Pois é, demorou. Depois de várias semanas parado, finalmente consegui mandar o Civic G7 2002, vulgo Samurai, de São Paulo para Tatuí para continuar a restauração. Quem chegou agora e não está entendendo nada, leia a parte I e a parte II. Para não variar, senta em poltrona confortável que lá vem textão.
Meu mecânico em Tatuí, Renato Gaeta, terminou rapidamente a suspensão traseira, trocando os amortecedores (Kayaba, marca original) e as buchas dos braços superiores. Além das rodas traseiras “fecharem” (voltarem para câmber 0º), o japonesinho de Sumaré mudou muito o comportamento na estrada. Só fui rodar com ele semanas depois do Renato terminar, mas acabou a instabilidade direcional em retas, que às vezes parecia vir da suspensão dianteira ou da caixa de direção. Na verdade, tudo vinha da traseira, da folga das buchas e amortecedores com pouca ação. E acabou a barulheira na traseira. Outro mundo, inclusive em curvas mais rápidas.
A troca do “cebolãozinho”, que liga o segundo ventilador do radiador, melhorou a perda de liquido de arrefecimentor, mas ainda não foi resolvida totalmente. Rodando na cidade, o radiador manda liquido para o vaso de expansão, e ele não retorna totalmente. Vamos continuar a briga para zerar o sistema, agora trocando o vaso de expansão. Se alguém passou por problema semelhante, aceito sugestões e agradeço.
Aí, trancado em casa em São Paulo, resolvi continuar com a parte estética via celular e Internet, o que é uma tarefa heróica para uma Tio Velho que teve se adaptar com o novo mundo digital e suas telas táteis. Em Tatuí, o Samurai foi para funilaria e pintura, com o serviço sendo acompanhado por imagens. As peças foram compradas pela Internet. Funcionou, pero no mucho. Mesmo recebendo vídeos e fotos do serviço quase diariamente, o Civic parecia aquelas garotas que se fotografam com o recurso “embelezador” do celular: quando você as conhece ao vivo, sai correndo.
Primeiro, as peças foram compradas pelo Mercado Livre. Além da lanterna traseira direita (que eu mesmo já tinha trocado), comprei o farol direito, para-choque dianteiro e o para-barro do paára-lama também direito. O para-choque foi barato (cerca de R$150), mas o transporte complicava a história. Como é uma trolha em volume, seu frete é caro. Resolvi a complicação comprando de uma empresa de São Paulo para mandar para minha casa também em São Paulo: o frete caiu para cerca de R$ 50, um terço do pedido para entregar na oficina em Tatuí. Além da boa qualidade da peça (paralelinha, como todas as outras peças estéticas, já que caco velho não tem valor de revenda para se gastar neste tipo de componente original), me impressionou também a qualidade da embalagem, em três camadas, com plástico bolha, papelão e um tecido elástico. Sempre prefiro, principalmente na parte estética, ter uma peça nova paralela do que uma original toda estourada.
Outro fato curioso foi o “olho clinico” do funileiro/pintor. Logo que comprei o Civic, passei pela oficina em Tatuí para uma avaliação inicial. Distante uns 10 metros do carro, ele já sentenciou: pode comprar o para-choque dianteiro, já tem até tela. “Como assim?” Mesmo com o nariz encostado no carro não via tela alguma. Com uma lâmina, ele raspou a pintura e alguns milímetros de massa e lá estava a tela metálica, daquela usada em peneiras de pedreiro, reforçando uma estrutura plástica já comprometida.
Os faróis foram um capítulo à parte. Comecei procurando apenas as lentes plásticas, já que os refletores estavam em bom estado. Existem para vários modelos de Civic, menos para o meu. Resolvi trocar o par. Como tenho bastante prática de compras no Mercado Livre, achava o par por pelo menos R$ 800/900. Achei um anùncio por apenas R$ 300, exatamente o farol direito, cujo meu estava com a lente toda trincada. Ia perguntar pelo par, mas nem foi necessário: todos perguntavam pelo par e o vendedor só tinha o direito. Por isso vendia barato. Olhei o estoque do vendedor. Ele tinha cerca de 1.000 faróis direitos enfiados… no depósito. Imaginem o volume físico disso tudo. Uma hora ele teria de desovar aquele volume todo para abrir espaço para outras mercadorias. O funileiro me informou que dava para polir o farol esquerdo e bastava comprar o direito. O vendedor, enterrado em faróis de um lado só, baixou para R$ 250, depois R$ 220… Esperei mais uns 15 dias e finalmente comprei por R$ 150.
Mesmo em compras virtuais, existem sutilezas que podem ajudar a economizar.
O para-barro do para-lama dianteiro (o meu estava em tiras) foi barato, pois é plástico flexível e veio enroladinho com frete baixo, gastando uns R$50 com frete e tudo.
O pintor me atualizava quase diariamente com fotos e vídeos pelo celular: foram pintados o teto (já meio desbotado, ou com patina, com dizem os mais poéticos) e o para-lama esquerdo, além do novo para-choque. Daí feito um polimento geral. As imagens animavam minha quarentena: estava ficando ótimo. Isso até uma semana atrás, quando resolvi continuar minha quarentena em Tatuí. Viajei banhado de álcool em gel, que não dava nem para fumar, e com máscara de seriado médico de TV. Quando olhei o carro ao vivo a bronca já começou. Vários acabamentos não estavam como as fotos pareciam mostrar. O Civic voltou para oficina para a correção. Aí com o “olho do dono” tudo saiu legal.
Alguns dias atrás, já comecei a fazer detalhes que só um dono chato faz. Algo que me incomodava era a base de carpete do porta-malas, cheia de óleo e graxa. Mecânicos porcos têm a mania de desmontar peças do motor e guardar no porta-malas, um bom lugar para não perder componentes. Só que, custa forrar o carpete com um papelão?
Não sabia como limpar, até que um amigo sugeriu: compra um Maridão. “Que é isso cara, nessa idade você acha que vou mudar minhas preferências?”
“Não é nada disso, é um detergente poderoso, encontrado em lojas de produtos de limpeza, para limpar chão e carpete encardido”. Pela Internet mesmo, meio envergonhado, arrumei um Maridão. Funcionou e muito bem. Você dilui em água, espalha, esfrega com uma vassoura e, depois de uns 10 minutos, enxagua com o esguicho. Pelo caldo preto que saiu imaginei quantos mecânicos porcos mexeram naquele Civic, que teve o azar de passar por donos sem experiência com manutenção. E me conformei, e até gostei, de ter o tal do Maridão à mão.
Fui fazendo manutenções mais chatinhas e descobri que a maioria das lâmpadas eram originais. Claro, boa parte queimada. Troquei dúzias. Retirei lanternas para lavar internamente, fiz dezenas de outros detalhes.
O mais chato foi a antena. Ainda quando estava com o antigo dono, alguém quebrou a antena do carro estacionado na rua. A gente até entende a frustração do cara que fez isso, provavelmente por saber como sua mãe ganha uns trocados com suas habilidades sexuais. Mas, me conta o que se vai fazer com um cotoco de antena? Cutucar o nariz, ouvido, algum local onde o sol não bate?
Pois é, a antena na coluna A, do lado do motorista, nem é cara, encontrada facilmente num local cheio de peças originais: ferro-velho. Só que sua troca é o ânus da cobra. Como o cabo da antena é longo, desce pela coluna A e atravessa metade do painel para chegar no rádio, ou melhor, no multimídia que o dono anterior colocou. Resumo: tem de desmontar quase todo o painel, tirar revestimento da coluna, uma tarefa que vai custar cinco ou seis vezes o custo da antena, já que o cabo é todo fixado por suportes em sua trajetória. E mexer em painel dá sempre mais encrenca que comprar um carro antigo sem a aprovação de sua mulher. Você conserta uma coisa e desarranja umas três. Arruma a antena e quando tudo é remontado o velocímetro e conta-giros param de funcionar… coisas assim. Solução: fazer uma gambiarra de classe. Peguei outra antena telescópica genérica, cortei, fiz encaixes e ajustei até conseguir colocar no suporte externo da antena original. Thank God, funcionou.
Uma nota elogiosa para nosso Governo, algo raríssimo hoje em dia: logo após a transferência, o Denatran me mandou um aviso que faltava ser feito mais um recall gratuito. Entrei em contato com a Honda, que confirmou: este Civic 2002 teve três recalls, todos ligados aos airbags da Takata, que cospem fragmentos metálicos. O último (do airbag do passageiro) não foi realizado. Assim, meu Samurai vai pisar numa revenda autorizada novamente, 18 anos depois.
Estava olhando as fotos para ilustrar esta longa saga e revi a primeira imagem do Samurai com motor pho.. quero dizer fundido, encostado na oficina do Renato, com cara de cachorro sem dono que passa fome. Vendo as fotos atuais, ele me parece sorridente. Não vou confessar que acho que carro tem sentimentos, pois não estou a fim de passar atestado de loucura publicamente. (Mas, cá entre nós, eu acho que eles sentem).
O motor 1,.7 retificado chegou perto dos 3.000 km rodados e já reencontrou boa parte dos seus 115 cv (a 6.100 rpm). O consumo melhorou, mas continua o mesmo. Explico melhor. Ele está no mesmo patamar, de cerca de 13 km/litro de gasolina rodando na rodovia Castello Branco. Só que, na penúltima avaliação, o motor ainda estava muito preso e a velocidade de cruzeiro era de 115 km/h. Agora, como o motor mais amaciado, a velocidade subiu uns 15 km/h, cruzando a 129 km/h e mantendo os mesmos 13 km/litro. O mágico 129 km/h é o limite de tolerância para não levar multa em radares nessa estrada em que o limite é 120 km/h. Ou seja, houve melhora de consumo, pois continua constante mesmo rodando em maior velocidade. Segundo o ouvido do Renato, que eu confio, os anéis já assentaram bastante, mas ainda falta rodar uns 2.000 km para o assentamento total e o motorzinho 1,7 “alisar” de vez, o que vai ocorrer depois dos 5.000 km rodados.
Muitos me perguntaram do custo da brincadeira. Até agora, praticamente gastei nas restauração o mesmo valor que paguei no carro, chegando perto dos R$ 18 mil reais. Acho razoável, já que é muito difícil de se ter um carro com este nível de conforto, agora bastante confiável, por menos de R$ 20 mil. E com a enorme vantagem de saber que não vai ter grandes manutenções por longo tempo.
Claro que faltam vários detalhes, que vão ser resolvidos com tire-up e cola instantânea, a ponto da Super Bonder me mandar parabéns no meu aniversário. O condicionador de ar gela bem, mas o barulho do compressor pede uma troca de rolamentos… E achar um bom profissional de ar-condicionado que trabalhe bem e cobre preço justo é mais difícil do que encontrar político honesto. Existem, mas são raros. Pequenos retoques de miudezas, limpeza de estofamento, pincelar pequenos riscos na pintura… sempre tem algum passa-tempo.
O incrível é o multimídia estar funcionando direito, inclusive mostrando a imagem captada pelo câmera de ré.
Mais alguns detalhes vão aparecer, principalmente devido à pentelhice do dono. Carro de chato nunca fica pronto, mesmo quando é 0-km. Imagine caco velho.
Mas, gente, isso é exatamente o melhor da diversão. E carro bem cuidado é sempre agradecido e não decepciona.
JS
Nota do Tio Graxeiro: quando retirei o Civic da funilaria/pintura, deixei o Cuitado (o Daihatsu Charade 1,5 1995 (leia sua história) para um tapa estético. Ele estava com inveja do Civic, que o está substituindo. Não sei se vou vender, talvez se conseguir pelo menos uns R$ 10 mil de algum apaixonado por carros exóticos. Alguns leitores sugeriram uma rifa, mas isso já está dando processo e cadeia para youtubers “especializados” em automóveis. Macaco e tio velho não metem a mão em cumbuca. Acho que ele vai ficar comigo só para ir à padaria. Pode até deixar funcionado na porta da padaria que os ladrões não levam.
JS