O assunto que abordei aqui semana passada gerou muitos comentários — felizmente, todos muito construtivos e interessantes. Por isso, volto ao tema, ainda que parcialmente e com outro enfoque. Na verdade, já contei alguns causos destes que seguem, mas quis juntar tudo e falar mais um pouco sobre direção defensiva, algo que acredito ser do interesse de todos para um dirigir seguro e, por que não, prazeroso.
Sempre gostei de carros. Desde pequena, como meus leitores mais contumazes já sabem. Em compensação, não gostava de Ciências Exatas. Talvez fosse mais um “não entendia” Ciências Exatas. Para mim era algo como um buraco negro, sobre o qual pouco sabia e o pouco que sabia, não entendia. Ao contrário, sempre tive muita facilidade para gramática e idiomas em geral — você precisam me ver falando a língua do pê. Sou superfluente, mas em espanhol apenas. Em minha defesa destaco que é bem mais difícil do que em português, pois a vogal juntada à letra p tem de combinar com a vogal da sílaba original. Não basta acrescentar um “pê” isso, “pê” aquilo. Nada disso. Arroz é “a-pa-rroz-po”. E por aí vai. Falo rapidíssimo e sem errar uma.
Já somar frações, por exemplo, me leva a um tortuoso exercício de desenhar pedaços de pizza e ir contando um por um. Jamais consegui decorar fórmulas como máximo divisor comum ou mínimo múltiplo comum, mas por algum estranho motivo, lembro perfeitamente das fórmulas de Física – mesmo aquelas que só usei no segundo grau, quando cursei Exatas. Mérito do meu marido, então namorado, que me dava aulas. Tenho até hoje o livro de Nicolau Gilberto Ferraro e Paulo Antônio de Toledo Soares com todos os rabiscos feitos por ele. Coisa do tipo: “a força do meu amor por você é igual à massa da minha paixão vezes a aceleração do meu coração”. Até hoje lembro que força é massa vezes aceleração. Como não aprender Física assim? Aliás, como não me casar com ele?
Certamente isso ajudou muito, assim como a infinita paciência dos meus pais em explicar cada coisa. Minha mãe jogava muito bem bilhar e me mostrava os princípios da geometria ao jogar. Claro que minha teoria sobre qual bola eu tinha que acertar para ela ir para a caçapa não estava em consonância com o que eu fazia com o taco, mas eu sabia o que tinha que fazer. Só não conseguia. Para ambos as Ciências Exatas eram algo fácil, natural. Para mim estavam mais perto das Ciências Ocultas do que de outra coisa. Mas persisti em aprender, entender e acabei gostando. Hoje acho ótimo tudo isso, pois sei que sou uma motorista muitíssimo melhor do que se não tivesse me embrenhado por essa seara.
Ajuda muito entender como funciona a inércia para calcular espaço de frenagem. É claro que ninguém fica avaliando a quantos metros de distância está, a qual velocidade e então calcula o coeficiente especialmente quando algo ou alguém cruza subitamente a nossa frente. Aí geralmente é pé no freio e pronto. Mas acaba ficando algo automático, intuitivo quando se sabe alguns princípios de Física. Inclusive para avaliar como pisar no freio. A 80 km/h um carro médio leva 24 metros para parar completamente depois de acionado o freio. E como eu sei disso? Veja logo em seguida. Aí se o obstáculo está mais perto, as coisas se complicam e a frenagem tem de começar antes. Lembrando as leis de atrito, o que ocorre é que o atrito entre o pneu e o piso freiam o carro. Mas certamente ninguém vai lembrar da equação de Torricelli para calcular o espaço de frenagem. Em todo caso, para não ficar com a informação parcial e para mostrar o quão bom professor meu marido foi, vamos lá:
Onde v é velocidade final em metros por segundo; v0 é a velocidade inicial em metros por segundo, a é a aceleração média em metros por segundo ao quadrado e ?S (deltaS) é o deslocamento em metros.
Fácil, né? Por isso eu fiquei de segunda época os três anos do segundo grau. Mas como já contei, passei de ano ainda em dezembro. E segunda época apenas em Matemática, Física e Química. Nas outras sempre passei direto, inclusive em Português no mesmo ano em que cheguei ao Brasil.
Voltando ao senhor Torricelli, fazemos:
v = 0 ou seja, a velocidade final igual a zero (o carro tem de parar totalmente, né?)
v0 = 80 km/h (minha velocidade no momento em que preciso frear. Sou uma otimista de achar que consigo andar sem ser multada em São Paulo a essa velocidade sem que seja nas pista expressas das marginais, mas não custa sonhar) que, convertidos para metros por segundo dá 22,2 m/s
a = 10 metros por segundo por segundo (10 m/s²), mas temos de tornar a aceleração negativa (com o sinal negativo), pois estou desacelerando e obtemos o valor da velocidade positiva, ou seja, contrária ao sinal da aceleração
A incógnita será o delta, isto é, de quantos metros eu preciso para parar totalmente estando a 80 km/h. Tchatchã, com a ajuda de lápis e papel (não sou muito boa em contas de cabeça quando há muitos zeros) a resposta é 24 metros.
Mas, como já disse, isso fica intuitivo e ninguém precisa passar por tudo isso na hora do sufoco.
Mas, assim como naqueles anúncios do tipo “Ligue djá”, isto não é tudo. A superfície está molhada? Estamos numa curva? Nada de sentar a bota até a sola do sapato furar o assoalho do carro. Por quê? Porque as rodas travam e a distância de frenagem tem de ser calculada de outra forma (foto 4). É o tal atrito cinético ou atrito dinâmico que gera um movimento sem controle do veículo. O ideal é “bombear” o freio, pisando suavemente repetidas vezes. Mas se o condutor se apavorou e as rodas já travaram, é tirar o pé do freio para que o veículo não rode e, para os que acreditam, pode-se rezar também, pois não há muito a fazer nessas horas. Mas tudo isto (exceto rezar, que é opcional) é para ser feito se o veículo não tiver ABS, pois ele impede o travamento das rodas.
Nas curvas, o ideal é reduzir a velocidade antes de entrar nela e, se necessário, frear antes e não durante a manobra. Mas pode surgir um imprevisto à frente e será preciso frear para evitar o pior, mas deve ser feito o mais suavemente possível e nunca deixar as rodas travarem. Para isso o freio ABS é um inestimável auxílio.
Na questão da velocidade na curva em estrada, efetuá-la na velocidade-limite da via é seguro com piso seco, mas se estiver molhado a prudência manda reduzir um pouco a velocidade. Já na cidade, especialmente nas curvas de esquina, o ideal é baixar a velocidade à metade, mas isso depende da superfície, do raio e do ângulo da curva e, claro, se você gosta ou não de fazer drifting.
Também adoto certas precauções depois de ter tido durante vários anos um Citroën C4 Pallas. O modelo automático tem uma retomada lentíssima. Se você não coloca o câmbio no modo Sport levará sei lá quanto tempo para sair de parado num sinal de trânsito. E se quem está atrás acelerar um pouco mais, babau. Então, paciência, pois é só regular o tempo e a distância. Meu carro atual, um C4 Lounge, com motor 1,6 turbo, é o oposto, como arranca forte!
O carro do meu marido, um Peugeot 408, também tem uma saída de parado absurda. No início várias vezes quase encostei na parede da garagem Eita carro nervosinho!. Parece que gosta mesmo de correr. Aliás, adoro quando estou no sinal de trânsito e tenho tudo livre à minha frente. Não tem para ninguém! É acelerar e ver todo mundo pelo retrovisor. Então, se estou à frente de um carro desse modelo, saio o mais rapidamente que posso.
Também tenho por hábito olhar o estado geral dos veículos que estão próximos de mim no trânsito. Pneu careca eu fico longe — nem adiante, porque pode não parar e bater em mim, nem atrás, porque pode frear deficientemente e eu acabar batendo nele. Também evito veículos sem faróis ou sem luz de freio funcionando. Deixo algum carro no meio, mas mantenho distância, pois o carro adiante de mim pode não perceber a falta de luz do outro e não frear. O mesmo com veículo com farol desregulado ou xingue-lingue xenônio ofuscante atrás de mim. Se não posso deixá-lo ir adiante, mudo de faixa e também deixo outro carro entre nós dois.
Veículo com suspensão vencida nunca fará uma curva junto comigo. Dou passagem ou acelero o suficiente para ficar fora do trajeto que, calculo, pode fazer de forma espalhada. Mas mesmo com suspensão em ordem, evito ficar do lado de um caminhão numa alça de acesso, por exemplo. Não raro, eles tombam. Idem caminhão com carga irregularmente distribuída ou perua com carga mal acondicionada ou solta (foto 2). Nunca fico atrás nem sequer na mesma faixa de rolamento.
Não sei exatamente por quê, mas tenho algum tipo de obsessão em olhar alinhamento e cambagem de veículos. Tem alguns que mesmo exatamente à nossa frente, nos permitem ver os quatro pneus ao mesmo tempo. Tudinho: pneu, roda… Tem algo errado quando isso acontece, né? Brinco que deve ser a versão tabajara da suspensão independente nas quatro rodas — tão independentes que cada uma vai para um lado.
É claro que todos estes cuidados são meio difíceis de se ter o tempo todo numa cidade lotada de gente, carros, caminhões, buracos e todo tipo de entrave. Mas sempre adoto estas precauções na medida do possível. Já comentei aqui que saí do meu trajeto e virei em outra rua para sair da frente de uma motorista que insistia em digitar no celular enquanto dirigia em pleno congestionamento. Deduzi que em algum momento não pararia e poderia bater em mim com essa distração. Reconheço que nem sempre é possível e é aí quando minha aflição vai aos píncaros.
Podem me chamar de maluca. Ou de autoentusiasta por prestar atenção em todas essas coisas, mas graças a cuidados como esses é que sofri pouquíssimos acidentes em toda minha vida de motorista. Aliás, provavelmente sou um pouco das duas coisas.
Mudando de assunto: sou uma feminista meio mais ou menos e tenho algumas implicâncias com coisas como o Dia Internacional da Mulher ou cotas femininas. Não peço carro por aplicativo exclusivamente dirigido por mulher nem solicito médica mulher para fazer exames de saúde pois se quero ser tratada igual a um homem não serei eu a alijar um de exercer sua profissão, seja motorista de aplicativo ou médico. Mas sei que é uma discussão longa e aviso: adoro que abram a porta para mim e acho um charme homem andar do lado da rua quando está comigo numa calçada. OK, não pretendo que ninguém me entenda nem concorde. O fato é que recebi uma mala direta de uma concessionária com cursos de mecânica para mulheres nesta semana do Dia Internacional da Mulher. Pessoalmente, gostaria que fizessem isso o ano todo. Mas o “gancho” marqueteiro pode ser um bom motivo para atrair um público que está afastado das oficinas.
NG