O anúncio oficial de Carlos Sainz Jr como substituto de Sebastian Vettel (foto de abertura) e a transferência de Daniel Ricciardo da Renault para a McLaren, onde substituirá o espanhol, criam um cenário pleno de tópicos para decifrar o que a F-1 tem à frente. Razões para isso começam pela mudança de status quo provocada pela pandemia do coronavírus, a implementação de US$ 145 milhões teto de gastos para 2021, quem será parceiro de Estebán Ocón na Renault e o que ocupará o tempo de Sebastian Vettel no ano que vem.
A história mostra que dois pilotos contemporâneos na Ferrari jamais tiveram o mesmo status: os brasileiros sabem muito bem disso, cortesia das relativamente recentes passagens de Rubens Barrichello e Felipe Massa nos cockpits dos carros vermelhos de Maranello. Muito pior que isso foi a trágica experiência de Gilles Villeneuve e Didier Pironi: o primeiro pereceu durante os treinos para o GP da Bélgica de 1982 na sequência de um acordo desrespeitado no GP de San Marino duas semanas antes — o combinado era Villeneuve vencer e Pironi ultrapassou o canadense na última volta, vencendo. O francês viria a sofrer grave acidente no GP da Alemanha, em agosto, quando liderava o Campeonato Mundial daquela temporada. Nunca mais correu em razão da extensão das fraturas nas pernas.
Por isso, Sainz Jr. desembarcar como companheiro de equipe de Charles Leclerc, reconhecido oficiosamente como o queridinho da casa, é ter claro que para se tornar campeão mundial terá que somar mais pontos que seus adversários — um no cockpit, outro em Maranello já afeiçoado ao monegasco. Na pista será um processo mais fácil do que se impor ao algoz doméstico.
Mesmo em época de corte de gastos, o salário oferecido ao espanhol certamente compensa as frustrações que certamente acontecerão e o status de piloto da Scuderia é como uma comenda pregada no macacão. A mudança de equipe de Sainz Jr é a quarta em sua carreira de cinco anos na F-1: nesse período ele pilotou para a Scuderia Toro Rosso (2015/16/17), Renault (2017/2018) e McLaren (2019/2020). A trajetória de Daniel Ricciardo é semelhante: em 2011 disputou a temporada pela falida HRT e foi piloto de testes da Toro Rosso, onde foi piloto oficial em 2012/13. Em 2014 foi promovido à Red Bull, onde ficou até 2018, ano em que surpreendeu muitos ao anunciar que em 2019 iria para a Renault. Uma temporada aquém de suas expectativas e o longo período de maturação vivido pela Renault convenceu o alegre australiano a mudar novamente de endereço antes mesmo de ter tido a oportunidade de comparar o progresso do equipamento que usará na temporada ainda por iniciar. Endereço que foi considerado como opção à equipe francesa, 2021 marca finalmente sua chegada à McLaren.
A fugaz passagem de Ricciardo pela equipe francesa expõe o período conturbado de sua reacomodação na categoria, processo onde sobressai a figura de Cyril Abiteboul, cuja ascensão dentro do time é marcada por uma disputa interna com Frederic Vasseur, atualmente principal executivo da Alfa Romeo/Sauber. Na série “Dirigir para viver” produzida pela Netflix, as aparições de Abiteboul sugerem que suas técnicas de administração e gerenciamento são peculiares e passíveis de justificar a demora da marca em retornar ao lugar que lhe pertence na F-1, espaço conquistado através de inovações tecnológicas como o sistema pneumático de molas de válvulas e os vários títulos conquistados por seus motores. De 2016 até 2019 as duas vagas da equipe foram ocupadas por cinco pilotos: Kevin Magnussen (2016) Jolyon Palmer (2016 e parte da temporada de 2017), Nico Hulkenberg (2017/2018), Carlos Sainz Jr. (substituiu Palmer a partir do GP dos EUA de 2017) e Daniel Ricciardo (juntou-se à equipe em 2019). Nenhuma equipe de destaque trocou tanto de piloto nesse espaço de tempo.
A sede da Renault, em Enstone, na Inglaterra, foi construída na época de sua associação com a Benetton e posteriormente adquirida pela financeira Genii Capital nos tempos que tentaram renascer a equipe Lotus. Trata-se de uma operação que muitos acreditam ter sido manobra para controlar cobranças de sindicatos franceses, ponto que por um lado demonstra a crença da marca nas competições e, por outro, as dificuldades de justificar um investimento de tamanha grandeza frente às cobranças sempre maiores de investidores. A saúde financeira da marca em termos globais, porém, é um fator positivo para a continuidade do programa F-1.
Diante de tudo isso especula-se qual piloto experiente estaria disposto a ocupar a vaga e companheiro de Estebán Ocón no ano que vem. Ainda que seja um piloto avalizado por ninguém menos que Toto Wolff, o franco-catalão certamente surpreenderá se conseguir liderar o time no processo de desenvolvimento de uma equipe de fábrica, daí a necessidade de um piloto maduro. No canto oposto dessa perspectiva se encaixa Sebastian Vettel: aos 34 anos teria ele ganas de assumir um compromisso dessa grandeza? Das três grandes equipes da atualidade, Ferrari e Red Bull já descartaram o alemão para 2020 e é difícil ver a Mercedes anunciando sua contratação, a menos que Lewis Hamilton abandone a categoria. Trocar Valtteri Bottas por Sebastian Vettel seria um tremendo, e caro, golpe publicitário para os alemães; encontrá-lo ao lado de Ocón seria o sinal de que o time francês tem qualidades de vinho de guarda: evolui com o tempo, mas um dia tem que ser consumido. Nunca é demais lembrar que a bebida mais consumida na Alemanha é a cerveja.
WG