Eu gosto de sombra e água fresca, mas não fujo de um debate quando instada a participar. Geralmente tento desviar como Keanu Reeves dribla as balas no filme “Matrix” e quase sempre com a mesma habilidade quando quem me provoca é alguém com que considero será inútil argumentar. Em especial evito discutir com pessoas que se gabam de não ler nenhum jornal nem ver nenhum noticiário “porque a imprensa é toda comprada”, mas acreditam piamente nas mensagens que a tia do Zap envia. Também driblo gente que repassa informações ou diz coisas que ouviu, mas não checou pois são discussões inúteis. Sem argumento nem conhecimento, é pura perda de tempo.
E lembrem-se, caros leitores, que sou extremamente crítica da imprensa. Dia sim, dia também, reclamo dela, mas sempre com argumentos concretos: títulos mal redigidos, contas que não fecham, perguntas que não foram feitas. Mas que fique clara uma coisa: imprensa não tem que ser boazinha com ninguém. Mídia não deve ser porta-voz de ninguém, nem da oposição nem da situação e deve ser, sempre, crítica. Perguntas mais difíceis devem sempre ser feitas, pois para endossar cegamente qualquer coisa ou apenas elogiar o que nós fazemos já existem pais e avós que acham tudo o que a gente diz ou faz lindo e maravilhoso. Jornalista tem de questionar e lembrar ao entrevistado que ele já pensou diferente e perguntar o que o fez mudar de opinião.
Sempre que alguém me diz que quer ser jornalista eu pergunto por quê. Cansei de ouvir “porque gosto de escrever”. Minha resposta é invariavelmente: então seja escritor. É legal jornalista gostar de escrever, mas não indispensável. Não é isso o que faz um bom jornalista e conheço vários excelentes profissionais que tem um português sofrível em termos de gramática. O bom profissional tem de gostar de questionar, gostar de informar-se muito para poder informar seu público. É isso o que faz um bom jornalista.
Por isso, é tolo deixar de informar-se pela imprensa séria para acreditar nos grupos de Uótizapi ou por trechos de vídeos postados no Feicibúqui — ironicamente, quase sempre de grandes jornais ou de canais de televisão, mas devidamente editados para atender os interesses de quem posta. Tem muita gente que diz que determinado jornalista não tem credibilidade, mas acha que um Zé Ninguém que faz um vídeo com um celular e posta no VocêTubo merece respeito apenas porque concorda com o que pensa. As mesmas pessoas que dizem que não veem telejornais são as que publicam, indignadas, “isso a Globo não mostra”. Primeiro, se você não vê, não diga que não é mostrado, pois não saberá ao certo. Segundo, se a emissora é tão ruim assim que não mereça ser vista, por quer clamar para que ela mostre algo?
Lembro de um personagem do programa humorístico Planeta dos Homens, o macaco Sócrates, que tentava entender os seres humanos, mas sem conseguir (foto de abertura). Seus esquetes sempre terminavam com o bordão: “Não precisa explicar, eu só queria entender”. Pois é, depois do “Vale a pena ver de novo” da semana passada, voltei às telinhas de antigamente com essa lembrança. É que eu também só queria entender alguns argumentos utilizados para defender idéias que até umas semanas atrás, eram exatamente opostas.
Dito isto, e reafirmando minhas críticas à imprensa, assim como reafirmo que ela é necessária e saudável — como exemplo, apenas ditaduras não permitem a imprensa livre e apenas isso já me diz muito — como dizia o macaco, “eu só queria entender”…
Diversos estudos afirmam que o Covid-19 atinge seriamente não apenas os pulmões, mas também o cérebro. Pessoalmente, tenho certeza disso e, digo mais, acho que afeta mesmo os não contaminados pelo vírus. Se não, por que tantas bobagens com o trânsito desde o início da pandemia?
Em 24 de março, ao decretar esta espécie de confinamento mezzo mozzarella, mezzo calabresa que vivemos em São Paulo, a prefeitura suspendeu o rodízio de carros no centro expandido alegando que deveria se dar prioridade ao transporte individual para evitar contágio. Vamos supor que isso faça sentido (pessoalmente, acho que sim). Então por que cargas d’água, quando estamos quase no pico da contaminação, limita a circulação de veículos? Sim, porque agora só podem circular os carros com final de placa par nos dias (numeral) pares. Ou outros estão proibidos as 24 horas daquele dia, na cidade inteira, a semana inteira. Ué, o vírus mudou e agora não atinge mais quem anda de transporte público? Maldoso novo coronavírus, que vai entrar sorrateiramente nos carros para contagiar seus usuários, mas evita lotados trens e metrôs…. É claro que já circulam diversas piadas sobre o próprio rodízio
Outra coisa ainda sem explicação: continuamos ouvindo que o isolamento é importante não apenas para evitar a contaminação, mas principalmente para evitar o colapso do sistema público e privado de saúde. Segundo as mesmas autoridades que suspendem e aumentam o rodízio, menos gente na rua significa menos acidentes e, portanto, menos leitos ocupados com outras ocorrências que não Covid-19 nos hospitais. Novamente, parece fazer sentido, especialmente porque o sistema de saúde, especialmente o público, sempre esteve pra lá do deus-me-livre. Ou “colapsado” para usar um anglicismo muito em voga ultimamente. Se assim é, por que liberar as motos deste novo rodízio, se historicamente são responsáveis pela maior parte dos acidentes de trânsito? E pelo maior volume de pacientes em reabilitação?
Um relatório com dados da Seguradora Líder, a administradora do seguro DPVAT, mostra que entre 2009 e 2018 foram pagas quase 3,3 milhões de indenizações às vítimas de acidentes de trânsito. Deste número, quase 200 mil pessoas morreram, 2,5 milhões ficaram inválidas permanentemente e quase 560 mil benefícios foram pagos para reembolso com despesas médicas e suplementares.
Se compararmos motos a outros veículos, a diferença fica ainda maior. Carros, caminhões e ônibus somaram, neste mesmo período de 10 anos, 1.289.018 indenizações (por morte, invalidez e reembolso de despesas médicas e suplementares), quase a terça parte. Ou, ainda, o total de casos de invalidez para todas as categorias de veículos somadas (automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas e ciclomotores) foi de 3.275.815 no período – e apenas as motos responderam por 2.530.763 deste total.
O maior problema é a porcentagem de cada tipo de veículos que temos. Os números do Mapa da Motorização Individual do Brasil de 2019 do Observatório das Metrópoles dizem que há no País 65 milhões de automóveis e 27 milhões de motos – ou seja, temos pouco mais de 2 automóveis para cada moto, mas muitos mais acidentes em duas rodas.
Mesmo com o isolamento social e diminuição no trânsito de veículos na cidade de São Paulo, o número de acidentes de motos cresceu, e muito, em março deste ano, de acordo com o Infosiga SP. Em comparação a março de 2019, houve de mais de 90% na quantidade de acidentes. E, pior, o número de vítimas fatais também aumentou em relação ao ano anterior. Enquanto em março de 2019 foram 21 mortes, no mês em 2020 foram 39.
Novamente, para que fique ainda mais explícito, sou contra qualquer tipo de restrição de circulação a qualquer tipo de veículo. Para mim, a única condição deveria ser que o veículo esteja em condições de segurança e manutenção perfeitas e seja conduzido por pessoa habilitada e em condições de fazê-lo. De resto, sou totalmente contra limitações de qualquer tipo – rodízios com as mais variadas justificativas, mas sempre por problemas de administração eficiente.
Mas a incoerência das autoridades de trânsito é flagrante. Isso sem falar na medida que, segundo os “especialistas” tirou 50% dos veículos de circulação. Hã? Quer dizer que todo mundo saía de carro antes deste rodízio? Então em vez de anunciar tanta medida (fecha este tipo de comércio, abre aquele, fecha estas indústrias, abre aquelas…) era só fazer rodízio por final de placa? Fala sério…
Sempre questionei os números sobre as frotas de veículos no Brasil, seja nacional ou estaduais pelo simples fato de que não se dá baixa de veículos desmanchados, abandonados ou apenas largados no leito dos rios. Como acreditar nos índices? Mas mesmo assim, alguém diz que foram tirados 4 milhões de veículos apenas porque parte do pressuposto de que os hipotéticos 8,6 milhões que haveria no Estado de São Paulo estariam todos operacionais e, óbvio, circulando todos os dias.
O que podemos concluir disto? Sei lá, um monte de coisas e nenhuma delas bate com o que é dito pelos governantes. Se tem de ter menos gente na rua, temos de tirar o máximo possível – e isso inclui impedir os pancadões nas favelas, que continuam ocorrendo todo final de semana e aglomeram milhares de pessoas durante horas. Se a questão é impedir acidentes de trânsito, por quê impedir alguns veículos, mas permitir justamente motos, que são as que mais acidentes colecionam?
O problema, para mim, é a incoerência. Se as pesquisas com o vírus e suas formas de contágio não indicam nada diferente nos últimos três meses, o que justifica mudar as atitudes? Se “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” como nunca disse Albert Einstein, mas a quem é atribuída essa frase genial, fazer algo diferente a cada momento por várias vezes e esperar que os resultados sejam iguais é sinal de quê? Por acaso não seria também loucura?
Não tenho problema em mudar de opinião – faço isso com frequência, aliás, mas invariavelmente preciso de argumentos tanto para defender uma posição quanto para mudá-la. Já algumas autoridades mudam de opinião sem ter nenhum argumento diferente. Eu só queria entender…
Mudando de assunto: esta é para mudar de assunto mesmo. Recebi este vídeo de alguns amigos, todas as vezes no privado do Uótizapi com o mesmo enunciado. Algo mais ou menos assim: “vi isto e lembrei de você. Acho que você deve ter sido parecida com esta menina”. O engraçado é que são pessoas que nunca se encontraram e nenhuma delas me conheceu na infância. Na dúvida, mandei para dois tios meus e uma prima da minha mãe que me acompanham desde o nascimento. Todos foram unânimes em concordar que eu era bem assim. Como “oriunda” que sou, preciso até hoje das mãos para falar e, claro, tem a ênfase nas coisas e um certo melodrama – assim como a menina do vídeo. Minha parte favorita é, logo no início o “punto e basta”, mas que, assim como eu, continua argumentando. Ri muito com a “miniNora”.