É o caso desses dois Saabs. Eles são da primeira metade da década 1970. O 95 de 1971 e o 99, de 1973. Agora estão com o mesmo dono, Lennart, mas foram comprados há muitos anos separadamente. O 99, Lennart comprou em 1976, já usado com 75 400 km no hodômetro e foi o primeiro carro dele. O carro passou por um “teste” na vida bastante duro, chuva, neve, sal e sol. Todo os dias. até 2001, Lennart usou o carro. Vinte e cinco anos, nada mau, e agora o carro esta com quase — sim, sente-se — um milhão de quilômetros! Por que o carro não é um pedaço de lixo fora do garagem do Lennart ? Ele tem a resposta:
“Sim, o carro estava com um pouco de corrosão, mas nem tanto. Todo ano eu entrava embaixo de carro para jogar e injetar óleo de proteção. Mas em 2001 o carro estava bastante ”caído” e eu parei de usá-lo pensando que teria tempo no futuro para restaurar o 99.”
Sei de muitas pessoas que dizem isso e no final não acontece nada. Mas Lennart esperou 15 anos e em 2016 ele começou a trabalhar no carro. Por baixo ele trocou algumas peças de chapa, soldando um pouco, mas não tanto como se poderia imaginar. Esse tipo de Saab 99 costuma ficar bem pior no sal e eu perguntei como foi possível ter sido necessário soldar tão pouco. Lennart disse que a cada três anos ele repintava várias partes por baixo do carro, um trabalho fora do normal, sem dúvida, mas com certeza essa “manutenção” salvou o carro. E as portas? — pergunte a ele. Lennart diz que sim, é verdade, foram trocadas por portas melhores, ainda que usadas.
Com uma carroceria bem restaurada, Lennart pintou o carro na cor original, amarelo claro, uma cor que só tinha em 1973, é raríssimo ver um Saab dessa cor hoje.
Com muita curiosidade, eu gostaria de ver a área do motor e Lennart abre o capô, que abre para frente, como era nos Saabs antigos. Tive outra surpresa grande, o motor é do Triumph como era nos primeiros anos da época Saab 99. Eu pensava que em 1973 já era o novo motor 2- litros feito na Suécia. É evidente que errei nesse ponto.
— Como é possível fazer um motor de Triumph rodar 1 000 000 de quilômetros? — pergunto ao Lennart.
— Não um, quatro. Esse é o quarto motor do carro — diz Lennart — rodou uns 250.000 km e ainda funciona bem.
— Mas a junta do cabeçote não dá problema entre 100.000 km e 150 000 km nesse tipo de motor?
— Sim, acontece, mas dá para trocar, e depois o motor pode rodar uns 200 000 km mais.
Lennart me mostra uma foto que me parece do começo da década 1980. Nela Lennart e seu pai estão no meio do trabalho de colocar o segundo motor.
Mas isso de ver um motor Triumph num 99 de 1973 me confundiu. Sei que existiu o modelo bem básico chamado 99 X7 que usou pecas antigas e baratas, mas num 99 L normal, era assim mesmo? O motor sueco não saiu em 1972 ? — perguntei.
Sim, mas pelo que Lennart sabe não foi só o X7 que usou o Triumph 1,85-litro, e com certeza esse tipo de motor é original, mesmo que pareça estranho. Até 1974 havia os dois tipos, 1,85 e 2,0 no Saab 99. Outra coisa é que por fora o 99 não parece algo tão básico, o carro tem belas rodas do 900 EMS de época, 1980. De fato, na década 1980 Lennart era jovem e gostava de colocar itens mais esportivos no carro. Também os bancos e os instrumentos, como o conta-giros, vêm de um EMS (sigla de Electronic Fuel Injection Manual Sports). E o volante vem do catálogo ”Sport & Rally” que a Saab tinha naquela época.
No lado de fora do garagem do Lennart há mais um Saab, um 95 que parece bem original e muito bem conservado. O carro tem uma patina bem leve, o verniz e original, muito raro ver isso. Como é possível? A resposta se chama vida no norte (onde é frio demais para jogar sal nas ruas), e poucos quilômetros rodados. O carro só rodou 100 000 km até agora. Lennart conta a historia:
“Fiz uma visita bem lá no norte, a 1.500 km daqui, no outro lado do círculo ártico, e vi esse 95. Mas o dono não se queria se desfazer do carro. Estava rodando na mesma família desde novo, em 1971. E não é só porque ele nunca rodou no sal, o carro é pouco usado no inverno, “como se a porta da garagem tivesse uma maneira de grudar/colar fechada nesse período.”
Com pouco sol e sem sal, este 95 está numa ótima condição, por dentro e por fora. Lennart abre o porta-malas, que se encontra como se o carro estivesse toda a vida num museu. Embaixo do piso lá atrás há algo que faz do carro um dos melhores do mundo para famílias: um banco escamoteável para duas pessoas. Bem parecido com o Tesla Model S com equipamento extra, só que 50 anos antes.
— Posso sentar? pergunto a Lennart.
— Sim, claro, experimente!
Com curiosidade me acomodo lá atrás. Legal, aqui tenho espaço suficiente, mesmo tendo 1,80 m de altura. Para ter certeza pergunto a Lennart se ele pode fechar o porta-malas. Sim, mesmo com porta de carga fechada há espaço aqui. Sim, pode-se esquecer a segurança de um carro moderno, este é muito usável/prático, achei isso fantástico.
Comparar os dois carros assim, um ao lado do outro, é interessante. Mesmo sendo dois Saabs da mesma época, são muito diferentes. O 95 é um evolução lenta de um conceito desenvolvido na segunda metade da década 1940, depois da Segunda Guerra Mundial. A seção dianteira do carro foi alongada em 1965 para dar espaço para o motor V-4 que chegou em 1967. A parte traseira foi desenhada no final da década 1950. Isso é muito fácil de ver por o carro ter aletas, ou “rabos de peixe”, pois foi lançado em 1959, exatamente quando os “rabos de peixe” nos carros americanos eram enormes. Só que o Saab 95 ficou com os rabos de peixe de mesmo tamanho até 1978, quando o produção terminou. Uma amostra de como era uma fábrica pequena sem grandes vendas e pouco capital, “o prego usado para a sopa teve que ser usado muitas vezes nessa sopa de Saab”, como dizemos aqui na Suécia quando queremos dizer que algo não muda nunca.
Mesmo que fosse assim, ou pode ser por acaso, o Saab 99 foi um desenvolvimento totalmente novo, eram poucos parafusos iguais. A única coisa que é fácil ver que ficou igual foram os faróis e a alavanca do freio do mão de estacionamento. Sim, alguns anos depois o 99 e 95/96 usavam os mesmos bancos, e os para-choques de borracha eram quase iguais.
— Vamos dar uma volta com os carros, você quer dirigi-los? — o Lennart me pergunta.
— Sim, obrigado.
O Saab 96 (sedã do 95), conheço bem, tenho um. Mas um 99, quantos anos sem dirigir um? Acho que mais de 20. Já no momento em que toco o a maçaneta da porta posso sentir que esse 99 é mais antigo do que os 99 que eu conhecia antes. Atrás do volante sinto-me como se estivesse em casa, mas o volante, o eixo dele tinha com um ângulo tão estranho, quase “vertical? Minha memória não tinha isso registrado, não me lembrava. Os pedais que ficam quase no meio do carro e a chave de ignição localizada entre os bancos, isso ainda eram normais para mim. O motor pega bem e os 88 cv fazem um bom trabalho. A única coisa na estrada que me parece um pouco estranho é o ângulo do volante e ter que virá-lo muito mais nas curvas — a do 95 é muito mais rápida. Isso é resultado da falta de direção com assistência hidráulica e um peso maior sobre os pneus. No 99 do Lennart é ainda um pouco pior, pois como o carro tem volante esportivo e pneus 195 (original era 165). Mas o lado bom é se poder sentir muito bem o asfalto no volante, nada parecido com um Volvo da mesma época que tinha uma direção bem mais “americana”, sem nada se sentir do asfalto.
Mesmo o 95 e o 99 sendo bem diferentes, eles têm uma boa praticabilidade e ficam bem fora do que era um carro “normal” nessa época.
O Saab 95 é nos partes principais igual ao Saab 93/96 (o 96 chegou em 1960) e esses carros são evolução do Saab 92 de 1950, o primeiro automóvel Saab (a Saab começou fabricando aviões e continua até hoje)). O Saab 95 foi produzido de 1959 e 1978. Nos primeiros dois anos não tinham o defletor no final do teto, que chegou em 1961 para manter o vidro limpo. Em sueco o defletor era chamado de “cortador de queijo”. O último ano do Saab com motor tricilindro de dois tempos foi 1966 (depois passou ao V-4 quatro-tempos de 1,5 litro do alemão Ford Taunus). No total 110.000 Saabs 95 foram produzidos. A principal causa do fim do Saab 95 foi corrosão. Hoje em dia os modelos até 1964, o último ano com frente curto, são bem valorizados.
O Saab 99 começou a ser vendido como ano-modelo 1969. Nunca houve uma 99 perua, mas em 1974 chegou uma versão hatch, o 99 Combi Coupé, o nome oficial dessa versão. Em 1972 chegou o motor nacional de 2 litros e isso aumentou a qualidade do trem da força. Em 1978 chegou o carro que o departamento do marketing de Saab não queria, o Saab Turbo. Uns engenheiros fizeram um trabalho”às escuras” e mandaram o patrão mais alto na hierarquia da Saab dirigir um protótipo num fim de semana. Ele chegou todo feliz na segunda-feira: projeto aprovado. O último ano do 99 foi 1984, mas o Saab 90 praticamente um 99 com traseira diferente) foi produzido até 1987. Um total 589.000 Saabs 99 foram produzidos. Hoje em dia um Saab 99 Turbo sedã de 1979 e 1980 é muito valorizado.
HJ
FICHA TÉCNICA SAAB 95 E 99 | 95 V-4 1971 | 99 L 1973 |
MOTOR | Dianteiro, longitudinal à frente do eixo, V-4, bloco e cabeçote de ferro fundido, comando de válvulas no bloco, arrefecido a líquido,um carburador FoMoCo | Dianteiro, longitudinal, L-4,bloco de ferro fundido e cabeçotes de alumínio, comando de válvulas no cabeçote, corrente, arrefecido a liquido, um carburador Zenith-Stromberg 175 CD |
Cilindrada (cm³) | 1.498 | 1.854 |
Diâmetro dos cilindros e curso dos pistões (mm) | 90 x 58,9 | 87 x 78 |
Potência (cv/rpm) | 65 / 4.700 | 88 / 5.000 |
Torque (m·kgf/rpm) | 11,9 / 2.500 | 15 / 3.000 |
Taxa de compressão (:1) | 9,0 | 9,0 |
TRANSMISSÃO | ||
Tipo | Transeixo manual de 4 marchas com roda-livre desligável, alavanca na coluna, tração dianteira | Transeixo manual de 4 marchas, alavanca no assoalho, sob o motor, tração dianteira |
Conexão motor-transeixo | Embreagem monodisco entre motor e transeixo | Embreagem monodisco à frente do motor |
SISTEMA ELÉTRICO | ||
Tensão (V) | 12 | 12 |
Gerador | Alternador | Alternador |
SUSPENSÃO | ||
Dianteira | Independente, triângulos superpostos, mola helicoidal | |
Traseira | Eixo rígido, mola helicoidal | |
DIREÇÃO | Pinhão e cremalheira, 2,7 voltas entre batentes | Pinhão e cremalheira, 3,7 voltas entre batentes |
FREIOS | ||
Operação | Hidráulica, servoassistência a vácuo | |
Dianteiros | Disco | Disco |
Traseiros | Tambor | Disco |
De estacionamento | Na traseira | Na dianteira, tambor no interior do disco |
Pneus | 5.60-15 | 165-15 |
CONSTRUÇÃO | Monobloco em aço, 2 portas, 7 lugares | Monobloco em aço, 2 portas, 5 lugares |
DIMENSÕES (cm) | ||
Comprimento/largura/altura/entre-eixos | 430 / 158 / 148 / 250 | 438 / 169 /144 / 247 |
Bitola dianteira/traseira | 122 / 122 | 139 / 140 |
PESOS E CAPACIDADES | ||
Peso com motorista (kg) | 1.070 | 1.200 |
Tanque de combustível (L) | 42 | 45 |
DESEMPENHO | ||
Aceleração 0-100 km/h (s) | 17 | 15 |
Velocidade máxima (km/h) | 140 | 160 |
Preço (coroas suecas) | 19.100 (em 1971) | 23.400 (em 1973) |