais alto que o solo da pista, trocávamos ideias, discutíamos e corrigíamos a apresentação a ser usada no dia, mas, principalmente, caçávamos informações que pudessem de alguma maneira, melhorar nosso projeto ou puramente escutar as fofocas mais recentes dos estúdios do grupo.
Deste auditório, com cadeiras móveis, você tinha a visão geral da enorme pista em “O” por onde, nos próximos três dias, desfilariam os futuro carros das marcas do grupo VW.
Eram três dias porque no primeiro dia apresentávamos os modelos para os chefes Designers das marcas.
No segundo dia apresentávamos para o Walter de Silva, que era o Designer-chefe de todas as marcas.
No terceiro dia apresentávamos os modelos para o Dr. Winterkorn e todos todos presidentes das marcas e chefes de engenharias, marketing, planejamento de produto e até com os chefes de fábrica e produção.
Descendo deste auditório e indo para a direita, tínhamos as garagens dos modelos, um enorme e longo prédio térreo.
Como eu disse, poderiam ser acolhidos ali mais de 40 modelos e andar ali dentro era para poucos felizardos.
Nesta direção, as primeira garagens eram da Audi, depois Seat e Škoda, depois Volkswagen, Porsche, Bentley e Lamborghini.
Os Bugattis quase nunca ficavam por lá, mas já desciam direto para a pista, e os pontos relativos à Bugattis era levados a um “petit comité”, ou seja ,um número muito restrito de participantes e normalmente apresentados quando não havia mais ninguém na pista.
Dentro das garagens cada equipe, de cada marca, tinham todo equipamento necessário para modificar os modelos,
Grandes armários moveis, com todas ferramentas para modelos em clay, fitas de todas espessuras e cores, “stringos”, que são carrinhos elétricos que ajudam a manusear os modelos (uma pessoa consegue levar um modelo de 2 toneladas com uma mão), ferramentas para parte mecânica, compressores, elevadores, enfim, uma garagem completa para 40 carros.
Como designers autorizados e com modelos à espera da apresentação, estávamos autorizados a circular a vontade por entre os modelos das outras marcas, e já conhecíamos a maioria dos modeladores e técnicos que acompanhavam estas reuniões.
Aliás, sempre fomos muito bem recebido e sempre tivemos toda a ajuda necessária nos eventos do DEF. Talvez porque o Brasil não representasse nenhuma ameaça às outras marcas ali presentes.
Já entre eles havia muita competição e piadinhas provocadoras.
Ao fim deste grande galpão, após a ultima garagem, tínhamos a entrada dos veículos para a pista.
Por ali entravam os carros de comparação, como eu disse, 4 a 5 carros que desfilariam juntos com o modelo da vez em frente ao auditório principal, que ficava no centro do “O” virado para um dos lados da pista, onde haviam 4 “chãos rotatórios” onde eram colocados modelos para comparação.
No centro deste auditório externo ficava o Chefe do dia, que podia ser o Klaus Bischoff, no primeiro dia, O Walter, no segundo dia e finalmente o Dr. Winterkorn no último dia de apresentações.
Este auditório não tinha um formato fixo, mas era composto de cadeiras individuais que podiam ser arrumadas da melhor maneira possível, dependendo dos pontos do dia.
Nesta parte central do “O” podia também ser posicionados painéis com desenhos, e “interior bucks”, modelos parciais de interior do carro, modelos estes muito sofisticados, com iluminação própria e acabamento esmerado, sexto por verdadeiros artistas na arte de modelar e, e claro, muita tecnologia par modelar peças milimétricas com precisão de joalheiros.
Havia também muitos exercício ao vivo, isto é, principalmente no primeiro e segundo dia, os grupos puxavam seus modelos para fora das garagens para observá-los à luz maravilhosa do Mediterrâneo, e ali podiam, fora do corre-corre diário, apreciar com calma suas obras e melhorá-las o máximo possível antes das apresentações.
No primeiro dia, conforme os modelos da marca VW eram apresentados para o Klaus Bischoff, ele ia fazendo suas recomendações de melhorias, e então, terminada a apresentação, o modelo voltava para a oficina e seria retrabalhadas durante o fim do dia e a noite se necessário para estar pronto para a reunião do dia seguinte.
Cada equipe de trabalho tinha seu líder, designers, modeladores, e outros membros que se dedicavam a organização e movimentação dos modelos.
Sempre tinha que haver na equipe uma representante técnico e neste caso o único aceitável naquele nível era o Vice-presidente de Engenharia do Brasil, meu chefe brasileiro, que sempre contava com as informações necessárias graças ao nosso engenheiro avançado, que pertencia ao Design.
A pista esta construída como que dentro da boca de um vulcão, e por isso ninguém pode ver a pista, a não ser que esteja em um ponto mais alto que a montanha, o que em teoria não existe.
O perigo está sempre nos aviões, drones e helicópteros que cismavam de passar por cima do campo.
Neste caso vigias do céu acionavam seus apito e imediatamente todos modelos exposto eram cobertos em menos de 60 segundos. Nunca houve um vazamento no campo, que continua até hoje mais secreto do que nunca
A lógica da sequência das apresentações era sempre a mesma. Primeiro os menores e mais baratos por último os mais caros e exclusivos.
Éramos sempre os primeiros da fila, oque às vezes era bom, mas às vezes era ruim. Teoricamente depois da apresentação do dia você poderia ir embora, mas isso nunca aconteceu.
Sempre tínhamos muito para melhorar e trabalhar e só acabávamos saído da pista para o jantar, normalmente junto com todos os outros chefes de design.
A volta para o hotel era sempre meio que hipnótica.
Saíamos da fábrica e seguíamos o intenso trânsito de chegada a Barcelona no fim de tarde, sempre com um belíssimo pôr de sol e uma satisfação por ter tido um dia tão espetacular e inesquecível.
LV