Como venho comentando desde março, pouca coisa mudou na minha vida desde o início da pandemia. Sou naturalmente caseira e curto muito ficar dentro das minhas quatro paredes, portanto não é nenhum sacrifício fazer isso. Talvez o que me incomode é fazer isso compulsoriamente, como tudo no meu espírito anarco-rebelde ma non troppo.
É claro que sinto muita falta dos encontros com os amigos, dos jantares, das saídas, de convidar gente em casa, das desculpas para um bom papo com mais gente, mas tenho tentado ver o lado bom disto tudo. Estou aproveitando para beber aqueles vinhos que sempre compramos em viagens e que agora ficou óbvio são adquiridos em ritmo mais rápido do que são bebidos (bem, a pandemia está nos colocando em dia e abrindo espaço para outros) e tenho aproveitado mais a companhia do meu marido. Sem viagens a trabalho, sem idas e vindas ao escritório e mesmo trabalhando muito de casa, estamos mais tempo juntos.
Em compensação, como para mim arrumar armários, papelada, geladeira e outras coisas é como um moto contínuo, não fiz como um monte de gente que usou um tempo livre para fazer isso. Já estava quase tudo em ordem. Aliás, nem tive mais tempo livre do que antes. Acho que minha rotina já era bem cheia e houve pouquíssima diferença e o tempo livre parece ter sido preenchido automaticamente por não sei bem o quê. Lembrei da minha avó quando soube que estava grávida da minha tia. Ela já tinha minha mãe e, preocupada, perguntou para minha bisavó como faria já que minha mãe e as demais tarefas domésticas preenchiam as 24 horas do dia dela. Minha bisavó disse: “então, com o que você se preocupa? Qual será a diferença? O dia continuará tendo só 24 horas.” Bem, depois dessa minha tia, minha avó teve mais um filho e depois… um casal de gêmeos. O dia continuou tendo 24 horas e ela deu conta de cinco filhos e tudo mais.
O pior para mim com esta pandemia tem sido a falta de perspectiva, o fato de não poder planejar nada por total incerteza sobre tudo — algo terrível para alguém como eu, maníaca por isso. Bem, como duas das minhas coisas favoritas são carros e viagens, resolvi dar um drible no coronavírus já que parece não querer ir embora e, por minha própria conta, estou planejando algo que une carro e viagens.
Como ficamos sem férias realmente este ano depois que nossa ida à Tanzânia foi cancelada uma semana antes do embarque justamente por culpa do vírus e substituída por todos os programas sobre o Serengueti, safáris, e coisas do tipo no Animal Planet e similares (com algumas liberdades e extensões, pois assistimos documentários sobre Quênia e Ruanda também, por que não? Afinal, era só apertar o botão da tevê…) decidi dar vazão a minha imaginação e planejar a próxima viagem de uma forma realista.
Imagino que tão cedo assim não será possível pegar um avião nem mesmo dentro do Brasil — pelo menos não com segurança de poder chegar nem poder voltar quando necessário. Ainda não faço a menor ideia de quando poderá ser realizada, mas já defini alguns parâmetros. Será de carro, certamente. É algo que sempre fazemos, mas desta vez, exclusivamente de carro.
Para mim, a liberdade que um carro nos dá não se compara a nada. É claro que uma excursão com guia que resolve tudo, fala o idioma local, conhece os horários de abertura e fechamento de museus e, ainda, poder ter à disposição um ônibus ou van que nos pega e nos deixa no hotel é mais fácil em todos os sentidos. Não há que se preocupar em estacionar (nem se é proibido ou não), se o ticket do parquímetro tem que ser deixado no painel do carro ou levado conosco, pagar (em qual moeda? Temos a moeda local?), se o local é seguro; dependendo do país a mão de direção (já expliquei aqui em algumas oportunidades, como na África do Sul e na Nova Zelândia, as complicações de andar na “mão inglesa”. O sentido da estrada ou da rua é o de menos, duro é entrar numa rotatória pela esquerda, fazer uma conversão e ir para a outra pista, estacionar, ligar a seta e não o limpador de para-brisas, passar marchas com a mão esquerda…).
Mas pessoalmente não curto. Prefiro a autonomia que me dá um carro, de parar onde e quando quero. Dessa forma já descobrimos lugares lindos. Impossível enumerá-los, mas certamente incontáveis pores do sol (reconheço que tive de dar um gúgol para procurar esse plural) que decidimos apenas encostar nossa viatura, descer e muitas vezes apenas sentamos na grama e curtimos a vista. Coisas que apenas a autonomia de ter um carro nos proporciona. É mais caro? Claro. Mas como dizia aquela propaganda de cartão de crédito, há coisas que não tem preço.
Tem, é claro, muitos mais perregues. Quem lê minhas colunas às quartas-feiras já acompanhou vários. Desde eu entrar numa loja na Albânia (que somente depois de ter entrada descobri ser uma funerária) para pedir explicações sobre o caminho e o sujeito apoiar meu celular sobre um caixão para me mostrar no Google Maps, até termos de dormir de favor duas noites num posto de campanha da polícia argentina na fronteira da Argentina com o Chile porque a locadora havia nos entregado a documentação de aduana errada e faltando alguns papéis e carimbos. E nós, claro, sem comida para esse tempo todo. A lista é incontável.
Alguns contratempos depois ficam engraçados, mas na hora são deveras complicados (o de Paso Sico certamente foi o pior de todos e, ironicamente, no meu próprio país e com tudo obsessiva e previamente checado e rechecado por Noratur). Mas, ainda assim, prefiro do que ter tudo resolvido num tour previamente organizado. No balanço de tantas viagens realizadas por nós mesmos dirigindo carro o saldo é amplamente positivo.
Gosto de traçar os percursos possíveis previamente, analisar as opções de caminhos, as distâncias, as melhores alternativas, ver o que tem de mais interessante para ver no caminho e sofro horrores quando tenho de começar a podar aquilo que é inviável — seja por distância, seja por questões outras. No ano passado, nos Bálcãs, Kosovo ficou de fora, pois não poderíamos ir primeiro para lá (para a Sérvia aquilo pertence a eles e não é um país independente) e depois para a Sérvia e não havia como inverter o roteiro. Também tive de cortar as praias do sul da Albânia.
Para a próxima viagem, uma coisa é certa. Será no Brasil, por questões óbvias. Se fecharem alguma fronteira, pelo menos estarei no meu próprio país — bem, no meu caso, um deles. Em princípio darei preferência a estradas minimamente decentes. Mesmo quando alugo carros no exterior, tenho algum apego a eles, mas é claro que não o mesmo que tenho pelo meu próprio. As rodovias do Estado de São Paulo estão em excelente conservação — tem, é claro, os pedágios, mas não hei de chorar de andar com meu possante por elas, exceto pela Fernão Dias. Da última vez que estive nela sofri. Fui ao Sul de Minas e lamentei um pouco, apesar de que não aconteceu nada.
Não pretendo ir longe demais, mas também não tão perto assim, pois depois de sei lá quanto tempo confinada vamos querer sair mesmo. Então, Google Maps é o limite. Gosto de ir colocando meus locais de desejo lá, os pontos de interesse e depois, analisando as distâncias, vejo quais as melhores sequências. Tento não fazer esticadas exageradamente longas, apesar de que nos revezamos sempre no volante. Mas, como comentei recentemente aqui, lamento que no Brasil não haja pontos para descanso nem completos nem seguros para parar por mais tempo. Quando viajamos por aqui em feriados ou para a casa de amigos geralmente fazemos uma rápida troca de motorista em postos de gasolina se possível e, se não, no acostamento e olhe lá. Triste, mas é assim mesmo. Pelo mesmo motivo, fora do Estado de São Paulo não viajamos à noite.
Então, primeiro é definir mais ou menos a época do ano. Por enquanto, nem isso sei ao certo. O segundo passo é estipular uma região, que pode ser Norte, Sul, Oeste… Para isso conta bastante o item um. Se for julho, quero passar muito, muito frio? A serra catarinense é uma excelente alternativa, sem dúvida. Quero praia? Bem, se for julho, terei que ir bem mais para o Norte. O terceiro item é, claro, é o número de dias que teremos disponíveis. Neste momento, nem isso sei. Preciso calcular ida e volta, levando em consideração que nossas estradas não são, assim, um tapete. E que se houver feriados pode ser uma loteria. Já fiz uma viagem para Angra dos Reis e levei umas seis horas para ir supertranquila e parando e quase doze para voltar por causa do feriado e de um ônibus que quebrou em Cunha e nos obrigou a descer de volta à lotada estrada Mogi-Bertioga e que foi ficando ainda mais lenta porque os motores dos carros sem manutenção iam esquentando e parando pelo caminho. Tortura das torturas.
Gosto de roteiros circulares ou elípticos. Ir por um caminho e voltar por outro, sempre que possível. Assim, vejo um caminho na ida e outro na volta. Mas desta vez vai depender muito do estado das estradas. Se tiver risco de ter que pegar uma meia-boca, paciência, repetirei a paisagem, pois não pretendo alugar carro. Nesse caso, a ida pode ser com várias paradas e a volta com apenas um par delas ou mesmo numa esticada só.
Assim, nas próximas semanas, acho que vou dar vazão a minha necessidade de sempre planejar algo fazendo algum roteiro para a próxima viagem no Google Maps. Como ia dizendo, assim que definir alguma coisa, vou pesquisar os pontos de interesse na região para onde pretendo ir e ao longo do(s) caminho(s). Primeiro jogo absolutamente todos eles no mapa. Num papel (ainda não sei como fazer isso no mapa, talvez tenha alguma gradação por cores, mas não achei) marco os imperdíveis, os mais ou menos e aqueles totalmente dispensáveis.
Vejo então as estradas possíveis, os quilômetros entre as cidades e os tempos — que nem sempre tem a ver. Há distâncias de 100 quilômetros que são vencidas em não menos do que duas horas. Marco então a estrada no mapa e anoto no papel — também não sei como incluir os tempos no mapa, estou engatinhando nesse quesito e se alguém me disser que é intuitivo vou dizer que meu sexto sentido é inexistente.
Feito isso, vejo hotéis pelo caminho e marco no mapa. Se forem muito vagabundos e não houver nada muito interessante, faço uma observação no meu papel para só parar lá se for imprescindível entre um ponto imperdível e outro igualmente imperdível e tivermos que pernoitar. Se não, procuro outro caminho.
Assim, com o mapa bem visual, vejo qual é o sentido que, ironicamente, faz mais sentido. Tem vezes que é horário, outras anti-horário, às vezes algum ziguezague se justifica. E aí vou cortando aqueles lugares que ficam muito longe e não são tão legais, ou a estrada é por demais ruim, ou não há lugar para pernoitar. Essa é a parte mais dolorosa para mim. Mas roteiro de viagem é sempre sobre escolhas. Sempre vai faltar algo e se já partimos sabendo disso aproveitaremos mais. E, claro, deixar margem para imprevistos nos dois sentidos — paradas mais longas para ficar mais tempo num lugar do qual gostamos mais ou menos num que não curtimos. Novamente, a liberdade que só o carro nos proporciona.
A questão é deixar de fora aquilo que é mais dispensável para cada um — pessoalmente não ligo para o que os outros acham importante. Nem levo em considerações locais de compras, mas não deixo de fora cânions, vulcões ou cavernas. Sou apaixonada por acidentes geológicos e gosto de incluir marcos históricos no percurso. No Brasil não há tantos grandes museus como na Europa, mas há lugares que considero lindos e cheios de história, como as missões jesuítas ou o Palácio de Cristal de Petrópolis. E, claro, se tiver uma boa vinícola no caminho, certamente entrará no roteiro. Agora, mãos à obra.
Mudando de assunto: quem diria que com apenas uma semana de intervalo uma corrida de Fórmula 1 realizada no mesmo circuito, com os mesmo carros e os mesmos pilotos poderia ser tão diferente? Percebi que eu havia sido muito benevolente no primeiro GP da temporada. Era realmente síndrome de abstinência. Esta é que realmente valeu a pena. Os pilotos da Ferrari precisam deixar de agir como se fossem Grosjean ou Magnussen e passar a agir como se fossem Vettel e Leclerc. Desta vez, o monegasco fez uma besteira monumental. Mas continua faltando estratégia à equipe italiana. Hamilton, perfeito como sempre e com muita sorte, também como sempre — coisa que sempre acompanha os campeões. Adorei ver o Sergio Pérez, que para mim foi o destaque da prova, com suas ultrapassagens no melhor estilo Ricciardo e humor idem (“gostou dessa, cara?” depois da incrível ultrapassagem sobre o Sainz, por fora na curva). Aliás, toda hora tinha um McLaren e um Racing Point disputando lindamente uma posição. Legal ver escuderias que não as mesmas de sempre e pilotos que não os mesmo de sempre dando show. Sobre a volta do Alonso à F-1, acho que é bom para ele. Para ele. Não acredito que vá conseguir resultados significativos. Ele nunca teve paciência para desenvolver carro nem é de trabalhar em equipe — algo fundamental para uma escuderia que a muito custo tenta ser média. E algo que sempre me incomodou é que esteve envolvido em 90% dos escândalos da F-1 dos últimos anos. Talento tem (ou teve, não sei se isso dura tanto assim), mas faz tempo que não corre em nível realmente competitivo. Não gostaria que deixasse a lembrança de um Michael Schumacher nas últimas corridas nas pistas.
NG