Na semana passada surgiram algumas dúvidas quanto à questão incluída como alteração no Código de Trânsito Brasileiro, que eu ainda preferiria chamar de Código Brasileiro de Trânsito, como meus leitores mais assíduos sabem.
Dúvidas não quanto à nova norma, que permite as conversões à direita mesmo com o sinal vermelho, mas quanto a como isso funciona no Exterior. Aqui no Brasil, com a nova norma, será sempre permitido, em todos os Estados e municípios, exceto quando houver sinalização em contrário. Como diria aquele comentarista de arbitragem, a regra é clara.
Mas, e como é em outros países? Em primeiro lugar, permissão para virar à direita com o sinal fechado para seguir em frente é algo pouco frequente — o paraíso desse tipo de conversão são os Estados Unidos e o Canadá. Fora desses dois países, geralmente luz vermelha é “pare onde está e não se mexa até a luz ficar verde”.
Pessoalmente, acho complicado cada vez que se abre uma exceção, seja para qualquer coisa. No caso das conversões mencionadas, acho que deveria haver uma sinalização clara — pode ou não pode? Por isso não gosto do sistema vigente nos EUA nem no Canadá. Justamente porque tem exceções. Entendo um país inteiro permitir virar à direita com o sinal fechado. Também entendo um país inteiro proibir virar à direita com o sinal fechado. O que me mata é quando é proibido somente em algumas cidades. Ou o contrário.
Compreendo perfeitamente o regime federalista e convivo bem com ele, mas acho que normas, especialmente aquelas que afetam quem vem de fora, deveriam ser totalmente claras e, de preferência, nacionais. Afinal, é de se supor que estrangeiros poderão dirigir nestas paragens em viagens de férias ou a trabalho. Pelo mesmo motivo não gosto de placas de sinalização “regionalizadas”. Já abordei esse assunto aqui, inclusive com diversos exemplos. Prefiro a padronização dos sinais de trânsito.
Tenho uma certa mania de organização, reconheço, que não chega a ser TOC por mais que eu brinque com isso. Mas neste caso, minha insistência em padronizar algo é uma questão de clareza mesmo. No Canadá é permitido fazer conversão à direita sempre – exceto quando há sinalização proibindo virar. Parece simples, não? Mas, porém, contudo, todavia, entretanto… na ilha de Montreal inteira é exatamente o oposto: sempre é proibido exceto quando há sinalização em contrário.
A ilha abriga a cidade de Montreal, além das cidades de Dorval, Mont-Royal, Westmount e Laval, entre outras que, na verdade, são municípios, mas praticamente bairros da cidade de Montreal propriamente dita. A ilha toda tem somente 500 quilômetros quadrados — o país tem 10 milhões de quilômetros quadrados — e, no entanto, é a exceção da exceção. Para aumentar a confusão, a proibição é exclusivamente na ilha de Montreal — não apenas na cidade de Montreal, que fica dentro da ilha de mesmo nome, nem na província de Montreal, onde estão ambas e que inclui cidades como Québec. Ou seja, confusão total.
O Canadá é um país sui generis. Eu, pessoalmente, adoro. Gosto de tudo, de sua geografia, das cidades (Ok, Toronto é meio burocrática, mas ainda assim muito interessante), e um povo maravilhoso. Mas é sui generis. Tem dois idiomas oficiais, sinalização de trânsito bilíngue e uma grande parte de seus habitantes que querem se separar do resto do país — especificamente, os descendentes de franceses. Até as placas dos carros fazem menção a isso e tem o dizer que é a frase marcante da província :“Je me souviens” (eu me lembro). Mas, diferenciar apenas a ilha de Montreal numa norma de trânsito me parece separatista demais, não?
Outra curiosidade desta exceção está especificada no código de trânsito e consta das páginas oficiais do governo de Montreal. Cito textualmente: “Conversão à direita quando o sinal estiver fechado é um privilégio, não uma obrigação”. O motorista deve, especificamente, respeitar a decisão de outro motorista que não queira fazer a conversão. É terminantemente proibido buzinar para pressionar o outro condutor a se movimentar. Em texto tipicamente canadense pela gentileza e bondade, a norma diz que buzinar nestas condições “não é apenas rude, mas também é uma infração sujeita a multa de $ 100 a $ 200 por utilizar a buzina sem uma razão válida”. Nem preciso mencionar que é obrigatória a parada total do veículo antes da conversão, dar preferência aos pedestres e ciclistas e aos veículos que vierem pela via transversal. Educação canadense é outra coisa.
A mesma confusão acontece na cidade de Nova York, onde é proibido virar à direita com o sinal fechado exceto se há placa permitindo a manobra — ao contrário do resto do país, onde é permitido exceto quando indicado em contrário. Vejam bem, caros leitores, na cidade de Nova York. Não no estado de Nova York, nem em Manhattan, mas na cidade toda — ou seja, a proibição inclui os distritos de Queens, Bronx, Brooklyn e Manhattan — não faz muito tempo Staten Island saiu desse grupo e autorizou a conversão.
Há uma centena de ruas onde a manobra pode ser feita — mas em todas elas há uma placa que especifica a permissão. Mas como exceção pouca é bobagem, nem todo os veículos podem fazer a conversão no sinal vermelho, mesmo quando há placa autorizando. Ônibus escolares e caminhões que transportem cargas perigosas não podem, nunca, em nenhuma cidade nem Estado dos EUA virar à direita no sinal vermelho. Nos últimos anos, algumas cidades têm feito testes para permitir que os ônibus possam virar, mas ainda há muita controvérsia. Há de se entender que ônibus escolar nos Estados Unidos tem uma série de exceções e normas próprias. Lá eles levam muitíssimo a sério a segurança das crianças e há todo tipo de cuidados com elas. Felizmente, parte das obrigações dos outros motoristas estão expressas na carroceria do próprio ônibus — tais como uma placa “Pare” retrátil que é aberta pelo motorista do coletivo, para ficar bem visível, quando o veículo para numa via de mão dupla e pista simples, obrigando todos os motoristas dos dois sentidos da pista a parar até que o ônibus se movimente.
Também visando à segurança (e facilitar a vida dos demais motoristas) os ônibus tem um adesivo na parte traseira que diz que leis estaduais proíbem a conversão no sinal fechado — um aviso para que quem vem atrás espere pacientemente na esquina.
Quando viajo faço questão de me informar previamente sobre as leis de trânsito do meu lugar de destino, mas algumas são realmente confusas. Por isso, foco nas principais e, nestes casos, se não tiver certeza absoluta de se posso ou não fazer a conversão, não a faço. Só espero que o motorista de trás não seja um canadense, pois se não ficaremos ambos parados até o sinal verde.
Mudando de assunto: o campeonato de Fórmula 1 deste ano promete — mas me refiro às corridas, não necessariamente aos resultados e muito menos a quem vai ficar com o primeiro lugar. Acho Lewis Hamilton um piloto excepcional, que tem um carro excelente, mas, principalmente, me deixa abismada a boa sorte do inglês. Mesmo quando ele erra, como aconteceu no domingo, é favorecido por uma bandeira vermelha que o coloca de volta na corrida. No GP de Emilia-Romagna confirmei minha teoria sobre o talento de Lando Norris, a garra meio sem noção de Max Verstappen e a humildade de George Russell, que depois de abalroar Valteri Bottas acabou fazendo um lindo pedido de desculpas, embora para mim não tenha ficado totalmente clara a culpa do inglês.
NG