Pois é, amigo(a) autoentusiasta, dia desses de quarentena conversando com o querido amigo e editor-chefe aqui do AE, Bob Sharp, veio à tona o assunto lombada e ele me pediu para escrever, como médico, algo a respeito, o que me prontifiquei a fazer com o máximo prazer. É importante lembrar que o termo adotado pelo Contran para a lombada é ondulação transversal, embora eu particularmente prefira o termo adotado pelo Bob: dejeto viário!
Do ponto de vista médico, o quanto esta porcaria pode prejudicar um paciente (principalmente em estado grave) durante seu transporte até um local apropriado para sua estabilização ou tratamento, é impressionante! (foto de abertura)
Com relação aos automóveis, é notório o quanto as lombadas prejudicam o sistema de suspensão, direção, aumentam o consumo de combustível e a emissão de poluentes, e o desgaste de freios — vamos lembrar que o outro nome desta praga em regiões como o Rio de Janeiro é quebra-molas!
No lado médico, os problemas ocorrem principalmente na parte ortopédica e neurológica. A simples movimentação de um paciente dentro de uma ambulância que transpõe uma lombada já é motivo para lesionar ainda mais quem se encontre debilitado por um acidente ou outra patologia qualquer. É bom lembrar que grande parte das lombadas — praticamente a maioria — não respeitam a legislação com relação às dimensões regulamentadas e também a sua obrigatória sinalização, que em grande parte das vezes está apagada ou inexistente.
Conversei com vários colegas de profissão e motoristas de ambulância e fiquei espantado com os relatos não só referentes à movimentação dos pacientes a bordo, mas também os atrasos nos deslocamentos devido às lombadas também matarem quando numa emergência, em que minutos contam muito! E uma lesão cervical pode ser fatal ao mínimo movimento.
O caso que vou narrar aconteceu comigo quando tive uma discussão séria com um auditor de convênio médico ao ter sob meus cuidados uma criança com lesão cervical grave. Após o acidente, feitos os primeiros socorros e imobilização adequada, a conduta seria cirúrgica. Foi solicitado transporte aéreo para o hospital de referência (cerca de 70 quilômetros distante), uma vez que com a ambulância seriam mais de 20 lombadas até o hospital e existia o risco da criança ficar tetraplégica ou simplesmente morrer!
O convênio médico logicamente negou por questão de custo até o momento em que eu disse ao auditor que estava indo à delegacia fazer um boletim de ocorrência por negligência por parte do convênio, além de lhe perguntei “Caso fosse seu filho o que você faria?” Transporte aéreo liberado! Ufa!!
Para se ter uma noção dos problemas que as lombadas causam me deparei com um estudo do corpo de bombeiros da cidade de Austin, no Texas, EUA, que mostrou que as equipes de salvamento poderiam salvar 37 vidas a mais por ano caso não tivessem que reduzir velocidade para transpor estes malditos obstáculos Em Itatiba, SP há um trecho de 4 km comm14 lombadas!!!
Dentre inúmeros casos que pesquisei houve um que me chamou atenção. O juiz ao proferir sua sentença culpou o estado e o poder público inocentando o motorista por um atropelamento causado por uma lombada construída fora das especificações, toda irregular. Existe o caso também conhecido na cidade de São Caetano do Sul, região da Grande São Paulo, de um acidente que provocou a morte de uma mãe e seus três filhos na faixa de segurança após um veiculo perder contato com o solo numa lombada feita pela prefeitura e não conseguir frear. O fato se deu na importante Av. Goiás e as inúmeras lombadas que lá haviam foram rapidamente eliminadas e hoje aquele logradouro é uma via agradável e segura.
Do ponto de vista médico, um dos maiores problemas enfrentados quando saltamos numa lombada é o traumatismo crânio-encefálico (TCE), o edema cerebral ou uma hemorragia interna tem consequências devastadoras em nosso cérebro ao batermos a cabeça no teto ou coluna de um veículo; fato que ocorreu recentemente quando um ônibus de transporte escolar, ao passar por uma lombada, fez com que uma adolescente batesse a cabeça no teto do veículo provocando sua morte. Porém, o mais interessante é que descobri haver dois tipos de lombadas regulamentadas pelo Contran (Resolução nº 600), a tipo I e a tipo II.
Veja a lombada tipo II abaixo. Você já viu alguma assim? Isso é uma ONDULAÇÃO, não as “paredes” com que nos deparamos todos os dias.
A tipo II deve ter de 8 a 10 cm de altura e 3,70 m de comprimento (padronizado para rodovias) e o tipo I, 6 a 8 cm de altura e 1,5 m de comprimento (para vias urbanas), MAS NENHUMA DELAS pode ser colocada em vias que circulem linhas regulares de transporte coletivo de passageiros!!! Ao menos isso é o que diz Gleydson Mendes, professor de legislação de trânsito e autor do livro: “Noções Básicas de Legislação de Trânsito.”
O desenho abaixo mostra uma lombada tipo I. Não tem nada a ver com a mostrada na foto mais acima, uma verdadeira montanha.
Fica evidente pelo exposto acima que se as lombadas tivessem as dimensões regulamentares, os automóveis comercializados no Brasil não precisariam ter a altura de rodagem aumentada, com ganhos em aerodinâmica e estabilidade, dois benefícios inquestionáveis.
Vamos lembrar que após um acidente a primeira providência é liberarmos as vias aéreas para permitir a respiração, em seguida fazemos a imobilização da cabeça, região cervical e coluna, áreas nobres do nosso corpo que não devem sofrer com a movimentação. Tudo que queremos é ficar longe das lombadas nessas horas!
Outro aspecto que notei foi com relação ao cansaço dos motoristas que trafegam por trechos com muitas lombadas. A tensão e a fadiga aumentam muito e todos com quem conversei foram unânimes em afirmar que o risco de acidentes aumenta muito.
Se o objetivo da lombada é a redução da velocidade, por que não usar um radar de forma inteligente favorecendo sempre a fluidez do tráfego com segurança? Explico: em recente viagem à Alemanha notei que um mesmo trecho de estrada tinha sua velocidade reduzida ao passar próximo a uma escola e era mais reduzida ainda em horários de entrada e saída de escolares. Porém às 3 horas da manhã, adivinhem: a velocidade normal estava liberada. Tudo devidamente sinalizado! Em outros trechos, dependendo do volume de tráfego e das condições climáticas, o limite de velocidade também era alterado! Mas tudo isso da um trabalho danado, como diz o Bob!
Como já disse José Luiz Vieira (Motor 3) o que mata não é a velocidade; o que mata é a velocidade mal aplicada!
Concordo com o amigo autoentusiasta Alexandre Zamariolli: lombada em rodovia é tentativa de homicídio!
Outro efeito nefasto das lombadas é o aumento no custo do transporte de carga. Tive informação segura de que no calculo do custo do frete entra o número de lombadas no trajeto e que por isso esse custo chega a ser 25% mais caro do que se esses dejeto viários não existissem.. Além disso, a vida útil de um caminhão pode se reduzir em quase 30% ao trafegar constantemente em rodovias com lombadas.
Por fim, caso você salte com seu carro por uma maldita lombada, peça-lhe desculpas. Diga-lhe que não foi você que fez aquela porcaria, que você já xingou até a ultima geração do safado que a colocou ali. Tenho certeza que seu carro vai entender e lhe retribuir com passeios incríveis por estradas maravilhosas! Coisas que só nós autoentusiastas entendemos!!!
Douglas de Paula Loiola
Médico
Cremesp 86140
(Atualizada em 7/05/20 às 20h35, inclusão dados relacionando custo do frete e lombadas)