Se o comércio de veículos novos ainda está se recuperando do tombo deste ano, a picapes são a grande surpresa e só têm a comemorar. Elas cresceram 6% em setembro deste ano, comparado ao mesmo mês de 2019. Enquanto isso, o mercado total viu suas vendas despencarem 10,9% no período.
As picapes conseguem a façanha de se aproximar do desempenho dos tão desejados suves, que subiram 10% no período. Porém, se os suves inflaram seus números juntando a chegada de novas versões e a estreia de nomes inéditos (VW Nivus, Ford Territory, Tiggo 8), as picapes explodiram apenas com a renovação dos modelos já existentes.
Um dos melhores exemplos é a nova Fiat Strada, que vendeu 80,6% a mais em setembro de 2020, de acordo com os números da Fenabrave. Recém-renovada, a Mitsubishi L200 foi outra que teve um belo desempenho nas lojas, com 47,5%. Reestilizada em julho, a nova Chevrolet S10 ficou com um aumento de 6,5%. Até a envelhecida Toyota Hilux, que está às vésperas de uma mudança, subiu bastante: 12,3%.
De cair o queixo mesmo são os números da Ram 2500, superlativa tanto no tamanho (6,06 metros ou 74 cm maior que uma S10) quanto no preço (R$ 362.000). Com nenhuma picape emplacada em setembro de 2019, ela saltou para 22 unidades este ano. Mérito da nova versão, que estreou no fim do ano passado.
Não pense, porém, que ela não vendia quase nada e só passou a existir depois desse lançamento. Analisando o acumulado de janeiro a setembro, teremos 345 vendas em 2019 frente a 969 veículos em 2020, uma variação impressionante de 180%.
As três razões do sucesso
Onde foi parar a crise para as picapes? Calma, porque há uma explicação lógica para esses modelos caros, grandalhões e de uso mais restrito nas cidades tornarem-se um sucesso de público. Na verdade, há três explicações.
A pandemia mostrou que os efeitos negativos no setor foram muito menores para o bolso e o humor dos compradores de veículos mais caros. Como eu já escrevi em outra coluna, o mercado viu neste ano marcas como Porsche, Volvo, BMW e McLaren terem um desempenho invejável no primeiro semestre, período mais agudo da crise. E as picapes seguiram na mesma trilha.
Foi por isso que vimos no ranking de abril a Toyota Hilux em 5º lugar, Fiat Toro em 6º e Chevrolet S10 em 14º, quando o velho normal no início do ano era Toro em 10º, Hilux em 20º e S10 em 28º.
A segunda explicação é o perfil desse público, que tem uma relação de consumo muito mais emocional que a média. A pesquisa Segmento Automotivo 2016 da Quatro Rodas, feita com 3.000 entrevistados, mostrava que os critérios de compra racionais eram decisivos para 55% dos donos de automóveis comuns e para 50% dos proprietários de automóveis premium, contra apenas 26% dos picapeiros. Para estes, aplica-se aquele velho ditado “vale mais um gosto do que o dinheiro no bolso”.
Por fim, a terceira razão é o ótimo desempenho do agronegócio brasileiro, que cresceu 1,6% no primeiro semestre frente a uma queda de 5,9% do PIB brasileiro. É daí que sai uma boa parcela dos compradores de picapes, especialmente as maiores e mais caras, que são ao mesmo tempo belos brinquedos para fazendeiros abonados e um termômetro de status social para a turma do campo.
Lucro de US$ 17.000
Mais feliz que os donos com suas picapes, só seus fabricantes. Afinal, esses veículos costumam gerar os maiores lucros por unidade. Não há dados conhecidos para a realidade brasileira, mas números do mercado americano revelam que uma picape full-size (como a Ford F-Series e Silverado) deixa até US$ 17.000 (R$ 95.000) de margem positiva para a GM, enquanto seus automóveis de passeio chegam a dar prejuízo.
Aliás, é isso o que explica o surpreendente fato de a Ford não vender mais nenhum automóvel de passeio nos EUA desde que o último Fusion deixou de ser produzido em julho (agora só há suves e picapes).
Os próximos lançamentos
Portanto, podemos esperar pela frente mais uma boa leva de novidades no Brasil. O ano já começou com as novas Strada, L200 e S10, que terão a companhia da VW Amarok V-6 mais potente (em novembro, com 258 cv e acima dos R$ 260.000, tornando-se a mais cara do segmento) e da Toyota Hilux (no último bimestre, com nova grade e motor que sobe de 177 cv para 204 cv).
No ano que vem tem mais: está praticamente certo o lançamento da Ram 1500 (é 25 cm menor e não exige habilitação de caminhão como a Ram 2500) e possivelmente da sua rival direta Chevrolet Silverado. O vice-presidente de operações da GM América do Sul, Ernesto Ortíz, disse em uma entrevista que o modelo voltará ao Brasil, onde foi fabricado entre 1998 e 2001. Dependendo do valor do dólar e da demanda mundial, a Jeep também deve trazer a Gladiator, versão picape do Wrangler.
Para 2022, espera-se a chegada da VW Tarok. Como o presidente da VW América do Sul, Pablo Di Si, já confirmou que a fábrica da Argentina terá outro produto feito sobre a plataforma do futuro Taos, é grande a chance de termos por aqui o modelo que ficará entre Saveiro e Amarok.
Tanta empolgação em torno das picapes não é exclusividade do Brasil. O segmento é o queridinho também em outros países pelo mundo afora. Segundo estudo da consultoria Marketsandresearch.biz, o mercado mundial de picapes deve crescer entre 2020 e 2025 a uma taxa anual de 3,1%, bem acima da estimativa para os suves, que é de 2,4%.
Entendeu agora por que as picapes são à prova de crise?
ZC