Não reclamo de ficar em casa por causa da pandemia. Sempre curti meu lar doce lar e fazer coisas para que ele fique cada vez mais agradável e bonito faz parte da minha rotina. Isso, é claro, inclui mudar objetos de lugar (poucas, afinal, para quem acredita em astrologia sou taurina e gosto das coisas estáveis), mas principalmente acrescentar outros. Sempre com muita parcimônia pois não gosto de lugares atravancados nem cheios de coisas.
Para mim uma casa é algo vivo, que deve evoluir com o tempo e as novidades. O problema de ficar muito mais tempo dentro das quatro paredes é que acabo encontrando mais coisas para fazer – algumas há tempos estavam em listas imaginárias, outras subitamente ficaram imprescindíveis.
Agora, por exemplo, vou começar a criar uma estante para os novos carrinhos miniatura de Fórmula 1 que ampliarão nossa coleção, pois vamos acrescentar alguns modelos na escala 1/43 — questões de custo e de variedade, pois na minha querida 1/18 há muito menos opções. Isso significa deslocar da parede o relógio em forma de pneu de carro e, principalmente, ter uma ideia bacana fora das estantes padronizadas e, mais difícil ainda, achar alguém que execute minha ideia. Como vai ficar ao lado da outra estante de carrinhos, preciso criar algo que faça uma composição legal com a anterior, que seja esteticamente bonita, prática em termos de exposição e, claro, inacessível a crianças, bichos e alguns adultos. Talvez desista de colocar vidro transparente no móvel e opte por um prático cofre de segurança tipo aqueles que deve haver em Fort Knox, ou por uma concertina, hehehehe. Ou seja, projeto que demandará alguns meses…
Lembro que o leitor Ricardo KP postou aqui fotos de sua belíssima coleção de miniaturas. Para não parecer uma má pessoa, direi que sinto uma inveja do bem dele — se é que isso lá existe… Digamos que adorei e fiquei muito feliz de ver que outras pessoas têm o mesmo hobby. Digo mais, quando minha coleção crescer, quero que seja como a dele!
Foi assim que me deparei com o móvel onde meu marido guarda os carrinhos de infância dele. Na verdade, eles sempre estiveram visíveis, apenas eu é que não havia reparado em algumas coisas (foto de abertura). Não, não é uma coleção propriamente dita, mas apenas alguns poucos brinquedos de criança incrivelmente bem conservados. Conversando com ele sobre os comentários de Mr. Car, Daniel Girald e Marco Túllio de Souza que disseram neste espaço que fingiam acidentes de carro com suas miniaturas quando crianças, minha cara-metade me disse que ele também fazia isso. Logo ele, um mar de tranquilidade e autocontrole, pacífico e pacifista que só ele… O carrinho que mais sofria nas mãos dele era um vermelho. Era o que capotava, batia, caía da muretinha do quintal… Até hoje ele tem vários arranhões e é, de longe, o mais maltratado, mas ainda assim razoavelmente inteiro para o tanto que sofreu. Bom, pelo visto era eu quem não fazia isso quando brincava de carrinho, mas não chega a ser algo, digamos, estranho como havia pensado inicialmente.
Isto posto, me chamou a atenção que mesmo com as simulações de terríveis acidentes os carrinhos que estão em casa estivessem em excelente estado de conservação após décadas e décadas. Lamentavelmente, eu não tenho brinquedos da minha infância. Eram poucos e se perderam nas mudanças ou, mais provável ainda, eu os tenha doado, pois anualmente no Dia da Criança minha mãe nos levava a alguma favela para distribuirmos parte de nossos brinquedos. Realmente não sei o que aconteceu. O fato é que não tenho nem carrinhos nem bonecas, embora minha irmã ainda guarde o esquilo de pelúcia Enrique, já sem uma orelha, com apenas um olho, o rabo todo avariado e mais alguns acidentes de percurso. Fica difícil achar que aquilo é (ou foi) um esquilo — até porque era vermelho (oi? Esquilo vermelho Ferrari?) e hoje é uma cor que de tão indefinida tenho certeza que nenhuma escala Pantone tem.
Meu marido tem uma razoável coleção de lembranças de infância. Desde vários itens absolutamente infames como cobras, ratos, cocôs e vômitos de um realismo assustador até uma maquete da Apollo 11 que ele mesmo montou quando o homem chegou à Lua, em 1969. Impressiona o cuidado com tudo, na montagem e na guarda, especialmente para um menino pequeno. Com os carrinhos não é diferente. Todos eles sobreviveram às brincadeiras de fingir acidentes, batidas entre eles, quedas de pontes imaginárias… Um deles, o da polícia, é da mais tenra infância. Outro, depois de muitos “acidentes” foi até repintado por ele mesmo quando tinha uns 10 anos de idade. Pode não ter virado um Van Gogh com o passar dos anos, mas não fez feio, não.
Como todo fã do Batman (até hoje) tem dois batmóveis superbem-conservados e um do icônico besouro Verde. Há vários anos eu mesma fiz uns saquinhos de pano macio para guardá-los nas caixas onde estavam armazenados, mas algum tempo atrás foram promovidos a uma escrivaninha antiga e ganharam as próprias prateleiras.
O carrinho favorito era um vermelho, bem completo. Abria as portas, o capô, a porta traseira. Justamente por ser o xodó acabou sendo vítima da raiva de um dos irmãos. Depois de uma briga daquelas comuns em irmãos que sempre brincavam juntos, meu cunhado decidiu se vingar do irmão maltratando o carrinho favorito e jogou inseticida nele. Cobriu o carrinho inteiro com spray. Nunca soubemos o motivo de ele ter escolhido inseticida, já que sequer era o carrinho do Besouro Verde (OK, o trocadilho foi horrível), mas apesar dos primeiros socorros tentados pela minha cara-metade, a janela traseira ficou indelevelmente estragada, como que para lembrar a todos da bobajada da discussão.
É por essas e outras que sempre me questiono o princípio dos biscoitos Tostines: estão fresquinhos porque vendem mais ou vendem mais porque estão sempre fresquinhos? Não sei o que vem primeiro nem se ter brincado tanto com carrinhos fez dele um autoentusiasta, como de fato é, apesar de ter poucos carrinhos de corrida, como um da Indy. Também brincava muito de Forte Apache e nem por isso matou um único índio em sua vida — bem, nem nenhum outro ser vivo exceto algumas formigas e baratas, pois até lagartixas ele pega com a mão e coloca no jardim. Sei lá, talvez estivesse destinado a gostar de carros, já que na família dele ninguém curtia ou curte carros ou motos especialmente até hoje. Ou talvez estivesse destinado a me conhecer e assim aumentar o autoentusiasmo. Coisas do destino, provavelmente.
Mudando de assunto: a corrida da Rússia de novo surpreendeu. Continuo não entendendo as relargadas – ora com os carros parados, alinhados no grid, ora em movimento. Desisti de tentar achar alguma lógica e acho que meu Tico e meu Teco não se acharam ainda com o regulamento deste ano. Não importa, daqui a pouco muda de novo… Gostei da vitória do Bottas, que fez tudo certinho, assim como da corrida do Gasly e achei justa a punição ao Hamilton – o sujeito está pendurado nos pontos da superlicença e se bobear pode acabar de fora de um GP por puro e simples desrespeito ao regulamento que, por sinal, é o mesmo para todos e não há outros pilotos com esse problema. Mas a melhor parte para mim foi depois da corrida, com o especial da TV Globo sobre Nélson Piquet dentro dos 70 anos da Fórmula 1. Belo, embora curto, programa, com excelentes depoimentos, a irreverência de sempre do tricampeão e algumas belas imagens de arquivo. Já estou à espera de outros como o anunciado sobre a rivalidade com Nigel Mansell, a quem eu adorava detestar.
NG