Automobilistas de todo o mundo acordam diariamente pensando no dia em que voltarão a levar uma vida normal, algo que serve de combustível para superar uma crise mundial de causa e consequência inéditas. Profissionais de marketing e promoção ligados ao esporte a motor não escondem que será um grande desafio voltar aos modelos antigos de promoção, mas nem por isso deixam de trabalhar e pensar nos caminhos para recuperar tempo e lucros perdidos. Alexis Pagliarini (presidente-executivo da Ampro), Carlos Col (executivo-chefe da Vicar), Fernando Julianelli (diretor de marketing da HPE) concordam que haverá mudança de hábitos e já se preparam para enfrentar as consequências deste período. Tamas Rohonyi (promotor do GP do Brasil – foto de abertura), tem visão semelhante e segue preparando seu evento.
As medidas de proibição de aglomeração e isolamento forçado adotadas em vários países anabolizaram a prática de ESports, atividade praticada em videogames através da internet e com potencial para afetar a audiência presencial de eventos ao vivo. Em tal modalidade participantes postados à frente de seus computadores ou simuladores instalados em casa disputam provas que emulam corridas famosas, não raramente incluindo grandes astros da modalidade em questão.
Longe do contato direto com o público é possível ver astros da F-1 e de várias categorias importantes, inclusive brasileiras, envolvidos em provas disputadas em circuitos tradicionais e outros nem tanto. Tudo em um ambiente sem contato físico e, supostamente, sem margem para discussões ou brigas. Ledo engano.
Uma competição promovida pela IESA Argentina terminou em uma tertúlia surreal: mal acabou a prova Facundo Chapur (que disputa o Turismo Nacional local) acusou Leonel Pernía (SuperTC 2000) de usar um gamer profissional para sair vitorioso em na corrida que reuniu 38 pilotos profissionais que foi acompanhada por mais de 17.000 pessoas. Dias depois Chapur se desculpou publicamente e disse ter agido de cabeça quente.Nos Estados Unidos Bubba Wallace abandonou uma competição virtual depois de ficar fora da disputa pela vitória e desandou a criticar videogames. A Blue Emu, seu patrocinador e fabricante de analgésicos, não gostou nada dessa histeria e retirou seu apoio ao piloto que disputa a Nascar pela equipe Richard Petty. Os dois episódios levantaram questões sobre a gestão dos ESports e a maneira como os patrocinadores de nomes consolidados como esportistas de primeira grandeza devem administrar suas ações nessa plataforma, discussões que ganharam intensidade devido ao crescimento explosivo do setor.
Fernando Julianelli, responsável pelo marketing das marcas Mitsubishi e Suzuki (automóveis de apelo nitidamente outdoor) vê o momento como uma situação passageira:
“Vivemos um momento único em que o isolamento social é tido como uma solução eficaz de enfrentamento à pandemia e, de fato, afeta todas as atividades de campo, incluindo o esporte a motor. Enquanto isso não acontece, o consumo de jogos eletrônicos que simulam tais atividades se mostra como uma boa alternativa, mas vejo esse cenário como passageiro. Quando tudo isso passar teremos uma quantidade maior de pessoas que passarão a optar por fazer atividades fora de suas casas.
Alexis Pagliarini conhece os dois lados da equação e atualmente é o presidente da Ampro, associação que agrega empresas do setor de promoção e marketing. Profisional de larga experiência no setor, ele está envolvido com promoção e publicidade desde os anos 1970, quando foi um dos responsáveis pelo projeto Fórmula Honda 125, ação que revelou inúmeros pilotos que brilharam no Brasil e no Exterior, Alexis Pagliarini conhece os dois lados, concorda com Julianelli e vê um período de recuperação:
“Imagino que exista uma grande expectativa pela volta à normalidade. Logicamente, uma boa parte das pessoas estará em fase de recuperação econômica, o que inibirá gastos na área de entretenimento, mas acredito no impulso represado, prevalecendo a decisão de ir a eventos, ainda que com mais moderação.”
O processo de reconquista dessa clientela formada por fãs e investidores publicitários já está sendo trabalhado em várias frentes. Carlos Col responde pelo Campeonato Brasileiro de Stock Car, o mais longevo em atividade no País, prevê uma retração de público quando o calendário de sua categoria começar a se materializar, porém acredita que a médio prazo tudo voltará à normalidade.
Até lá ele espera trilhar um caminho que inclui a sinergia de entretenimentos ativados em um mesmo evento. Segundo ele, tal processo inclui as corridas virtuais:
“O esporte a motor tem que fazer parte de um contexto maior que deve incluir outros entretenimentos agregados, experiência do fã através de interatividade e ações sociais associadas a tudo isso. As corridas virtuais são interessantes, emocionantes, divertidas e devem ser incorporadas de forma a ser um novo pilar de relacionamento com os fãs. É uma nova ferramenta de sedução de novos adeptos do automobilismo real.”
Na opinião de Pagliarini, os eventos do calendário futuro deverão ter orçamentos menores e mais enxutos, explorando a criatividade para envolver mais patrocinadores e em tais ações “as marcas deverão oferecer possibilidades mais acessíveis de participação”.
Em termos mundiais o calendário da Fórmula 1 é o mais complicado do esporte e seu início vem sendo postergado desde o dia 15 de marco, quando o GP da Austrália foi cancelado.
A etapa brasileira, prevista para o dia 15 de novembro, porém, por enquanto não foi afetada, como afirma seu promotor, Tamas Rohonyi:
“Qualquer opinião agora seria mera especulação sobre hábitos de consumo, de interesse em eventos. Certamente teremos uma visão mais clara daqui uns meses. Em relação à F-1 acreditamos que o campeonato recomece no segundo semestre, mesmo truncado, e estamos nos preparando de acordo. Ou seja, seguimos montando o evento como sempre e seguindo o cronograma.”
A Ampro, associação das empresas de marketing e promoção de eventos, segue em ritmo semelhante, conforme explica Pagliarini:
“Nós preparamos uma grande campanha a ser colocada no ar nos primeiros sinais de retorno das atividades presenciais. Acho que todos os players do setor de eventos e entretenimento devem se unir, “festejando” a volta à normalidade. Imagino que haverá grande receptividade por parte das pessoas, que estarão fartas do “confinamento”.”
Na Europa várias categorias já anunciaram novas propostas de calendários para o segundo semestre, algo que constrói um cenário semelhante a um caos bem-vindo, situação que Pagliarini percebe como uma “briga por datas em pavilhões de exposições. hotéis e espaços para eventos no segundo semestre.”
Julianelli reprogramou todos os seus eventos para o segundo semestre, mas enquanto isso enfrenta outro desafio: manter a saúde financeira de suas empresas funcionando e ativar “processos que garantam aos nossos clientes ter suas necessidades atendidas pela nossa rede”.
O desafio de Col, que este ano trabalha com duas marcas no calendário da Stock Car (Chevrolet e Toyota) o momento exige reflexão:
“Infelizmente, neste momento, ainda estamos na rampa de subida da curva de infectados no Brasil. Temos que esperar alguns dias para ter uma noção melhor de quando poderemos anunciar um calendário com chances reais de ser cumprido. Tudo dependerá das decisões das autoridades.”
Atualmente competições, treinos e testes estão proibidos em todo Brasil por decisão da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e a recente extensão do isolamento coercitivo decretada pelo governo paulista afetou quatro categorias do calendário de provas de abril da Federação de Automobilismo de São Paulo (Fasp). As duas entidades aguardam orientações do Governo para reativar suas competições.
WG