O ineditismo de duas corridas em dois fins de semana consecutivos contrastou com o fato das duas vitórias da equipe Mercedes, que mantém a hegemonia na F-1 desde 2014. Seus dois pilotos venceram uma prova cada e Valtteri Bottas lidera o campeonato com 43 pontos, seis à frente de Lewis Hamilton, vencedor do GP da Styria, disputado domingo último (foto de abertura). Agora o Campeonato de 2020 prossegue para a terceira corrida em três fins de semana consecutivos, algo que não é novidade, mas é raro: a primeira vez que aconteceu nos 70 anos da categoria foi em 2018, com a disputa dos GPs da França, Áustria e Grã-Bretanha. A ideia não foi aprovada, mas este ano ressuscitou como a salvação da lavoura para compensar o calendário iniciado com quatro meses de atraso. A curta distância entre as pistas da Áustria e da Hungria permite que a partir de hoje as equipes já iniciem a montagem dos boxes em Hungaroring. Vale lembrar que em 1986, ano do primeiro GP húngaro, as limitações para chegar em Budapeste fez muita gente viajar de carro desde Viena, meu caso.
Voltando a 2020, nota-se que o ambiente na categoria, porém, mudou pouco: duas corridas temporada adentro e já se contam inúmeros casos de disputas dentro e fora das pistas, indefinições sobre o futuro de pilotos campeões, veteranos e jovens e as eternas crises da Ferrari. Todos temas já conhecidos, mas que envoltos em nuances diferentes ganham contornos que ajudam a interpretar a atualidade do circo. Enquanto o time de Maranello sofre com um projeto que demonstra estar aquém da concorrência, a Renault formalizou protesto contra a Racing Point alegando que esta última usa componentes do modelo 2019 da Mercedes, algo que o regulamento não permite. A briga entre duas equipes que disputam o segundo pelotão do grid não deixa de ser interessante: há milhões em jogo em prêmios por pontuação, demanda que esquenta face à competitividade entre as equipes.
Desde que o Campeonato Mundial de Construtores foi criado, em 1958, é possível identificar dois cenários distintos no que diz respeito ao equilíbrio de forças neste contexto. Até 1979 a disputa foi bem mais intensa: em 22 temporadas nove equipes chegaram ao título: Vanwall (1958), Cooper (59/60), Ferrari (1961/64/75/76/77), Lotus (63/65/68/72/73/78), Brabham (66/67), Matra (69), Tyrrell (71) e McLaren (1974).
A partir de 1980 nota-se que uma equipe tende a dominar por períodos mais longos: o atual reinado da Mercedes chega a seis temporadas consecutivas (2014 a 2019), enquanto a Ferrari conquistou dez títulos (1982/83/99/2000/01/02/03/04/07/08), a Williams soma nove (1980/81/86/87/92/93/94/96/97); a McLaren, sete (1984/85/88/89/90/91/98) e a Red Bull, quatro (2010/11/12/13). Renault (2005/2006), Benetton (1995) e Brawn (2009) fecham a lista. Números frios e calculistas destacam que o período aumentou de 21 para 40 anos, mas o número de equipes campeãs baixou de nove para oito.
Tal concentração se reflete também na distribuição de renda das equipes e, consequentemente, na composição do grid. Em 1988 o número de equipes que participava da temporada chegou a 18 e subiu para 19 em 1990. Como muitas delas não tivessem meios para sobreviver, os calotes surgiram. Para proteger o negócio a FIA e Bernie Ecclestone pouco a pouco impuseram condições cada vez mais severas para acabar com aventureiros e há anos o grid está consolidado em 20 carros de 10 equipes. A variação ocorre mais na compra e venda da franquia representada por um time que já participa da F-1 do que da chegada de novas equipes. A última a ser lançada como inédita é a Haas, que estreou em 2016.
A consolidação do número de vagas no grid fez surgir um problema diferente: como abrir espaço para que novos talentos se preparem para substituir aqueles que se aposentam ou são dispensados? Tal conjuntura é agravada pela limitação de treinos livres e um sistema que atribui pontos a aqueles que se destacam em categorias pré-definidas. Como que a replicar aquilo que o futebol eternizou como contrato de gaveta, várias equipes lançaram suas academias de pilotos na esperança de descobrir o novo Max Verstappen, fenômeno que estreou na F-1 com 17 anos (Austrália, 2015) e aos 18 venceu seu primeiro GP (Espanha, 2016).
Ocorre que o sistema não funciona como esperado: a Renault viu-se obrigada a promover o retorno do veterano Fernando Alonso para preencher uma vaga na equipe para 2021, a Williams convenceu Felipe Massa a ficar mais um ano na equipe quando Valtteri Bottas foi contemplado com a vaga criada pela aposentadoria inesperada de Nico Rosberg e a Ferrari não conseguiu promover nenhum os seus pupilos para substituir o alemão Sebastian Vettel, cujo currículo ostenta quatro títulos mundiais consecutivos. Tudo isso em um quadro onde não faltam pilotos de testes, de desenvolvimento e alcunhas similares.
Vettel ainda tem condições de contribuir bastante com uma equipe, particularmente se for envolvido em uma atmosfera de trabalho que o proteja e o prestigie, fatores que a Ferrari não lhe proveu nas últimas temporadas. Com a possível confirmação de que Valtteri Bottas vai permanecer mais um ano na Mercedes, as opções que sobram para o piloto alemão parecem reduzir-se a uma vaga na AlphaTauri, na Alfa Romeo-Sauber ou na Racing Point, que no ano que vem será renomeada Aston Martin.
Cada possibilidade enseja uma proposta diferente: a primeira delas marcaria seu retorno ao território Red Bull — onde obteve seus quatro títulos —, num processo para desvincular a equipe dos energéticos: AlphaTauri é a divisão dedicada à confecção de roupas de estilo casual premium e utilização de materiais avançados. A chegada de Vettel ajudaria a posicionar a marca a um patamar superior e explorar melhor os recursos do grupo. Novamente aqui nota-se que mesmo os pilotos adotados pelo Reino do Touro Vermelho não têm prestígio para tamanha empreitada. Uma vaga na Alfa Romeo Sauber seria uma forma de a Ferrari pagar algo equivalente ao fundo de garantia da CLT brasileira, mas o mal-estar entre o piloto e Maranello não contribui para esse final feliz.
Já na Racing Point a situação é complicada, porém superável: o filho do executivo-chefe da equipe, Lance Stroll, tem cadeira cativa em um dos dois carros e o mexicano Sérgio Pérez traz algum dinheiro para o time, além de ser mais rápido e experiente que seu companheiro de equipe. Lawrence (o pai de Lance) é o maior acionista da Aston Martin, fabricante com ligações com a Mercedes cada vez mais profundas e podem alinhavar um acordo possível e, mesmo assim, surpreendente, que ajudaria a recuperar a tradicional marca inglesa, Tobias Moers, o novo executivo-chefe da empresa, até recentemente era quem administrava a divisão AMG, responsável pelos modelos de alto desempenho da casa alemã. Se Vettel chegar, a chance de Pérez continuar na F-1 pode ser um lugar na Haas ou na Alfa Romeo Sauber.
O resultado completo do GP da Styria você encontra aqui.
WG
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