Depois de um curto intervalo, cá estou eu de volta. Problemas técnicos me impediram de escrever na semana passada — culpa da falta de internet durante um tempo muito maior do que seria normal, entre outras coisas que se somaram. Enfim, voltei. Desculpem, caros leitores.
Durante toda esta quarentena tenho feito exatamente as mesmas coisas que fazia antes dela dentro de casa e, como já comentei, minha rotina é tão carregada que essa história de aproveitar o confinamento para colocar a leitura em dia ou outras coisas para mim é apenas uma miragem. Acredito que em vez de um vírus precisaria de um período de isolamento pós-ataque nuclear ou algo assim para realmente ler todos os livros que continuo comprando e ganhando e fazer todas as outras coisas que sempre quero fazer, mas para as quais não tenho tempo.
Em todo caso, tenho observado com muita atenção os números dos noticiários. Aliás, tenho alternado notícias com cada vez mais programas de decoração — quando me irrito com algum jornalista ou com alguma sandice que dizem, mudo de canal. Mesmo assim, insisto nas informações, mesmo que depois de algum tempo.
Independentemente das ideologias e idiossincrasias há muitas coisas interessantes nas quais prestar atenção. Gosto muito do polêmico gênio Elon Musk, mas acredito que o índice dele de acertos esteja pouco superior ao de erros. E não apenas na questão tecnológica, onde ele realmente brilha com frequência, mas também erra muito, mas nos campos que não lhe são tão familiares – onde erra muitíssimo mais.
Revendo os noticiários, encontrei reportagens que mostravam um e-mail que ele enviou a todos os funcionários de sua empresa SpaceX no qual dizia que ele havia estudado o Covid-19 e que “ele não está entre os 100 maiores riscos à saúde nos Estados Unidos”. Também afirmou que mortes por acidentes de automóveis são mais prováveis do que pelo coronavírus — isso porque ele levou em conta somente a quantidade de mortos da semana anterior ao comunicado e apenas nos EUA. Faz tanto tempo assim disso? Não, foi em 15 de março.
O que isso me diz? Que previsões são apenas previsões e segundo o DataNora em 88,23% das vezes elas estão erradas. Mesmo as feitas por um sujeito com inteligência acima da média como Musk — embora pessoalmente ache que ele está fritando os próprios neurônios com o abuso de certas substâncias…
E o que aconteceu com a futurologia de Musk? Ele, como muitos, errou fragorosamente. No caso dos Estados Unidos, enquanto escrevo estas mal traçadas linhas, há 1 milhão de pessoas diagnosticadas com Covid-19 e já morreram 60.000 – tudo isso para 329 milhões de habitantes. O volume de mortos no trânsito nos Estados Unidos é de cerca de 38.000 pessoas ao ano – o que quer dizer que já morreu mais gente de coronavirus em dois meses de 2020 do que de acidentes de carro em todo o ano passado.
No Brasil também as previsões se mostram fora da realidade, em sua maioria. Pessoalmente, acho que o principal motivo é que tudo que se relaciona a uma pandemia muda muito, muito rapidamente. E especialmente quando se trata de uma doença pouquíssimo conhecida como o novo coronavírus, que a todo dia desmente e complica a vida dos próprios pesquisadores. Mas tem também projeções de outros tipos: as catastrofistas, as mal traçadas e apenas aquelas que são feitas de qualquer forma – geralmente, errada.
Vejamos, então, o caso dos acidentes de carro. Um dos pontos basilares do isolamento foi o de reduzir o número de outras ocorrências que poderiam ocupar leitos, médicos e enfermeiros em hospitais e pronto-socorros. Concordo e acho muito razoável suspender cirurgias eletivas e tentar reduzir ao máximo possíveis acidentes. Eu mesma tenha me mantido em casa para evitar não apenas um eventual contágio, mas principalmente que me aconteça algo e acabe ocupando um leito hospitalar. Imaginem, caros leitores, que eu saísse para andar de bicicleta e fosse atropelada por um ônibus. Ou mesmo a pé e ao atravessar a rua sofresse um acidente. Ou que saísse para me exercitar (não, correr está totalmente fora de cogitação como sempre esteve) e torcesse um pé. Nos três casos, teria de ir a um hospital e ocupar tempo e recursos que poderiam ser destinados a alguém com Covid-19. Por isso tenho ficado em casa, mesmo tendo plano de saúde que quase certamente me garantiria um leito — ao contrário de quem depende do já sobrecarregado SUS.
Ainda assim, e com isolamento em São Paulo que sempre esteve acima dos 45%, o número de mortos em acidentes de trânsito no Estado de São Paulo caiu apenas 31,3% na semana entre 24 e 31 de março, a primeira desde a decretação do isolamento social. Os dados são do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga). Segundo o levantamento, houve 68 mortes no trânsito (ou 9,7 mortes por dia), ante 99 no mesmo período de 2019, quando foram registradas 14,14 mortes por dia.
Isso, que poderia parecer alvissareiro, nem é tanto assim, pois ao olhar os números das ruas e avenidas da Grande São Paulo houve redução de 10 mortes: 23 entre os dias 24 e 31 de março deste ano, ante 33 no mesmo período de 2019, ou seja, uma redução de 30,3% – ainda assim, desproporcional à taxa de isolamento.
É obvio que qualquer vida conta e que qualquer vida poupada é algo positivo, mas também fica óbvio que a causalidade entre menos veículos e menos gente na rua não é diretamente proporcional a menos acidentes. Tanto que houve até um aumento no número de mortes no trânsito em São Paulo se olharmos para todo o mês de março. Enquanto em 2019 foram contabilizadas em todo o Estado de São Paulo 429 mortes no trânsito, na mesma semana daquele mês deste ano foram 453, o que significa uma alta de 16%, mesmo com a redução da mobilidade.
Se olharmos o mês todo, dia a dia, também se percebe que não há uma correlação tão estreita entre quarentena e acidentes.
A proporção também foi estranha, no mínimo, nas estradas e rodovias do Estado, onde houve uma queda no volume de mortes em acidentes de 41,7%, portanto muito abaixo da taxa de isolamento, que esteve sempre por volta dos 50%.
No quesito acidentes por meio de transporte, como sói acontecer, as motociclistas lideraram as estatísticas com 31 mortes no período entre 24 e 31 de março. Mas houve redução de 22,5% na comparação com 2019. Eu diria que embora tenha havido uma redução na mobilidade, o aumento no volume de entregas pode ter provocado essa redução abaixo do que poderia se esperar, já que a maioria é feita por motos. Inicialmente eu achei que com a quarentena as pessoas dentro de casa iriam mais para a cozinha, fariam saborosos (ou talvez nem tanto) pratos juntos, mas o que vi foi que apenas quem já cozinhava continuou fazendo isso. Talvez uma ínfima parte da população tenha tentado alguma ou outra receita, mas a maioria correu mesmo foi para o telefone ou os aplicativos para encomendar comida. Conheço gente que seria incapaz de localizar o fogão dentro da própria casa mesmo que usasse o Waze para isso.
Entre os pedestres, a redução no volume de mortes no trânsito caiu muito menos – apenas 12,5% com 14 vítimas. Já entre os ocupantes de carros de passeio, a redução foi de 44%, com 14 mortes. Ciclistas ficaram ligeiramente abaixo, com queda de 12,5% mas num universo bem pequeno — em vez de 8 mortes computadas na semana de 2019 houve 7 neste ano.
Ao detalharmos por região, os números também são díspares em relação ao índice de confinamento. A região metropolitana de São Paulo registrou 23 mortes entre os dias 24 e 31 de março deste ano (foram 33 no mesmo período de 2019, uma redução de 30,3%). Também registraram reduções nos índices as regiões de Campinas (queda de 5,6%), Central (queda de 75%), Marília (queda de 75%), Presidente Prudente (queda de 50%), São José dos Campos (queda de 72,7%) e Sorocaba (queda de 60%).
Mas, como disse, há muitas discrepâncias. Houve aumento no número de mortes no trânsito na região de Franca (+100%), Registro (+200%) e Santos (+66,7%). Os índices permaneceram estáveis nas regiões Barretos, Bauru, Itapeva, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.
O que significa tudo isto? Para mim, nada. Não consigo concluir absolutamente nada. Se ficar em casa provoca menos acidentes, ficar metade da população em casa não reduz os acidentes em 50%. Em alguns casos, mesmo com menos gente na rua, os acidentes aumentaram.
Bem, posso apenas concluir aquilo que sempre digo. Com números podemos concluir qualquer coisa. Mesmo que um mês, como março, com uma semana inteira de quarentena tenha registrado ainda mais acidentes do que o mesmo mês do ano passado.
Mudando de assunto: nesta quarentena tenho me divertido vendo os vídeos dos All Blacks, a fantástica seleção neozelandesa de rúgbi — um dos meus esportes favoritos. É divertido ver como eles “treinam” domesticamente. É toda uma série de vídeos meio longos (meia hora) chamada Isolation Nation e já está no capítulo 8. A pronúncia é neozelandesa, o que dificulta até para os mais fluentes na língua inglesa, mas esse pessoal é fera mesmo e super divertido. Para quem quiser ver algo mais curto dos All Blacks, segue minha dica:
NG