— Senhor, na verdade o que eu gostaria mesmo é a Ram 1500. Seria possível?
— Um segundo, vou verificar…. Sim, teremos uma disponível em 10 minutos.
— Ótimo! Eu espero, sem problema.
E foi assim, com esse diálogo, que eu consegui, finalmente, depois de um pouco de espera , alugar uma picape Ram 1500 para uma road trip tipicamente americana, que começou em Nova Yotk mas tinha como destino as montanhas Blue Ridges entre a Virgínia e a Carolina do Norte, nas famosas e cênicas estradas Skyline Drive, Blue Ridge Parkway e Smokey Mountains Parkway (foto de abertura). Essa era a primeira parte de uns dias andando por essa região dos Estados Unidos, antes de terminar a viagem “andando” (literalmente) por Nova York.
A ideia — e vontade — de insistir na Ram 1500 era uma só: ela está prestes a desembarcar no Brasil durante esse ano de 2020 e, assim, seria uma ótima oportunidade de conhecer esse veículo que ainda não é vendido no nosso país, mas é muito desejado e comentado para atender a um público que gosta — ou precisa — de picapes grandes, mas a Ram 2500 fica um pouco exagerada (ou complicada de usar, devido às suas restrições de uso, leia mais abaixo).
Antes de falar um pouco das minhas impressões com essa “bruta”, não custa dar como referência o fato de eu ter o costume de dirigir picapes no dia a dia, mais exatamente uma Ford Ranger XLT 3,2 turbodiesel de 200 cv e câmbio de 6 marchas.
Bem, no caso da Ram 1500 a primeira impressão mesmo é o porte maior. Ela é um bocado maior do que a Ranger e suas concorrentes diretas em quase tudo. E é quase do tamanho da Ram 2500 que de vez em quando usamos em eventos que fazemos para a FCA (como a Agrishow, por exemplo).
Mas a Ram 1500 tem uma vantagem muito grande em relação à Ram 2500 no Brasil: enquantro pelo seu peso e porte, ela se enquadra como um automóvel comum no que diz respeito à categoria de CNH (categoria B) e demais regras de trânsito, como velocidade máxima em rodovias e, no caso de São Paulo, também para o rodízio municipal — na Ram 2500 é preciso ter CNH categoria C, pois ela tem porte de caminhão pela legislação brasileira de trânsito (peso bruto total acima de 3.500 kg) e, portanto, as regras de trânsito aplicadas a ela são as de veículos pesados. Por exemplo, restrições de velocidade e circulação (velocidade máxima de 90 km/h nas rodovias), áreas e horários de exclusão em determinadas vias da cidade, embora não precise cumprir o rodízio nas vias que delimitam o chamado centro expandido, como as marginais dos rios Tietê e Pinheiros
Bem, depois de devidamente sentado e com tudo ajustado (bancos e retrovisores elétricos, volante de direção ajustável em altura e distância, e pedais, com ajuste elétrico e opção de memorização), sistema de entretenimento UConnect com tela de 8,4” (semelhante a que temos no Brasil na Rsm 2500 e outros carros da FCA, como o Jeep Compass, por exemplo, mas em outras versões também existe a opção de tela de 12” em formato vertical) com telefone pareado e Apple CarPlay funcionando, só faltava ajustar o ar-condicionado bizona (integrado ao UConnect) e, para o meu deleite, acionar o aquecimento de bancos e volante, já que fazia um frio danado de -1 ºC na noite que cheguei, e configurar a tela TFT de 7” TFT do painel de instrumentos (com gráficos em 3D que trazem um “baita” realismo para os “mostradores” com simulação “analógica”) para as melhores opções para mim, foi, então, hora de acionar a partida (por botão e sistema Keyless de abertura das portas e que permite, também, partida a distância a partir do comando na chave) e escutar, pela primeira vez, o ronco encorpado do motor V-8 Hemi 5,7-L à gasolina que entrega (deliciosos) 400 cv de potência e 57 m.kgf de torque, com tecnologia de comando de válvulas variável e sistema MDS (Multi-Displacement System) que desativa 4 cilindros e em regimes de baixa solicitação de potência, com a possibilidade de boa economia de combustível e menores emissões de gases.
Existem também as versões com motor V-6 Pentastar 3,6-L a gasolina, V-6 3-L EcoDiesel, V-8 5,7-Lcom sistema eTorque, com recurso MHEV – Mild-Hybrid Electric Vehicle, com auxílio de força adicional através de um sistema de alternador/motor de arranque conectado por correia dentada ao motor, que através de uma bateria de 48 V entrega mais potência ao conjunto, sempre gerenciado eletronicamente..
Motor em funcionamento (e os bancos já aquecidos, já que o sistema funciona muito bem e rapidamente), era hora de acionar o seletor giratório que comanda o (excelente) câmbio de 8 marchas e dar a primeira acelerada — de leve, claro — e partir para o começo da aventura, naquela madrugada fria de janeiro em Nova York (na verdade, tudo começou no aeroporto de Newark, em New Jersey, que é relativamente próximo, 25 quilômetros), assim que o freio de estacionamento eletromecânico foi automaticamente solto quando, já com o cinto de segurança atado (por medida de segurança, se você não está com o cinto de segurança colocado, o sistema não libera o freio de estacionamento automaticamente, mas você ainda pode fazer isso manualmente, por meio de um botão do lado esquerdo, abaixo do painel de instrumentos).
A primeira impressão não poderia ser melhor, já que a calibração da direção de pinhão e cremalheira eletroassistda é muito boa e não transmite o “peso e porte” do carro. Ainda assim, um pouco de cuidado nas manobras mais apertadas é preciso ter, até se acostumar com a largura, comprimento e todo o porte dessa picape, que para os americanos é de porte médio (uma Ford Ranger nos EUA é considerada uma picape “compacta”). Nessa percepção também ajuda a suspensão dianteira independente, que traz mais estabilidade direcional em qualquer utilização (urbana, rodoviária e off-road). Ainda sobre suspensões, a traseira é por eixo rígido, mas com a utilização de molas helicoidais (como na dianteira) e sistema de localização por cinco braços, o que traz um comportamento mais suave, progressivo e eficiente do que a solução da maioria das picapes, que utiliza feixes de molas semielípticas. Talvez, por essa solução na suspensão traseira, a capacidade de carga da Ram 1500 é relativamente baixa, de apenas 775 kg. Mas, não custa salientar que devido a toda sua estrutura e força motriz, a capacidade de reboque (capacidade máxima de tração – CMT) é de até 5.175 kg (com freio no reboque) — e esse é um item bastante importante para um carro como esse no mercado americano, já que eles têm o hábito de rebocar muita coisa (barcos, carros, motorhomes, cavalos, equipamentos, etc.) e, também, pode variar conforme a especificação de motor e outros itens escolhidos pelo cliente (por exemplo, com motor V-6 a gasolina essa capacidade cai para 3.360 kg).
Voltando à sensação de dirigir a “bruta”, a modulação do freio (a disco nas 4 rodas) é muito boa e você, basicamente, acaba esquecendo que está dirigindo, digamos, um “monstrinho” de 2.300 kg de peso em ordem de marcha, 5.814 mm de comprimento, 2.085 mmm de largura, 1.973 mm de altura e 3.568 mm de entre-eixos. E, de novo, o motor — ah, o motor! — esse é que faz você esquecer “mesmo” de todo esse porte, pois as respostas são vigorosas e deliciosas, embora você possa controlar o veículo muito facilmente, sem respostas exageradas. Em retomadas e aceleração a pleno o câmbio trabalha muito rapidamente e bem, mas senti falta da opção de selecionar a marcha desejada, seja por borboletas no volante ou pela alavanca seletora, por exemplo. Assim como, também, não há um “modo Sport” para maior desempenho (algo, por exemplo, que a Ford Ranger tem no câmbio automático). O único controle que você tem sobre o câmbio é dizer para ele até qual marcha é o limite de trocas, por exemplo: você pode dizer a ele que só quer que ele vá até a 6ª. marcha o que, na prática, se você estiver em 8ª. marcha funciona como uma redução. Mas, no caso contrário, não adianta, por exemplo, acionar a informação de que ele pode trocar até a 4ª. marcha, pois, se ele estiver em 2ª. marcha e achar que ainda é cedo para trocar para 3ª ou 4ª. marcha, ele continuará em 2ª. marcha, ou seja, você não “escolhe” a marcha que quer, mas apenas dá uma “faixa superior” de trabalho em que o câmbio pode atuar.
Bem, importante lembrar que estava num veículo de locadora, versão Laramie e que versões mais “completas” possuem recursos adicionais, tais como:
– diferentes rodas e pneus;
– suspensão pneumática para ajuste de altura em velocidades elevadas (rebaixa o carro para mais estabilidade);
– diferentes relações de diferencial (incluindo opção de bloqueio eletrônico ou deslizamento limitado);
– maior tanque de combustível;
– sistemas de entretenimento com tela maior (até 12”), maior potência de som (até 900 W) e maior quantidade de alto-falantes (até 19);
– opção de teto solar panorâmico;
– cabine maior (para mais espaço para os bancos traseiros) e bancos traseiros reclináveis;
– maior caçamba;
– sistema de controle de freios de reboque;
– protetores inferiores para maior proteção em situação off-road;
– recursos avançados como controlador de velocidade de cruzeiro adaptativo, monitor de ponto cego, alerta de colisão, sensores de estacionamento e assistente de Estacionamento, faróis alto/baixo automáticos, controle de descida, e outros.
Dotado de controle de estabilidade e tração, mesmo quando em 4×2 a picape não perde a tração (quase) nunca, mantendo as rodas sempre com boa tração, mesmo em pisos escorregadios e gelados, como acabei pegando. Mas, existe o botão para você desligar o controle de estabilidade e tração se assim quiser. Aí sim, dá para brincar um pouco — mas, só tente isso em locais e condições adequados, pois, passa a ser muito fácil perder o controle da traseira com tamanha força e peso.
A estabilidade em condições normais é muito boa para uma picape desse porte, com pouca inclinação da carroceria (veja, “pouca”, pois existe alguma e, se comparado a um veículo de passeio de porte pequeno, até é bastante) e bastante responsividade do comportamento dinâmico, ou seja, você consegue “sentir” bem a picape e, assim, ter bastante controle sobre ela. Até uma velocidade na faixa dos 140 km/h ela se mantém muito bem, bastante alinhada e firme. Acima disso, começa a “balançar” um pouco, basicamente, pela sua altura do solo e peso. Mas, ainda assim, transmite muita segurança. Ah!, só fiz esse teste num momento de rodovia bem remota, bem sinalizada e por aí vai — mas, precisava ter essa “informação” para dividir com vocês… rsrs.
Na velocidade de 120 km/h o motor está girando na faixa (aproximada) de 1.750 rpm em 8ª. marcha, o isolamento da cabine é muito bom, assim como a qualidade de áudio do sistema de entretenimento e você, então, praticamente nem escuta os pneus Goodyear Wrangler de uso misto na medida 275/65R18 rodarem no asfalto. Tanto é que a FCA desenvolveu um sistema chamado de “Active Noise Cancellation” que reproduz na cabine frequências que reforçam o ronco do motor e, assim, a sensação de dirigir o carro. O sistema é tão aprimorado que também “reduz” ruídos indesejáveis através da captação de dois microfones no interior da cabine. Bastante interessante. Mas, o ronco real do motor existe, é só abrir a janela e você consegue curtir muitíssimo bem: vigoroso e encorpado, sem ser ruidoso demais.
Sobre a tração 4×4, ela possui os modos 4×2 (tração apenas no eixo traseiro), 4×4 Auto (aciona tração no eixo dianteiro sob demanda, quando há necessidade, atuando e forma bastante transparente e rápido mesmo quando se pisa fundo no acelerador. Importante: não se trata de tração integral, pois, ela não tem diferencial central. Tem o 4×4 High (quando a tração é distribuída por igual nos eixos dianteiro e traseiro – e só deve ser usada em situações de falta de aderência, pois é do tipo temporária ou “part-time”), e o 4×4 Low (quando além da tração nas quatro rodas ela adquire força colossal com a utilização da redução da caixa de transferência, fazendo com que todas as 8 marchas sejam bem mais reduzidas do que no modo “High”).
Não existe seletor de modos de terreno ou algo assim, como hoje em dia é cada vez mais comum em veículos com vocação off-road. Mas, aqui estamos falando de uma picape bruta e a tração, quando exigida, é total e disponível com muita força e controle.
Sobre comodidades, muito espaço para guardar de tudo um pouco, entradas USB para carregar dispositivos e até uma “tomada elétrica de 115 V” havia disponível; um belo console central com muito espaço e configurável para a melhor disposição para seu uso, bolsas porta-revistas no dorso do encosto dos bancos dianteiros, descansa-braço no banco traseiro, materiais de ótima qualidade e acabamento e tudo o mais que um veículo desse porte merece oferecer aos seus proprietários (ou locadores, como no meu caso… rsrs).
A essa altura imagino que a maioria dos leitores e leitoras estejam esperando ler sobre o consumo de combustível… rsrs. Então, lá vai e já avisando que todas as medições foram através do computador de bordo do veículo. Particularmente, foi melhor do que eu esperava quando se pensa no porte do carro e, claro, no motor que temos à disposição. Em rodovia eu conseguia manter um consumo na faixa de 8 km/l a 9 km/l quase o tempo todo, (quase) sempre respeitando os limites de velocidade das rodovias. Sobre o consumo urbano, não deu para ter muita noção, pois, não foi o uso primordial que tive. Mas, o número que eu acho melhor para analisar é que, nos 3.403 quilômetros que rodei com ela a média global foi de 7,4 km/l e, claro, muito importante considerar que grande parte da viagem foi subindo e descendo montanhas.
Observando a média durante os dias, naqueles em que eu tinha mais rodovia, a média passava sempre dos 8 km/l, nos dias que eu tinha mais montanha, por vezes ficou abaixo dos 7 km/l. Então, além de tudo, na minha opinião (de novo, lembre-se que estamos falando de uma picape V-8 a gasolina) o consumo foi mesmo ótimo e que com os 96 litros do tanque de combustível temos uma excelente autonomia, que pode beirar os 700 quilômetros (como vimos acima, existe a possibilidade pedir tanque maior, 125 litros no caso, para maior autonomia).
Só abasteci com gasolina comum (regular) americana, a 87 AKI (anti-knock índex, que aqui se chama índice antidetonante (IAD 87), de 91 octanas RON, octanagem que não temos aqui faz quase 40 anos, em que hoje começamos com 95 RON. Saiba-se a gasolina que usei foi a E10, com 10% de álcool, bem menos que nossos exagerados 27,5% na gasolina comum/aditivada e 25% nas gasolinas premium. Imagino que com a calibração desse motor para uso no Brasil os números de consumo sejam piores, pois o motor tem taxa de compressão relativamente baixa (10,5:1), para poder funcionar com gasolina de menor octanagem que a nossa, e nosso maior teor de álcool joga contra em questão de consumo. A única possibilidade de manter o consumo praticamente igual é o motor ter reserva no mapa de avanço de ignição para os consumidores de lá abastecerem com gasolina intermediária, a mid-grade 91 AKI e ganharem desempenho com menos consumo. Mas é uma conjectura, isso só a fabricante sabe.
Bem, finalizando, por ora no Brasil não temos, ainda, nada oficial da FCA sobre as versões que estarão disponíveis, motores (a imprensa fala no V-6 Diesel na faixa de 260 cv), preços e outras informações sobre a Ram 1500, nem mesmo a data exata de sua chegada.
Conclusões
– Se você gosta de picape e/ou já tem uma das nossas médias (Ranger, S10, Amarok, Frontier, Hilux, L200 e outras), a Ram 1500 é uma excelente opção se você gostar, quiser e/ou precisar de um veículo de porte maior, mais espaço interno e maior capacidade de reboque;
– Ela é grande — mesmo —, mas muito fácil e dócil de usar no dia a dia (claro, não falo aqui de questões como estacionamento e trânsito pesado, pois, isso depende do estilo de vida e necessidade de cada um);
– Sim, sem analisar muito a questão preço (até porque, não sabemos quanto ela custará no Brasil), eu trocaria facilmente a Ranger por uma Ram 1500 para o mesmo tipo de uso;
– Sim, se o motor V-8 viesse para o Brasil seria tranquilamente uma opção principalmente, se considerar a questão “visceral”, o prazer em dirigir e o desempenho de alegrar qualquer autoentusiasta;
– Sim, valeu cada centavo experimentar e usar a Ram 1500 nos 3.417 quilômetros dessa viagem, que também poderia ter sido feita com um veículo menor, mais econômico, etc., etc. — mas, aqui estamos falando de “diversão” e não de eficiência ou questões mais racionais… rsrs
Abraços 4×4
LFC