Nada que possa garantir o selo de aprovado, mas conversações nos últimos dias entoam um canto no qual a letra da música anuncia que o calendário 2020 da F-1 pode começar com o GP da Áustria (foto de abertura) envolto em ares do Dia D. Naquele 6 de junho de 1944 tropas aliadas invadiram a Normandia em uma operação que culminou, juntamente com a ação da URSS, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Enquanto isso, em São Paulo cresce o movimento para liberar o autódromo e o kartódromo de Interlagos para treinos em condições especiais, algo que já ocorre em outros circuitos Brasil afora. Paralelamente, a Federação Internacional do Automóvel (FIA) adiou ontem (segunda, 20) mais uma importante alteração técnica: a estreia de uma categoria de carros elétricos no Campeonato Mundial de Rallycross foi postergada para 2021, decisão semelhante ao adiamento da entrada em vigor do novo regulamento da F-1.
O relaxamento da reclusão coercitiva em alguns países da Europa tem aumentado as chances de que as competições de automobilismo e outros eventos esportivos possam ocorrer dentro de aproximadamente dois meses e meio. A Red Bull trata essa possibilidade com interesse particular: ontem o conselheiro da marca para a F-1, Helmut Marko, admitiu que o GP da Áustria no início de julho “seria uma promoção de valor incalculável” para o turismo em seu país. Caso a competição venha realmente a se realizar no primeiro domingo de julho, as arquibancadas do traçado de Spielberg estariam fechadas ao público. Esta opção não traria vantagens diretas à região, que perderia uma grande oportunidade de faturar com hospedagem, alimentação e o comércio típico de grandes eventos.
Por outro lado, a oportunidade de abrir um campeonato que entrará para a história é particularmente atraente para uma empresa que prima pelo marketing criativo e agressivo, caso da Red Bull, dona do circuito onde se realiza o GP da Áustria e uma das grandes incentivadoras do turismo regional. Quando se soma esse interesse ao fato que no dia 5 de julho o governo local já permitirá a realização de eventos esportivos e se fala de uma possível compensação financeira da Liberty Media à prefeitura de Spielberg, pode-se acreditar que a prova tem chances reais de ser realizada. Para os donos dos direitos comerciais da F-1, pagar essa taxa garantiria um ingresso extra de direitos de transmissão de TV e amenizaria a crise financeira gerada pelo cancelamento ou adiamento de nove etapas, ou 36% das 22 etapas do calendário deste ano.
Não bastasse esse problema, a queda de faturamento provocada pela pandemia do Covid-19 afeta diretamente o fluxo de caixa das equipes a ponto de Zak Brown, atual chefe da McLaren, liderar uma cruzada para estabelecer um limite de gastos anual sob a alegação que “até quatro times podem fechar suas portas”. Tal situação está longe de ser inédita, mas o fato é que sete deles estão unidos na luta para fixar em US$ 100 milhões os gastos com construção, manutenção e pesquisa e desenvolvimento. As três que não concordam com isso são a Ferrari, Mercedes e a Red Bull, cujo executivo maior, Christian Horner, soltou ontem o que pode marcar uma volta às origens da F-1, conforme declarou em entrevista ao jornal inglês The Guardian: “Se é para reduzir gastos, em especial das equipes pequenas, sou totalmente a favor de fornecer a elas um carro versão cliente nas duas próximas temporadas.”
Não há dúvida de que tal medida cortaria gastos importantes das equipes menores e traria alguma dose de equilíbrio nas disputas, algo muito bem-vindo. Trata-se de outra ideia nada inédita: até o final dos anos 1980 era possível uma equipe particular comprar um carro de um time de primeira linha e ter chances de disputar a vitória. Nos anos 1950 e 1960 os construtores ajudavam a encher os grids ao vender seus carros para pilotos ou donos de equipes dispostos a pagar boas somas por seus monopostos. Inúmeros pilotos usaram desse artifício para iniciar na F-1, como Stirling Moss, Bruce McLaren e Chris Amon, todos eles felizes proprietários do icônico Maserati 250F, um dos modelos mais longevos da história da categoria.
O último piloto a vencer um GP por uma equipe particular foi o suíço Jo Siffert, ganhador do GP da Inglaterra de 1968, em Brands Hatch, com o Lotus 49 C de Rob Walker; em 1979 o mexicano Hector Rebaque disputou a temporada com seu próprio Lotus 79, que após algumas modificações feitas por John Barnard e Geoff Ferris foi rebatizado como Rebaque HR100. Em seu ano de estreia na categoria Nélson Piquet disputou algumas provas com um McLaren M23 da equipe BS Fabrications.
Outras conjecturas para compensar o desarranjo da atual temporada seria realizar duas provas por fim de semana, cada uma delas com duração diferente e, onde possível, utilizando variações do circuito em questão. Em uma primeira fase as corridas seriam concentradas na Europa — fala-se até mesmo em realizar mais de uma etapa na Inglaterra em nesse período — e no final do calendário migrariam para outros continentes. Ideias não faltam…
Em São Paulo, a possibilidade de o governador João Dória Júnior anunciar um calendário de relargada do comércio paulista movimentou setores do automobilismo. Mas na última sexta-feira a Federação de Automobilismo de São Paulo (Fasp) enviou ofício ao administrador do complexo desportivo de Interlagos propondo a reabertura do autódromo e do kartódromo, algo que já ocorre em outras cidades do País. José Aloizio Cardozo Bastos, presidente da Fasp, descreveu a atitude como uma forma de contornar os dois lados críticos da situação que o mundo vive:
“Apresentamos ao administrador de Interlagos uma forma de contemplar os dois lados da situação dramática que a pandemia do novo coronavírus impõe a todos. Procuramos amenizar as dificuldades que afetam muitos profissionais que vivem do esporte e tiveram sua renda interrompida e propusemos limitações de espaço e pessoal para que as atividades de pista possam reiniciar de maneira razoavelmente segura.”
Pelo que consta no ofício 039/2020, a utilização do autódromo seria restrita a dez boxes individuais por período e para cada automóvel seria permitida a presença de piloto, preparador, chefe de equipe e auxiliar. No kartódromo seriam usados 15 boxes individuais por período e em cada um deles poderiam entrar piloto, mecânico e auxiliar. Em ambos os casos serão adotadas medidas de controle sanitário, como checagem de temperatura corporal e instalação de dispensários de higienização pessoal.
WG