Sinceramente, com coronavírus, Covid-19 ou qualquer outra coisa minha vida não mudou muito. Sou reclusa por natureza, faz algum tempo que trabalho quase exclusivamente de casa e, aliás, gosto muito mesmo de ficar entre minhas quatro paredes. A diferença é o não poder sair. Antes saía pouco, mas podia fazê-lo quando quisesse. Agora continuo sem sair, mas é porque não devo e por isso mesmo, a contragosto. É como faltar à escola e ficar em casa porque você quer ou faltar à escola e ficar em casa porque você está doente. Totalmente diferente.
É um pouco como fumar. Sou fumante mais do que esporádica. Um maço de 20 cigarros ou cigarrilhas (das quais gosto muito) dura para mim uns seis meses — às vezes mais. Tanto é que os guardo na geladeira. Caros leitores, vocês sabiam que o cigarro estraga depois de um tempo? Pois é, descobri por experiência própria. Ele embolora, mancha e fica com gosto ruim mas, claro, depois de bastante tempo, o que é o meu caso. Fico semanas inteiras sem fumar, mas experimentem me fazer ficar muito tempo na sacristia de uma igreja, à espera de um batizado, por exemplo. Aí é que tenho vontade de fumar mesmo. Hospitais eventualmente tem o mesmo poder sobre mim. Deve ser apenas porque é proibido ou porque o espírito meio anarquista do meu avô se manifesta em mim de vez em quando. Ou o meu espírito do contra, mesmo, escolham vocês. Já mencionei aqui que ser argentina, taurina, neta de espanhóis, bascos e italianos é mais do que uma pessoa normal pode suportar. Como lutar contra tudo isso?
Agora olho melancolicamente pela janela os poucos carros que passam e me dá saudades do meu. Acho até que descerei até a garagem só para vê-lo. Afinal, já faz tanto tempo… O problema será apertar os botões do elevador — talvez tente a estratégia de um amigo meu: palito Gina que como todos sabemos tem mil e uma utilidades. A estratégia de outro amigo não vai funcionar: ele levanta a camiseta até a cabeça e aperta o botão usando o tecido. No meu caso, as câmeras fariam a farra dos porteiros, especialmente porque estou mais travada do que nunca com a falta total de exercícios, fisioterapia e mesmo caminhadas. Seria um show de horrores em todos os sentidos. Correria o risco de chamarem a ambulância pensando que estou tendo um surto psicótico ou mesmo um ataque epilético.
Aí me ocorre outra questão: o que vestir para ir até a garagem? Claro que será um momento bastante solene para alguém que só tem visto o próprio marido e eventualmente o faxineiro quando lhe entrega o lixo. Algo do tipo “ao infinito e além”. Hoje, quando me deu saudade do meu carro e do pen drive com minhas músicas favoritas que esqueci lá dentro, fiquei bem uns 20 minutos pensando no que vestir. Acho até que passarei algum batonzinho básico. Afinal, preciso aparecer apresentável para quem estiver do outro lado das câmeras ou vá que encontro alguém na garagem? Descarto, então, descer tudo pela escada, obviamente sem encostar em nada. Chegaria meio esbaforida e talvez suada. Não, tenho de estar apresentável — sim, algo com o que nunca me preocupei quando descia coisas para deixar no porta-malas. Mas ultrapassar a soleira de casa será um momento raro e solene agora. Preciso me preparar psicologicamente e estar apresentável.
Aliás, com um lado da família faremos hoje um encontro virtual via aplicativo de vídeo. Assim poderei ver meus sobrininhos (sobrinhos pequeninhos) de 2 anos e a neném de três meses com os quais temos mantido uma distância de quilômetros. Aliás, tenho de correr para arrumar a biblioteca. Imagem láivi na telinha do espertofone que se preze tem de ter uma estante cheia de livros atrás, né?
Engraçado é que fora essa vontade de sair, nada mudou para mim. Ao contrário, acho que a roupa para lavar e passar se multiplicou na mesma proporção do Covid-19 na Itália e me toma mais tempo. Ainda tenho sei lá quantos vídeos de viagem para editar e um monte de álbuns de fotos para arrumar, como sempre. E aí vai um parêntese: meu marido sempre disse que deveríamos tirar férias, mas não viajar, para que eu pudesse terminar de pôr ordem nisso. Pois é, secou tudo. Eita língua ferina!
Tínhamos viagem marcada para esta semana, exatamente dia 27 de março e para um lugar onde praticamente não há casos de coronavírus — até uns dias atrás havia checado e era apenas um. Ou seja, teoricamente, estaríamos mais protegidos lá do que cá. Mas o caos no transporte aéreo melou tudo e a empresa cancelou dois trechos da ida, adiou os outros por um dia e cancelou totalmente a volta. Como ir, assim, para a Tanzânia? Fiquei supertriste, é claro, pois era um sonho de infância meu e da cara-metade conhecer o Serengueti e outros lugares que sempre vemos no Animal Planet, mas não deu. Bem, ficará para outra vez. Paciência. Consola-me (tímida ênclise, mas ênclise enfim) pensar que não ficamos parados em algum destino inóspito, não precisamos dormir em aeroporto algum… Já foi suficiente nossa experiência do ano passado em passar dois dias inteiros em dormitório de campanha da polícia de fronteiras em Passo Sico por não poder ir para o país ao lado onde nos aguardava um belo e confortável hotel. Não, obrigada. Prefiro minha casinha. Ou, é claro, naquela ocasião o hotel que Noratur havia reservado.
Tudo isto me levou a uma reflexão: ter ou não ter carro próprio? Tem gente que mostra com números que não compensa ter carro. Somam os custos do patrimônio imobilizado, do seguro, do IPVA, etc. e alegam que não compensa. Aí eu sempre respondo: e o gosto de ter um carro escolhido por nós e à nossa disposição? Para mim é como ter apartamento na praia ou casa com piscina. Usam-se o tempo todo? Claro que não. Mas e o prazer de quando se usa? Especialmente com amigos ou família, ou ainda apenas com a cara-metade? Para mim, isso não tem preço. E justamente por isso digo que nem tudo tem valor financeiro. O mesmo vale para viajar. Tem gente que diz que se gasta muito dinheiro para pouco tempo. OK, isso é fato. Mas quanto vale o tempo que se passa viajando? Para mim, é imensurável. O que se aprende e se vive não tem preço.
Minha viatura, como dizem meu amigos lusitanos, continuará lá, parada na garagem, à espera do fim da quarentena. Mas não pretendo ficar sem carro. Mesmo que seja usuária relativamente frequente do transporte coletivo e caminhante inveterada. Prefiro limitar gastos em outras coisas e ter minha liberdade — claro, que desde que isso seja possível. Não seria néscia de ter carro, mas não ter o que comer. Sei lá, é sempre bom esclarecer.
Quanto ao confinamento, para mim a pior parte é aguentar os zilhões de mensagens nos grupos de WhatsApp. Parece que só eu estou ocupada e que vários dos meus amigos, conhecidos e vizinhos só tem o Zápi e o Feicibúqui para passar o tempo. O aumento foi exponencial e certamente o fator é maior do que o de contágio do coronavírus. Várias vezes a mesma mensagem no mesmo grupo, gente que pergunta o mesmo várias vezes e, pior ainda, as tais feiquiniús que nada mais são do que boatos e mentiras. Isso sem falar nas centenas de vídeos. Affe! No meu grupo de primos a administradora relembrou a todos que, como sempre foi, correntes, vídeos e áudios estão proibidos, fotos apenas da família e quem descumprir será retirado por pelo menos 24 horas, ficando a critério da administradora sua reintegração. Pena que é só nesse grupo que temos isso. Dos outros nem dou conta de apagar as bobajadas. Mas teve uma divertidinha: o amigo de uma das minhas primas deu um jeito de passear o cachorro sem correr risco.
Mudando de assunto: mesmo em tempos de confinamento é sempre bom relembrar algumas normas de trânsito e de bom senso.
Se você não entende por que isto é errado
Você é o motivo de precisarmos colocar instruções nas embalagens de xampu
NG