Paixão por carro vem desde criança? Segundo os especialistas, nem sempre. Bom piloto tem de começar a correr cedo? Segundo muita gente, nem sempre. E, de fato, a realidade mostra que se há casos de grandes pilotos em todas as categorias que estrearam nas pistas aos 5-6 anos, há muitos campeões que só vestiram um macacão aos 10.
Vocação pode despertar a qualquer idade, assim como talento ou mesmo gosto. Não sabemos o que nos reserva o destino. Na verdade, o melhor é estar atento para quando desperta a vocação da criança para pilotar e não forçar nada. Claro que como todos os esportes, automobilismo é uma opção a ser apresentada, assim como judô, balé, equitação, tênis, natação ou qualquer outra, e deixar que a criança decida. Como diz meu ortopedista, se vocação esportiva fosse algo tão óbvio todos os meninos praticariam judô e todas as meninas balé. já que a maioria dos pais insistem nisso como primeira opção.
Mas nem todas as crianças gostam disso. Felizmente, meus pais nunca me puseram para fazer aulas de balé — logo eu que nem gostava das aulas de ginástica artística, mas adorava as de ginástica olímpica. Fitinha colorida fazendo espirais no ar? Nem pensar. Fazer gracinha com o pé? Nada disso, eu caía seco no chão vinda a toda velocidade depois de pular no cavalo. Gosto é gosto. Na natação era a mesma coisa. Teria sofrido horrores se tivesse que fazer nado sincronizado, mas gostava muito de nado de costas — até hoje minha especialidade. Nada de maquiagem nem sorrisinho. Não faz meu jeito, que era cair na água e sair o mais rapidamente possível.
Claro que há limitações financeiras e de tempo. Xadrez é obviamente mais barato do que automobilismo, mas há sempre opções. Infelizmente, muitos ficam no meio do caminho, apesar do talento — o lado bom é que os carros de competição têm ficado um pouco mais acessíveis, especialmente os karts, uma das categorias de acesso e porta de entrada mesmo para crianças. Muitos fabricantes nacionais, mais opções de peças e mesmo no caso das importadas, também novos mercados lá fora.
Muitos pais colocam os filhos nas escolinhas de kart aos cinco anos, que é a idade mínima com que se aceitam inscrições, como é o caso da Zoom Kart, na Granja Vianna (São Paulo). Mas Vítor Roberto Chiarella, ex-piloto, dono da Zoom Kart, chefe de equipe e ex-fabricante de karts recomenda que comecem com seis anos. “Mas idade não é empecilho para se iniciar no kart”, diz ele. Daniel Serra, filho do tricampeão da Stock Car Chico Serra e ele mesmo tricampeão da mesma categoria e duas vezes vencedor de Le Mans na classe LMGTE Pro só começou na escolinha de kart aos 10 para 11 anos de idade e a competir aos 14.
O kart ainda atrai mais meninos do que meninas, mas é notável o aumento das alunas mulheres, segundo Víitor, mais conhecido como Vitão. Ainda assim, as alunas na Zoom ainda não passam de 5% do total. Como escrevi semana passada, Gabi Ackermann, que venceu o desafio Shell Eco-Marathon, começou correndo de kart.
O kart atrai crianças porque, em geral, atinge velocidades menores do que outros veículos — mesmo a 50 km/h dá a sensação de que se está voando. As pistas indoor (geralmente dentro de galpões desativados, estacionamentos ou mesmo shopping centers), com veículos de mecânica simples, com motores 4-tempos que duram cerca de um ano, acabam levando também um público adulto interessado apenas em se divertir entre amigos por um custo relativamente baixo. Muitos deles depois se matriculam nas escolas como a Zoom, pois querem ter uma experiências mais, digamos, séria. A maioria não persegue uma carreira profissional, mas sim pistas realmente profissionais e com karts mais rápidos.
Mas não são apenas crianças que recorrem à escola de kart. Vitão conta que teve uma senhora de seus 50 e poucos anos como aluna. Ela sofrera um acidente de carro na rua — nada terrivelmente sério, mas que a deixara traumatizada e não conseguia voltar a dirigir. Um amigo indicou a escolinha de kart e ela resolveu tentar. Naquela época, a Zoom funcionava no kartódromo de Interlagos (hoje está ao lado do kartódromo da Granja Vianna). Não é que deu certo? Talvez a velocidade menor, talvez a proximidade com o asfalto, a simplicidade da mecânica… sabe-se lá o quê, o fato é que o trauma foi superado e a mulher voltou a dirigir nas ruas de São Paulo.
Por falar em karts rápidos, para quem pensa naqueles de parquinhos, há alguns que podem proporcionar emoções realmente de gente grande — mas que só podem ser pilotados por profissionais. São os shifter karts, super máquinas que fazem de 0 a 100 em incríveis 3 segundos. Eles passam dos 200 km/h mas só podem andar em circuitos como os da Fórmula 1, pois sequer os kartódromos profissionais tem retas ou curvas que permitam alcançar essas velocidades. Tem 6 marchas, freio a disco nas 4 rodas, 50 cv, 100 kg (o que dá 2 kg por cv!). Não é para qualquer um.
Vitão conta que em 1998 levou dois shifters para testar em Brasília, no circuito Nélson Piquet. O próprio Piquet testou um. Resumindo, voltou com apenas um. Adivinhem quem comprou o outro? Certamente todos meus leitores acertaram. Claro, o tricampeão. O mimo foi para o filho Nelsinho e, num dos testes o pai colocou uma carga de 8 kg no capacete para melhorar estabilização da cabeça do piloto. Não adiantou. Nelsinho bateu o capacete no volante tamanha a velocidade do “brinquedo”.
Existe um campeonato de karts shifter — ou seja, nada mais longe daqueles carrinhos divertidos de estacionamento de shopping onde vamos para nos divertir com a turma de amigos.
Mas os karts, mesmo os das pistas indoor, têm suas vantagens, segundo Vitão. Eles, assim como os videogames, dão à criançada uma noção de pilotagem que ajuda até mesmo a fazer curvas num kart de verdade. “Não é exatamente a mesma coisa, nem substitui as aulas de verdade, mas ajuda”, diz ele.
Enquanto a pandemia não permite a volta dos campeonatos nem reabre os circuitos, empresas como a Zoom, que também funcionam o ano todo como oficinas, aproveitam para recondicionar karts antigos — alguns como hobby, como um modelo 1965 do próprio Vitão, um daqueles da primeira geração de karts, com montes de pastilha de freio e tudo mais, apenas para uma exibição de karts antigos. Ou seja, entre os modelos de 1965, os shifters que vão a mais de 200 km/h, e os karts de parques que servem apenas para diversão, há modelos para todos os bolsos e todos os públicos.
Mudando de assunto: não quero ser repetitiva, mas não posso deixar de voltar ao assunto. No último final de semana estive, mais uma vez, em Araçoiaba da Serra, no interior de São Paulo. E não é que o decreto que mencionei aqui está em vigor? Algumas calçadas da cidade tem mão e contramão para pedestres. Como ninguém havia entendido nada de qual era o sentido que deveria ser seguido, o prefeito pintou uns pezinhos com umas setas para indicar para que lado se deve andar. Como toda cidade do interior, há uma praça. Pois bem, na calçada de um lado, o sentido é um, na calçado do outro, o sentido é outro. Mas no meio da praça pode-se andar para qualquer lado. Talvez o vírus também fique confuso e não ataque as pessoas no meio dela, sei lá. Não preciso nem dizer que ninguém estava respeitando nada disso no dia que eu estive lá. Outra coisa: pena que não aproveitaram a tinta amarela que parece sobrar a ponto de pintarem pezinhos pelas calçadas para reforçar as invisíveis lombadas e faixas das ruas. Quanto aos deficientes visuais, espero que não sejam multado.
NG