Depois de um jejum de mais de meio ano, finalmente comecei a ter a sensação de estômago cheio. Três corridas de Fórmula 1 em finais de semana seguidos… eba! Ainda não deu para compensar tantos meses de domingo sem o ronco dos motores, mas já é alguma coisa. Ainda tenho uma sensação de lombriga não totalmente alimentada na barriguinha, mas já é melhor do que aquelas reprises enfadonhas de qualquer esporte a que estava me submetendo. Já estava a ponto de ver videoteipe de curling, vejam só — algo que para mim é o suprassumo da falta de graça, meus queridos amigos canadenses que me desculpem.
Não vou aqui destrinchar como foi todo o GP — deixo isso para meu competentíssimo primo Wagner — mas Hungaroring é um dos meus lugares favoritos. Quem acompanha minhas escrevinhações sabe como gosto desse circuito e já contei aqui como foi estar lá dentro. Também quem me conhece sabe que sempre tento incluir nos meus roteiros de férias entradas a circuitos sempre que possível. Os de rua, por óbvio, são bem mais fáceis. Alguns têm uns trechinhos contramão no dia a dia, como é o caso de Mônaco, mas nada que a imaginação não nos permita vislumbrar como é durante um GP. O mesmo acontece no lindo circuito de Baku — aliás, foi depois de ver na televisão a corrida do Azerbaijão que meu marido teve a ideia de ir conhecer esse país que, confesso, até então teria dificuldades em acertar exatamente sua posição num mapamúndi. E foi também quando descobri que meu ídolo no xadrez, Garry Kasparov, não era russo, mas sim azeri, nascido não apenas no Azerbaijão, mas em Baku — claro que naquela época aquilo era uma república socialista soviética e por isso ele era “russo”. Só que não. Acho que gostava dele pelo fato de termos idades parecidas, só que eu sou pior do que péssima no xadrez e consigo perder uma partida em menos de cinco minutos e um sujeito da minha idade fazia aquelas jogadas incríveis…
Nos circuitos mais convencionais de Fórmula 1, mesmo entrar apenas para conhecer nem sempre é possível — o que é uma pena. Andar na pista, então, mais ainda. Hungria tem um traçado difícil, com pouquíssimos pontos de ultrapassagem, mas já foi ainda mais. Como sempre faço, uns dias antes de uma corrida gosto de rever outros GP na mesma pista e algumas manobras de que me lembro. Claro que revi pela milionésima vez a ultrapassagem de Piquet sobre Senna em 1986. Apenas como faço sempre, pois a conheço tão bem que poderia eu mesma descrevê-la. Mas reconheço que sou uma criatura de hábitos e pesquisei no Gúgol os vídeos sobre essa fantástica manobra.
Mas pesquiso também textos em geral e reportagens. Como o Feicibúqui trabalha com modelos analíticos que se retroalimentam, comecei a receber cada vez mais notícias sobre o assunto, claro. Nada contra. Pipocaram matérias de diversos veículos de comunicação sobre a corrida, incluindo algumas muito interessantes sobre o GP de 1986 com excelentes textos sobre a corrida toda e não apenas a ultrapassagem. De fato, foi uma corrida fantástica de Piquet como um todo, mas temos a tendência de esquecê-la, apenas porque a ultrapassagem foi tão excepcional que chegamos a não dar a devida importância ao resto.
Numa matéria de alguns anos atrás, por sinal muito bem escrita, caí na besteira de começar a ler os comentários. Não deveria ter feito isso. É por isso que chamo essas mídias de antissociais. São extremamente úteis, mas por vezes povoadas por alguns seres que benza Deus! Como disse Umberto Eco, a internet deu voz a uma legião de imbecis. Que fique claro que meu problema não é com as opiniões — nem vou discutir se Fulano é melhor do que Sicrano, isso é pessoal, mas li cada barbaridade… Talvez uma das mais idiotas tenha sido que Hamilton é “pupilo de Senna”. Consultando minha bola de cristal, e na base de muita, muita boa vontade, quero supor que o sujeito tenha querido dizer que Hamilton admira Senna (o que é fato), talvez que se espelha nele (coisa que não acho seja exatamente o caso), mas certamente essa não seria a palavra adequada. Pupilo, no seu sentido extenso (não de menor tutelado, é claro), significa protegido, pessoa que recebe cuidados de outro, discípulo de alguém. Ora, quando Senna morreu, Hamilton tinha acabado de fazer 9 anos e fazia apenas um ano que andava de kart. Como assim, discípulo? Coisa de quem não sabe fazer conta e não acompanha Fórmula 1.
Também achei um comentário sobre o desempenho de Senna, dizendo que ele fazia Michael Schumacher “comer poeira”. Lamento, moço, mas não foi isso o que aconteceu por mais que goste do Senna e não seja tão fã assim do Schumacher — embora reconheça um enorme talento no alemão e todos os recordes que ele pulverizou. Schumacher estreou na Fórmula 1 em 1991, quando correu apenas 6 das 16 provas — cinco na Jordan e uma na Benetton, por isso acho que não daria para comparar aquele ano. No seguinte, Schumacher terminou o campeonato já em terceiro lugar, com a Benetton, apesar de a escuderia ter sido apenas a terceira melhor do ano, à frente de Senna, que concluiu 1992 em quarto lugar apesar de ter o segundo melhor carro do ano, um McLaren. Em 1993, Senna terminou em segundo, com o segundo melhor carro do ano (McLaren) enquanto Schumacher terminou em quarto, com a Benetton, o terceiro melhor carro pelo Campeonato de construtores. E 1994 foi aquela tragédia, literalmente, com a morte do Senna na terceira prova do ano, em San Marino. Mas as duas anteriores haviam sido vencidas por Schumacher (o Senna nem havia terminado nenhuma) que, aliás, venceu 8 naquele ano e o próprio Campeonato, apenas 1 ponto à frente do companheiro de equipe de Senna, Damon Hill, da Williams. E ai o alemão começou a triturar recordes.
Tinha todo tipo de comentário sobre a manobra da Hungria de 1986. Para quem não se lembra ou acha que vale a pena ver de novo (essa vale), assista ao breve vídeo:
Vários eram interessantes e demonstravam conhecimento, mas outros… Desde “foi apenas uma ultrapassagem no final de uma reta”, até “Piquet só é conhecido no Brasil. Lá fora ninguém sabia quem era ele”. Achei um “só vi um Piquet com dificuldades em ultrapassar Senna” (bem, se tivesse sido fácil não seria histórica, não?) até o óbvio “a Fórmula 1 acabou em 1994”. Bem, aí parei de ler. Pessoalmente, acho Senna um piloto fantástico. Sem dúvida, dos melhores de todos os tempos. Mas dizer que a F-1 acabou quando ele morreu é como dizer que o cinema acabou quando morreu Greta Garbo (foto de abertura). Era boa atriz? Era excelente, mas o que dizer de Meryl Streep? Ou de Ingrid Bergman? Ou de Sophia Loren? Ou de Julianna Moore? Não, quando Greta Garbo morreu acabaram os filmes com Greta Garbo, não o cinema. Certamente ficou uma lacuna para os fãs dela, mas o cinema continuou e surgiram outras atrizes e atores iguais, melhores, piores ou apenas diferentes dela. Mas quem deixou de ir ao cinema quando Greta Garbo morreu é porque gostava de Greta Garbo, não de cinema. O mesmo no caso de Senna. Quem deixou de assistir Fórmula 1 quando Senna morreu é porque gostava de Senna, não de Fórmula 1. Aliás, um direito de cada um, sem dúvida. Mas são coisas diferentes.
Esse é o problema dos comentários dos fãs que se acham entendidos. É mais ou menos como casamento. Meu marido gosta de mim? Certamente. Me acha bonita? Ele diz que sim e eu acredito, mas não sou néscia de ao me olhar no espelho não ver que sou muitíssimo menos bonita do que outras mulheres — e isso não quer dizer que ele goste mais delas do que de mim. Gosta de uma forma diferente. Há uma lista de mulheres que ele certamente acha mais bonitas do que eu (e eu concordo, vejam bem), mas isso não quer dizer que ele me trocaria por elas — bem, espero que não.
O mesmo acontece nos esportes. Todos aqui sabem que sou fã do Kimi Räikkönen. Adoro o estilo dele de pilotar, muito rápido, mas ainda assim cuidando do carro (normalmente leva os pneus a um ponto que ninguém consegue, mesmo com carro desequilibrado), tem uma tocada que me agrada, é arrojado, mas limpo. Gosto também do estilo pessoal, bem blasé. Mas é o melhor piloto do grid? Não. Para mim o melhor piloto atualmente é Hamilton — e não apenas pelo carro. O inglês é um piloto perfeito, está num momento excepcional e tem um carro maravilhoso. O mesmo digo do Gilles Villeneuve. Era meu ídolo e um grande piloto, mas nem eu o colocaria numa lista dos 10 melhores pilotos de todos os tempos — mas certamente dos meus 10 pilotos favoritos de todos os tempos. Mas, ao contrário do finlandês, detonava os carros. E eu gostava mesmo assim. James Hunt é o mesmíssimo caso. Adorava ver o sujeito correr, o estilo de pilotar, o estilo na vida pessoal, mas também não entraria nessa lista. Apenas na lista dos meus favoritos. Em compensação, colocaria Alain Prost numa lista dos melhores pilotos, mas não dos meus favoritos.
Não sou muito fã de comparações com futebol — deixo isso para atuais e ex-presidentes brasileiros que sempre parecem tão afeitos a esse hábito — mas, vamos lá. Quem, em sã consciência, diz para papai do céu, a sós, no escuro, que seu time é o melhor do campeonato a cada momento? Não dá, né? Será sempre nosso time do coração, mas temos que reconhecer que há sempre altos e baixos — e nem por isso vamos deixar de torcer pelo nosso time. E, sim, sou corinthiana, caso alguém tenha alguma dúvida — e estamos numa situação bem meia boca, reconheço. Mas, assim como continuo torcendo pelo Räikkönen, continuarei sendo corinthiana. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Quanto aos comentários, como já disse, opiniões são sempre bem-vindas por mim, mas brigar contra os fatos já fica feio. Aceito que alguém me diga “para mim, Schumacher é o melhor piloto de todos os tempos”. E nem discuto, pois gosto é gosto. Mas dizer “Fangio comia poeira de Schumacher” é me chamar de idiota, né? Ou então a criatura entrou numa dobra especial, deu um salto quântico, sei lá…
Mudando de assunto: Ultimamente venho numa briga insana e absolutamente inútil contra os títulos perpetrados pelos meus colegas jornalistas. Tenho verdadeiros ataques de caspa. Nem falo aqui em conteúdo, que está além do sofrível, refiro-me apenas à forma, mesmo. Parece que virou moda jogar as palavras e o leitor que adivinhe a qual substantivo cada adjetivo se refere. Ou pronome. Ou qualquer outra coisa. Parece eu traduzindo algo do alemão — muitas vezes sei o significado de cada pedaço da palavra, mas não consigo colocá-las todas juntas ou quando o faço não sei se faz sentido. Como o tal castelo de Fussen: Neuschwanstein. É cisne da pedra nova? É nova pedra do cisne? É pedra do cisne novo? Sei lá… Mas em português? Me poupe! Lá vão alguns recentes: “Programa permite registro de recém-nascidos por biometria em maternidades de Goiânia” (socorro, vou cancelar meu registro no banco e na Justiça Eleitoral. Agora que sei que se pode ter filho por biometria não quero espalhar prole nos caixas 24 horas ou nas cabines eleitorais). “Sara Winter disse ter nível superior ao governo sem ter concluído” (parece que quem fez o título também não concluiu o que ia escrever). “Ao ser detonada na internet, a ONG resolveu se manifestar e contar o que realmente teria supostamente acontecido” (adoraria saber o que teria realmente supostamente acontecido. Cartas para a redação, por favor). “Avó é detida suspeita de tentar passar droga escondida em sachês de tempero para neto” (tempero para neto é versão salgada de João e Maria?).
NG