Ao ver as notícias do governador de São Paulo vindo a Campinas para inaugurar 32 quilômetros de marginais da rodovia Dom Pedro I, fiquei surpreso. Primeiro, porque é um local do meu dia a dia, portanto sei que não tem essa extensão toda. Pelo que entendi são 8 quilômetros de marginal de cada lado da rodovia, com duas faixas de rolamento em cada lado. E no melhor estilo político que aumenta, mas não inventa, fez a multiplicação 8 x 2 x 2 para chegar aos 32 km.
A segunda surpresa do anúncio foi enaltecer que toda melhoria foi feita sem a utilização de dinheiro público, e sim utilizando verbas da concessionária. Mas de onde vem o dinheiro que as concessionárias utilizam para fazer investimentos e manutenção? Vem dos pedágios. E quem paga pedágio? São os mesmos cidadãos que pagam ICMS na compra do carro, no combustível, nas peças de manutenção, e IPVA,sem contar os outros inúmeros impostos. Portanto, isso é dinheiro público também.
Os mais velhos hão de se lembrar da Taxa Rodoviária Única (TRU) que foi implementada, e posteriormente extinta para dar lugar ao IPVA. Era a taxa única de conservação das estradas e não poderia ultrapassar a 2% do valor venal do veículo. A TRU juntamente com o pedágio foi considerada inconstitucional pois era um bitributação. Já o IPVA — Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, que equivale a 4% do valor do veículo, juntamente com pedágio, pode ser cobrado, pois um é imposto e o outro é taxa de uso. Vai entender essas lógicas das nossas leis…
Com a concessão das rodovias para a iniciativa privada, diziam que o estado passaria a ter o papel de fiscalizador. Os antigos órgãos como DER devem garantir que as rodovias sejam mantidas em condições de segurança para os usuários. Mas será que isso acontece como gostaríamos? Usando o exemplo do Estado de São Paulo, onde temos as melhores rodovias do Brasil é possível ver que isso não acontece dessa maneira.
Na extensão da rodovia Dom Pedro I em Campinas existe o anel viário José Roberto Magalhães Teixeira (SP-83) administrado pela mesma concessionária e conecta a primeira com a rodovia dos Bandeirantes. O último trecho entre Anhanguera e Bandeirantes foi inaugurado há apenas cinco anos. Apesar de ter pista dupla com canteiro central de mais de 4 metros de largura, a velocidade limite é de 100 km/h. Poderia ser 120 km/h, mas ficaria inseguro, pois as depressões nas entradas e saídas de pontes são notáveis, mesmo com apenas cinco anos da inauguração e com tráfego leve de veículos.
Recentemente, na avaliação da S10 High Country, notei a desativação do controle de velocidade de cruzeiro a cada emenda de ponte. A amplitude da movimentação na suspensão é tão intensa que o sistema de controle de estabilidade e tração do veículo lê como algo anormal acontecendo, e o desativa por segurança.
Ainda em termos de segurança, tenho notado que a largura dos acostamentos está cada vez menor. Não chega a ser tão irrisório como na estrada entre Fortaleza e Jericoacoara, onde praticamente inexiste acostamento, mas está cada dia mais perigoso parar no acostamento para trocar um pneu, por exemplo.
Recentemente notei a SP-332 rodovia Zeferino Vaz recebendo uma nova capa de asfalto em alguns trechos. A minha alegria acabou ao transitar sobre esse novo asfalto. O ruído de rodagem, que é muito trabalhado pelos engenheiros de suspensão, pneus e ruídos e vibrações, fica terrível. Cheguei a medir um acréscimo de 3-5 dBA com um aplicativo de celular. Sem contar o aumento de ruído, que em viagens longas trará maior desconforto aos ocupantes do veículo, senti que esse novo asfalto prende o carro. De que adianta tanto trabalho das áreas de Energia nos fabricantes de carros e pneus para cumprir com os objetivos impostos por programas como o Inovar-Auto se as concessionárias de rodovias não estão no mesmo compasso. Toda possibilidade de economia de combustível está indo para o buraco.
Está mais do que na hora do nosso poder público entender que não existe dinheiro público, e sim o dinheiro de quem paga suas taxas e impostos, sejam estes de maneira direta ou indireta. Os usuários de veículos automotores em geral e principalmente os autoentusiastas gostam de trafegar por vias seguras, bem sinalizadas e modernas, seja para cumprir com seu papel laboral e rodar a economia do país, ou para fazer turismo.
Seria interessante ver que na construção de novas rodovias, ruas, avenidas e ciclovias, ou até mesmo em suas duplicações, extensões ou melhorias, observadas as regras mínimas para acomodar o tráfego cambaleante dos veículos em seus diversos portes. A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas e o DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes têm regras para essas construções, assim como o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) têm as normas de sinalização viária. Mas parece que os engenheiros das concessionárias e dos DERs não foram a essas aulas na faculdade.
Os DERs, que deixaram de ter o papel de manutenção das rodovias, devem cumprir com seu papel de fiscalizar o que está sendo feito pelas concessionárias, e acompanhar as mudanças de fluxo de veículos para definir novas necessidades. Atualmente no Estado de São Paulo vejo o DER fiscalizando apenas a velocidade dos veículos com inúmeros radares portáteis que se reproduzem como roedores.
A grande melhoria que os usuários da rodovia Dom Pedro I em Campinas esperavam que com as novas marginais provessem um melhor fluxo dos veículos, sem os constantes congestionamentos que acontecem no final da tarde. Mas isso não irá acontecer, pois apesar da nova marginal, as agora 5 faixas (3 via expressa e 2, marginal) se afunilam em 3 faixas sobre a ponte da estrada de ferro no final da via. Enquanto o próprio governador exalta o uso da ciência para algumas de suas atitudes, no fluxo de trânsito não segue a ciência quando esta diz que dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo espaço no mesmo tempo.
Talvez se olhassem um pouco mais para a natureza, onde os rios formam bonitos deltas na foz para que as águas encontrem os melhores atalhos para desaguar, não fariam o fluxo de tráfego das grandes vias terminarem em passagens estreitas, semáforos ou lombadas que só prejudicam o fluxo contínuo de veículos. E se pensarem que estamos entrando no ano 21 do século 21, já está na hora das rodovias seguirem o mesmo avanço tecnológico de segurança exigido para os veículos ora fabricados.
GB