Sonhar é uma das melhores coisas da vida. Pessoalmente, acho que é isso que nos permite passar pelos momentos mais difíceis, pelas provações mais árduas. É acreditar que, lá na frente, poderemos realizar nossas vontades, ter aquele objeto desejado, fazer aquela viagem. Para os religiosos, equivale a acreditar no paraíso depois da morte — proporcionalmente, é claro já que ninguém quer esperar tanto nem curtir nada sozinho, acho. Como disse o escritor espanhol Pedro Calderón de la Barca: “La vida es sueño” (a vida é sonho).
Sonhar é uma ferramenta muito útil para aliviar as dores do momento e relevar as dificuldades atuais. Isso é especialmente válido na atualidade, quando a pandemia nos impede de fazer tantas coisas. Podemos pensar no que gostaríamos de fazer quando tudo isto terminar. Mas moderadamente, recomendo, pois planejar muito à frente agora além de ser bastante inútil (pela simples falta de previsibilidade de qualquer coisa) pode gerar ainda mais frustrações e ansiedade.
E por que digo isto? Porque limpando os carrinhos da coleção de miniaturas do meu marido, lembrei de um fato num dia que fomos numa das lojas favoritas dele para ver as novidades. É uma bela casa num bairro muito arborizado e, ao entrar no jardim, vimos um inconfundível Ferrari vermelho conversível superesportivo parado perto da casa/loja. Não lembro do modelo, pois fiquei tão empolgada e surpresa que apenas fiquei contemplando aquela beldade. Depois de sei lá quanto tempo, acabamos entrando na loja propriamente dita.
Como sempre, éramos poucas pessoas lá dentro. Um senhor de idade, uns três homens ao redor dos 40 anos e nós dois, além do dono. Depois de algum tempo olhando e escolhendo algum modelo, ouvimos o ronco inconfundível do motor Ferrari. Imediatamente e como se tivéssemos combinado, todos saímos correndo da loja e vimos o carro já saindo do jardim em direção à rua. E aí, o mais inusitado: quem estava ao volante? O senhor de idade. Ele deu uma ligeira paradinha, olhou para nós, deu um sorriso e então uma curta, porém linda acelerada de não mais do que um quarteirão — afinal, é um bairro tranquilo, mas é uma rua de São Paulo, né?. Voltamos todos para o interior da loja todos com cara de felicidade. Esta repórter que vos escreve não resistiu e, claro, perguntou ao dono da loja se o conhecia: “Claro, ele vem sempre aqui porque coleciona miniaturas. Ficou viúvo há pouco tempo. Era apaixonado pela esposa e ficou muito triste. Desde jovem tinha o sonho de ter um Ferrari esportivo, mas a mulher não queria. Quando ela morreu, resolveu realizar o sonho.”
Nunca esqueci a cara de felicidade do senhor. Acredito que passasse dos 80 anos, mas parecia um garoto dentro do carro. Vale a pena esperar tanto para realizar um sonho? Não sei. Talvez ele amasse tanto a esposa que não quisesse deixá-la infeliz. Talvez o carro não fosse tão importante, mas apenas uma vontade que podia esperar. Ou talvez ela apenas tivesse dito “não” e se ele tivesse insistido ou argumentado melhor ela tivesse concordado. Sei lá.
O fato é que às vezes também os sonhos mais esperados são os mais felizes quando realizados. Ou não. Tem também aqueles que decepcionam. Lembro quando foi lançado o Del Rey. Achava um carro lindo. Queria muito que meu pai comprasse um. Ele sempre gostou mais de carros esportivos — aqui no Brasil o primeiro que ele teve foi um Maverick GT (amarelo gema de ovo com aquela enorme faixa preta). Mas em algum momento da vida ele comprou um Del Rey — não por minha causa porque nunca fui consultada para isso, e nem deveria. Acho que foi uma boa oportunidade, apenas. Aí quem passou a achar um horror fui eu. Achava que não combinava com meu pai, que tinha mais cara de carro esportivo. Eu achava a suspensão muito mole, parecia que andava num colchão de molas, flutuando. Detestei. O motor ficava devendo… Deveria ter mantido o Del Rey no meu imaginário, pois a realidade não correspondia ao meu sonho. Na minha mente, era lindo. Na realidade, nem um pouco.
Quando mais tempo passa entre o sonho e sua realização, maior pode ser a decepção. Por isso é sempre bom ter alguma dose de realismo entre uma etapa e outra. Saindo um pouco do tema carros, faz um par de semanas vi um programa com apresentação de Kathleen Turner. Caros leitores, não façam isso. Vão por mim. Não vejam como ela está hoje. Aquela mulher lindíssima, sexy, escultural que fez aquele filmaço que é “Corpos Ardentes” (Body heat) hoje parece algo entre uma drag queen e uma obesa mórbida transsexual. Nem a voz maravilhosamente sensual está igual – dá para reconhecê-la, mas não é a mesma. Decepção total. Juro que estava zapeando e xinguei o maldito controle remoto. Não deveria ter parado naquela emissora. O botão tinha obrigação de ter pulado aquele canal. Ou nem deveria constar da grade da minha tevê a cabo. Ou deveria estar bloqueado com uma senha que, como sempre acontece comigo, eu não lembraria. Qualquer coisa teria sido melhor do que a crua realidade.
Sei que nossos gostos mudam com o passar do tempo e alguns modelos ainda são icônicos. Mustang ainda é Mustang e não é à toa que tantas locadoras nos Estados Unidos ainda tenham linhas exclusivas desses modelos para locação, tamanha a quantidade de fãs do carro. Para mim, o maravilhoso ronco do motor de um Torino 380W ainda é uma sinfonia, assim como o design e o lindo volante de madeira — apesar de achar o tamanho meio esquisito atualmente. Ainda tenho a mesma empolgação pelo carro que tinha quando o vi pela primeira vez — quanto tinha uns 6 anos de idade, mais ou menos.
O charme de um Citroën 2CV (ou 3CV) ainda me seduz. É claro que já andei em carros mil vezes mais confortáveis e seguros, mas gostaria de fazer uma viagem dirigindo um desses — bem curta, é verdade. Mais um sonho de infância que gostaria de realizar, pois só andei nesses carros como passageira. Como já contei aqui, meu tio Horacio teve vários desses e levava a sobrinhada para passear com frequência. Mais uma vez, não sou a única: na província argentina de Mendoza há locadoras que os alugam para os turistas interessados em andar pelas vinícolas locais ao volante de uma baratinha dessas. Obviamente, um dos atrativos é que como não correm absolutamente nada pode-se curtir a paisagem local e são mecanicamente simples e aguentam qualquer caminho – e os de lá são cruéis, posso garantir pois já estive duas vezes. Mas, sendo bem realista, provavelmente não compraria um desses. Não, não chega a ser um sonho — estaria mais para um breve, brevíssimo cochilo eu diria.
Mas, por que ser realista, Norinha? Quando digo que todos temos sonhos quero dizer sonho, mesmo. Não vale estragar a fantasia falando em medo de assaltos, IPVA caro, seguro inviável, preço dos pneus. Aí deixa de ser sonho e vira pesadelo, não? Sonho é sonho. Não tem nada a ver com realidade. Nos sonhos podemos voar, ir para outras dimensões, ficar invisíveis. Para todo o resto temos nosso dia a dia.
Então, voltando aos sonhos, quais carros gostaria de ter? Não vou falar em carros novos pois aí não seria sonho no sentido que me veio à lembrança enquanto escrevo hoje. Digo sonho daqueles acalentados há tempos. Ferrari, certamente. Não sei exatamente nem sequer qual cor. Talvez aquele 308 GTS vermelho do Magnum (não curto o seriado novo. Para mim Magnum só com o Tom Selleck. Este ator novo não tem o menor charme, que era o que sobrava no anterior). Sei lá, achava lindo aquele carrão, mas claro, ficava bem com o Tom Selleck dentro, não sei comigo (foto de abertura). Mas, novamente, nada de realidade…
Para os dias de mau humor, um modelo tipo o Interceptor do primeiro filme de Mad Max . Garanto que venceria meu TOC e o deixaria todo sujo, mesmo, para parecer ainda mais assustador. Imaginem, caros leitores, esta meiguice de criatura que escrevinha estas linhas atrás do volante de um carro desses. Até o mais temível serial killer sociopata portador de 142 doenças mentais fugiria, não?
No geral, um Mustang. Qualquer um, mas talvez o do Bullit, verde mesmo, me faria sentir o máximo só de ficar atrás do volante E, de sonho mesmo, um Torino 380 W dourado com aquele câmbio manual que era considerado curto na época (gostaria de saber o que acharia hoje) igualzinho ao do meu pai quando eu era pequena. E, claro, poder andar numa estrada sem limite de velocidade ou mesmo num circuito. Esse sim seria um sonho que gostaria de realizar.
Mudando de assunto: com a pandemia, em São Paulo caiu o volume de automóveis andando tanto na cidade quanto no Estado. Mas aumento consideravelmente o número de acidentes fatais com motos. Em maio, o estado registrou 179 óbitos entre os motoqueiros, um aumento de 7,2% na comparação com o mesmo período de 2019, segundo o Infosiga-SP. Já na cidade de São Paulo, o índice cresceu 37,9% também comparado com o mesmo mês do ano anterior. Ou seja, cai por terra aquele argumento daqueles irresponsáveis (os tais “cachorros loucos”, como são chamados pelos próprios motociclistas) de que os acidentes são provocados pelos carros de passeio que mudam de faixa sem sinalizar, que os “fecham” e outras alegações que não se sustentam. Desde o início do isolamento social, as entregas por aplicativos cresceram 700%, o que levou muitas pessoas a fazerem serviços de motoboy sem experiência ou mesmo habilitação para tanto. Dirigir nos finais de semana não é o mesmo que fazer dezenas de entregas todo dia. O problema é que tem muita gente andando sobre duas rodas sem a menor capacidade para fazer isso — e aqueles que o fazem responsavelmente muitas vezes pagam pelos malucos. E, claro, a Prefeitura não fiscaliza coisa alguma. O problema, como sempre, não são os veículos e sim alguns irresponsáveis e despreparados que os dirigem.