O título de hoje, uma singela homenagem a Roberto Nasser (“De carro por aí”), vem na verdade com cinco meses de atraso. Era para ter saído em agosto, mas somente agora, depois de idas e vindas (e um empurrãozinho do Bob Sharp) resolvi escrever sobre a semana e os 1.500 quilômetros que passei a bordo de um suve pertencente a um amigo que gentilmente me emprestou.
Por razões éticas não revelarei o modelo do veículo (embora alguns adivinharão facilmente) e sei que abrirei a caixa de pandora, por isso de antemão quero ressaltar que trata de uma opinião exclusiva minha, Daniel Araújo, sobre um tipo de veículo em moda no Brasil e talvez, no mundo.
O carro
Peguei o suve branco um dia antes da viagem que fiz à capital de São Paulo. Como de praxe quando pego um carro que não me pertence, faço a inspeção visual. De cara, o pequeno suve me impressionou. Corpulento por fora, tinha um espaço até razoável (eu disse razoável, não superlativo) para os ocupantes, mas o porta-malas.é de dar inveja a um Volkswagen Polo… Mas para um carro daquele tamanho era para ter mais do que os 415 litros declarados. Senti saudade do Jetta e do seu latifúndio (de 510 litros) para malas…
Inspeção dentro do compartimento do motor me deixa a certeza que ali cabe um motor bem maior que o pequeno quatro-cilindros, 86 mm x 86 mm (igual ao Família II da GM), dois litros, injeção no duto, 160 cv, comando de válvulas com variador de fase na admissão e no escapamento. Chega a ser até estranho ter que olhar para baixo e enfiar a mão dentro do cofre para tirar a vareta de óleo…
Checo o combustível (tinha 1/4), encho o tanque, zero o hodômetro parcial e vejo quantos litros couberam para mais na frente verificar “o quanto o ponteiro abaixa”, para ter a sensibilidade do quanto o veículo consome em relação a quilometragem rodada. E vamos à volta de ambientação!
Partida no motor, suave, embora com ronco forte, áspero (não é nenhum ronco estilo motor CHT), mas não incomoda. Câmbio em Drive, pé no acelerador e o motor sobe rapidamente para 4 mil rpm, onde permanece enquanto ganha velocidade. Bingo! Câmbio CVT adaptativo (meu amigo dirige estilo motorista de Uno com escada no teto: acelerador on/off). Logo ele se acostumará à minha tocada.
Continuo estranhando o excesso de lata do carro: parece sempre que vou esbarrar o canto dianteiro direito em algum lugar… Mas logo me acostumo.
Quanto à viagem, seguiu normalmente. Alguns balanços aos quais quem já dirigiu carros altos em relação às bitolas está acostumado, mas tudo na normalidade.
Divertido é brincar de câmbio CVT: Na saída do pedágio acelera-se progressivamente e o câmbio deixa o motor trabalhar até uma certa rotação e permanece nela até o veículo atingir a velocidade desejada. Me senti num avião com motor a reação: full power na decolagem e ao atingir a razão de subida e velocidade desejados, desacelera o motor. Isso sem falar que o câmbio era bem espertinho e aprendeu relativamente rápido meu estilo de tocada.
O desempenho do carro é até razoável considerando pesar 1.375 kg vazio (versão 4×2), embora peso por peso sentisse melhor a cavalaria do meu ex-Jetta 2-L 116/120 cv com seus 1.340 kg em ordem de marcha, talvez pela competência do ajuste feito pela Volkswagen no câmbio Aisin TF60SN do Jetta (3 anos, 100 mil quilômetros e nenhuma reclamação). Para um carro com 160 cv declarados, injeção no duto, comando duplo com variador de fase, confesso que esperava bem mais.
O consumo não chegou a me decepcionar, mas ficou longe de merecer elogios. Na média, fiz 11,7 km/L de gasolina (sem o uso de ar-condicionado) na Castello Branco e Marechal Rondon. Para um motor com tantos predicados, chega a ser constrangedor render menos do que eu obrinha no Jetta com seu ortodoxo 2-L EA113 8-válvulas — cerca de 13,5 km/L e alguma coisa acima de 10 km/L quando com álcool.
Dito isso, fica a pergunta: qual a vantagem de ter um suve? Na opinião de alguns, sinônimo do status (“Eu consegui! Eu cheguei lá!!”); para outros, a imponência de dirigir alguns centímetros acima dos mortais andando de Fiesta, Ka, Gol, Uno e demais carros comuns.
Meu amigo comprou esse carro por ser fazendeiro: das três propriedades que possui, duas têm alguns quilômetros de vias de terra em que um carro comum acaba dando as lixadas no protetor de cárter, daí a importância de uma altura de rodagem maior em relação ao solo. Mas a esmagadora maioria dos mortais talvez compre pela moda e imponência de estar “um degrau acima”.
Racionalmente falando, a maioria dos suves pequenos não oferece muito mais do que um sedã médio, tanto em termos de equipamento quanto em questão de desempenho. De superior, somente alguns quilogramas a mais de massa.
Nem a tração nas quatro rodas que deveria ser um diferenciador esses carros oferecem: à exceção do sistema de tração sob demanda do Ford EcoSport e do Mitsubishi ASX, nenhum deles tem essa característica, lembrando que o sistema de 4×4 sob demanda é útil e prático mas não se presta a um fora-de-estrada mais radical. Então, se quer pegar a Transamazônica ou passear na areia da praia, melhor pensar duas vezes.
O espaço interno dos suves compactos também é uma decepção. Exceto o Honda CR-V (esse sim, espaçoso internamente), os demais são compactos na literalidade da palavra. As duas malas que a Cássia, minha mulher, colocou dentro do porta-malas do suve ocupou todo o espaço. No Jetta, elas iam muito melhor acomodadas…
Aliás, já que falei na Cássia, ela adora dirigir (e dirige muito bem!), em especial, pegar estrada. Aliás, nos damos muito bem porque ela adora dirigir de dia e no seco e eu, à noite e com chuva, então nossas viagens sempre rendem. Mas voltando a ela, a sua opinião foi desfavorável ao comportamento do suve na estrada. Segundo ela mesma disse, não deu segurança, se sentiu dirigindo um carro que não parecia “estar na mão”, definição essa que eu achei interessante e por isso a transcrevi.
As peruas modernas representam o melhor daquilo que a indústria já fez e não oferece mais, nem aqui. è uma raça em extinção no mundo exceto na Alemanha. Com um comprimento de apenas 20 cm a mais do que o suve que rodei por aí, a VW Golf Variant tinha um espaço interno semelhante e com algo notável: mais de 600 litros de espaço de porta-malas. Tudo isso com um comprimento 10 cm maior que o de um Virtus (que por sinal é dono de um senhor porta-malas, 521 litros).
A extinta Fiat Weekend, uma perua que não pode ser classificada de “grande”, tem um bom espaço para quatro pessoas e 460 L de porta-malas, atendendo perfeitamente o conceito de carro familiar. Deixou uma legião de fãs
Sinceramente não consigo encontrar uma explicação racional para a popularização dos suves pequenos. Se ainda a vantagem fosse, por exemplo, o uso do diesel (algo que eu acho uma verdadeira aberração não podermos ter em automóveis no Brasil) eu até considero absolutamente justificável a opção por um (leia-se Compass, Renegade), mas ter um suve por status… Já passou a fase. Como diria meu avô João, “já está virando carne de vaca”.
Vamos ver quanto tempo durará a “onda suve” no mercado.
DA.
(Atualizada em 28/12/20 às 21h10, correção de informação no texto, injeção de combustível é no duto e não direta)