Caríssimos leitores, não, hoje não vou falar de confinamento — bom, não tanto assim. Tenho lidado superbem com isso e acho que se é para ficar dentro de casa, minha casa e meu marido são o melhor lugar e a melhor companhia que poderia querer. E sim, espero um novo pedido de casamento depois deste elogio em público. Ou talvez algum mimo como uma taça de vinho e um beijo. Ricardo, fica a dica…
O que tem me incomodado muito neste período é o tempo que sobra para muitas pessoas por aí que se dedicam a espalhar bobagens pela internet. Já mencionei que tenho desligado o WhatsApp por algumas horas por dia todos os dias, pois nem dou conta de apagar as besteiras e, pior, deixo de ver coisas importantes. Nem sei como tem tempo livre, pois eu sequer consegui melhorar meus atuais índices de leitura. Os livros continuam se empilhando no criado-mudo (ou sei lá como se chama aquele móvel depois que alguém problematizou essa definição) e na minha biblioteca, que há tempos deixou de ser aquela coisa perfeita de fundo de láivi ou entrevista.
Tenho recebido inúmeras mensagens de bobagens, mas vou me limitar apenas às automobilísticas — que, diga-se de passagem, não são poucas, não. E vejo outro tanto a toda hora no Feicibúqui.
Vejam só esta que li, postada, diga-se, por um amigo meu que reputo inteligente — mas que pouco entende de carros, é fato.
Informação de interesse geral:
Um carro estacionado na sombra durante um dia com as janelas fechadas pode conter de 400-800 mg de benzeno. Se está no sol a uma temperatura superior a 16 ºC., o nível de Benzeno subirá a 2.000-4.000 mg, 40 vezes mais o nível aceitável… A pessoa que entra no carro mantendo as janelas fechadas inevitavelmente aspirará em rápida sucessão excessivas quantidades desta toxina. O benzeno é uma toxina que afeta o rim e o fígado. E o que é pior, é extremamente difícil para o organismo expulsar esta substância tóxica. (…)
Aqui vem a razão médica:
De acordo com um estudo realizado, o ar refrescante antes de sair frio, manda todo o ar do plástico quente o qual libera benzeno, que causa câncer (leva-se um tempo para dar-se conta do odor do plástico quente no carro). Por isto é a importância de manter os vidros abertos uns minutos.
Além de causar câncer, o benzeno envenena os ossos, causa anemia e reduz as células brancas do sangue. Uma exposição prolongada pode causar leucemia, incrementando o risco de câncer. Também pode causar um aborto. O nível apropriado de benzeno em lugares fechados é de 50 mg/929 cm². Assim amigos, por favor, antes de entrar no carro, abrir as janelas e a porta para assim dar tempo a que o ar interior saia e disperse esta toxina mortal.
“Quando alguém recebe uma informação valiosa e se beneficia dela, tem obrigação moral de partilhar com todos”.
Confesso que sempre desconfio quando vejo coisas do tipo “repasse sem dó”, “isto a mídia não mostra” ou, neste caso “informação de interesse geral”. Achei até nobre o “Quando alguém recebe uma informação valiosa e se beneficia dela, tem obrigação moral de partilhar com todos”.
Parece sempre mais sério quando há um senso de urgência ou de generosidade. Algo como “só eu fiquei sabendo disto, mas sou bacana e vou te prevenir”. A tática funciona também com pseudoestatísticas. Ninguém que queira ser levado a sério usa “10%”. Não, escreve “11,23%”. Assim parece mais crível, né? Neste caso, que tal acreditar na frase “de acordo com um estudo realizado”. Quem lê não se pergunta qual o estudo e feito por quem? Tem mensagem que até coloca um link para “validar” o enunciado – mas quando se abre o link (ou melhor, copia e cola o link e se abre em outro navegador) não tem rigorosamente nada a ver com o que é dito na mensagem.
Vamos ao caso do benzeno. Como todo boato na internet, este também tem o dom de ressuscitar. Ele há havia circulado em 2014 mas como nada, nada na web desaparece, os boatos zumbis voltam de tempos em tempos. Da outra vez tinha o “endosso” de uma subcelebridade — aí então é que o pessoal acredita mesmo, ainda que a pessoa em questão não tenha nenhum conhecimento automobilístico, médico ou químico específico. O próprio Ministério da Saúde desmentiu a historinha, pois não há absolutamente nenhuma pesquisa que embase a tal “denúncia”, as quantidades de benzeno utilizado nos plásticos é mais do que ínfima… aliás um parêntese: belo (e hercúleo) trabalho este de desmentir feiquiníus do Ministério. Imagino as barbaridades que esse pessoal tem que ler — certamente, deve ser considerado um trabalho insalubre e deve ter algo como comutação de pena — tipo “a cada 100 mensagens lidas, o funcionário tem direito a uma semana de folga”. Ou algo assim.
Tem também aquela outra mensagem alarmista de uma criança que teria mexido no celular da mãe enquanto abasteciam o carro no posto de combustível e o veículo explodiu por causa do celular. O vídeo (assista-o abaixo), como dizem os que o espalham “não deixa lugar a dúvidas”. Só que não se vê ninguém mexendo em celular nenhum e o carro explodiu enquanto era abastecido com gás natural veicular. Tristemente, matou uma pessoa e deixou outras três feridas em abril de 2017 em São Gonçalo, RJ..
Nem vou falar aqui das mensagens sobre promoções, sorteios e brindes de carros pois algumas são absolutamente ridículas. No ano passado tinha um que dizia que uma famosa fabricante de veículos que estava comemorando 116 anos iria distribuir 500 carros — bastaria apenas entrar num link que estava na própria mensagem, responder três perguntas e compartilhar a mensagem. E teve gente que acreditou. Como sempre, era apenas um vírus e justamente por isso nem vou colocar link para a mensagem.
Sou naturalmente desconfiada dessas coisas — paranoica talvez me defina melhor, mas é que trabalhei na área de Comunicação de um grande banco, na de empresas de segurança da informação e outras companhias que lidavam com muitas informações no mínimo, sensíveis. Por isso prezo muito, mas muito mesmo, meus dados e jamais repasso coisas desse tipo. De fato, sou a chata de alguns grupos justamente porque de vez em quando fico desmentindo coisas assim. Só não faço isso sempre porque tem mentira demais por aí e não dou conta — nem tenho paciência.
Lembro de um e-mail bastante popular há algum tempo e que parece ter voltado à vida. Na mensagem alguém de um paupérrimo país africano diz que tem uma enorme quantia de dinheiro para receber, mas que não confia na família que lá está e pede ajuda. Para isso, é só mandar uma determinada soma de dinheiro que o voluntarioso recebedor do e-mail será recompensado com um valor várias vezes superior. Pergunto eu: se a criatura não confia na própria família, por que iria confiar em mim ou em alguma outra pessoa sobre a qual sequer ouviu falar? E, no entanto, tem gente que acredita numa e em outra coisa.
Carros elétricos fazem a delícia dos espalhadores de boatos. Circula um que mostra um carro parado num cruzamento, totalmente despedaçado. Segundo a lenda, teria sido uma explosão na bateria de um carro elétrico — especificamente um Tesla. O acidente, de fato, parece feio — bem eu sempre acho acidente de carro algo feio, e embora o vídeo seja real (assista-o abaixo), não tem nada a ver com bateria de carro elétrico. Ele é de um acidente de janeiro deste ano e mostra um Tesla X que, na realidade, foi atingido por um Nissan GT-R que teria ultrapassado um sinal fechado. Aliás, isso é algo muito comum: vídeos ou fotos verdadeiros, mas totalmente fora de contexto. A bateria nada teve a ver com o acidente.
Baterias de carro têm sido bastante seguras, assim como gás natural veicular ou qualquer outra coisa. Basta ter um mínimo de cuidado e seguir as especificações do fabricante de conservação, manutenção e até mesmo posologia — afinal, não adianta colocar 0,5 ml de água num radiador que precisa de uns 3 ou 4 litros, né? Tenho um primo que sofreu uma grave intoxicação com leite, que ele adorava. Aos 6 anos de idade tomou 5 litros numa sentada só. Foi parar no hospital. O leite faz mal? Não. O excesso, sim. E se tivesse ficado fora da geladeira provavelmente apenas um copo teria provocado uma intoxicação também. Novamente, conservação e posologia.
Algum tempo atrás recebi uma mensagem que falava de uma utilidade extra do encosto de cabeça nos bancos do carro. Ele seria destacável propositadamente, e com hastes metálicas, para permitir a quebra das janelas em caso de acidente, pois seria mais fácil quebrar um vidro pelo lado interno do veículo do que pelo externo (sic). A questão básica é que tanto faz quebrar um vidro de um lado ou outro — o esforço será o mesmo e a dificuldade, idem. Mas outra coisa que sempre me surpreende nesses casos é achar que alguém vai se lembrar de uma coisa dessas num acidente. Lembro-me claramente até hoje uma matéria da Folha de S. Paulo muitos anos atrás quando uma criança brasileira quase foi morta por um réptil na Florida e só foi salva porque os pais pularam na água e arrancaram o menino da boca do animal. O jornal usou uma página inteira para explicar a diferença entre jacarés, crocodilos, aligatores e sei lá o que mais da família. Também explicou o que se deve fazer caso alguém fosse presa de um animal desses, pois um deles tentaria levar seu banquete para o fundo do lago, onde geralmente faz sua toca (e aí, imbatível no quesito “prestação de serviço”, o jornal dizia: tenha calma). Um jacaré tentaria devorar logo a pessoa, trucidando-a com seus dentes e por isso o melhor seria socar o focinho do animal. E foi assim uma página inteira de jornal, com direito a desenhos de cada espécie. Confesso que fiquei pensando quem consegue olhar para a cabeça do animal, avaliar o comprimento dele e lembrar das características de cada um numa hora dessas para decidir o que fazer. Acho que eu faria tudo ao mesmo tempo: prenderia a respiração (vai que ele quer me levar para a toca…), socaria o focinho dele… Não, nem McGyver saberia o que fazer numa hora dessas.
Lembro-me de uma viagem que fiz às Montanhas Rochosas canadenses com meu marido. Ao entrarmos no parque nacional, de carro, recebemos um folheto com explicações sobre o que deveríamos fazer caso encontrássemos alguns animais selvagens comuns por aquelas paragens. Se encontrássemos um puma, o ideal é abrir o casaco o máximo possível para parecermos maiores do que somos. Teoricamente, isso assustaria o felino. No caso de um urso cinzento, se fosse durante o dia teríamos de fazer o máximo de barulho possível. Se fosse à noite, a estratégia é se fingir de morto — dizem que o mais provável é ele cheirar a pessoa e apenas ir embora. Ninguém jamais me explicou exatamente a partir de que horas o urso considera que é noite ou dia de forma a que eu possa balizar meu comportamento. Quando fomos alugar nossos snowmobiles para uma tarde nas florestas cobertas de neve perguntamos ao guia se isso era o mais indicado. Resposta? “Se encontrarmos um puma ou um urso, subam no snowmobile e corram o mais rápido que puderem”. Pragmático o canadense, não?
Sinceramente, não sei que tipo de falta-do-que-fazer leva alguém a espalhar coisas assim. Acho feiquiniús de qualquer tipo um horror, coisa de quem não tem o que fazer mesmo. Se eu descobrisse faria a criatura ajudar a cavar túneis para o metrô sem nenhuma outra ferramenta a não ser uma colher de sobremesa. Se não tem o que fazer e tem tanto tempo sobrando pelo menos essa seria uma forma mais útil de se ocupar, não?
Mudando de assunto: Com a suspensão de várias provas de Fórmula 1, 2, 3, Fórmula E e Super Formula por causa do Covid-19, pilotos dessas categorias se uniram para fazer três corridas virtuais, com transmissão ao vivo, para arrecadar dinheiro para o combate à Covid-19. A #RaceForTheWorld (Corrida pelo mundo) tem participação confirmada dos mais jovens pilotos, como Charles Leclerc, Alexander Albon, Lando Norris, Antonio Giovinazzi, George Rusell, Nicholas Latifi e Pietro Fittipaldi. Pessoalmente, não sou muito boa com simuladores (já expliquei as razões neste espaço) e estou muito curiosa para saber como esses talentosos moleques se saíram. Bacana a iniciativa e, de quebra, ainda treinam um pouco, não?
NG