Começo a coluna nessa quinzena contando para vocês uma das experiências mais fantásticas que tive recentemente como jornalista automobilístico e, acima de tudo, como um entusiasta do mundo dos motores e dos carros em geral. Algo que certamente ficou marcado na minha memória e tive a felicidade de poder eternizar através de vídeo e imagens.
A paixão por carros começa na infância. Isso é fato. Para mim desde muito cedo foi assim e acredito que para a maior parte dos nossos leitores, também. Na infância também temos aqueles modelos preferidos, seja na revista, em alguma miniatura na estante ou em um pôster na parede. Para quem cresceu na década de 80, como foi o meu caso, as três coisas.
Nesse sentido eu tenho alguns modelos na minha lista de desejos automobilísticos. Não para possui-los em minha garagem, já que estou satisfeito com os meus clássicos, mas para ter oportunidade de dirigir e, claro, poder compartilhar a experiência. O Superbird era um deles.
A ideia dos mescle cars surgiu em meados da década de 60. John DeLorean, na época executivo da General Motors, pensou que seria divertido colocar um motor com muitas polegadas cúbicas em um tradicional modelo da linha. Dessa forma nasceu o Pontiac GTO. Na esteira ele as marcas apostaram em algo que deu certo e se tornou um nicho de mercado.
Com a gasolina barata e o poder de compra em alta, Detroit não perdeu tempo e criou algumas das maiores maravilhas automobilísticas. Todas as marcas investiram pesado para criar motores grandes cheios de potência e torque. Coube ao lendário Carroll Shelby e a frase que sintetiza bem todo período: “Não há nada como polegadas cúbicas”.
A Mopar foi uma delas. Com os motores de 440 polegadas cúbicas (7,2 litros) e também o de 426 polegadas cúbicas (7 litros). Este último o icônico Hemi, por conta das câmaras de combustão hemisféricas, foi criado para as pistas e se tornou um monstro nos circuitos ovais. Em breve falarei aqui sobre a minha experiência a bordo de um Dodge Challenger equipado com este motor histórico.
E por falar em circuitos ovais no final da década de 60 a Ford estava dominando a Nascar. O Torino era uma lenda das pistas e com o seu motor 427 e dava canseira para os modelos da Dodge e Plymouth. Foi aí que surgiu a ideia do clássico da matéria.
Mas como criar algo ainda mais rápido? A ideia foi instalar um kit aerodinâmico, tanto na dianteira quanto na traseira, para aumentar o downforce e melhorar substancialmente o coeficiente aerodinâmico. Isso explica o enorme e belo aerofólio, que tem uma função técnica e pode ser regulado de diferentes maneiras.
O primeiro projeto trazendo essa ideia para as pistas foi o Dodge Daytona, em 1969. No ano seguinte o Superbird ganharia as ruas. Para nossa felicidade o regulamento exigia a produção de 500 exemplares para homologação. A Plymouth fez mais chegando ao total de 1.935 unidades. Ele podia vir equipado com o 426 e duas opções do 440, uma delas com 375 cv e a outra com 390 cv. Ambas utilizavam o Six-Pack, conjunto formado por três carburadores de corpo duplo.
O resultado nas pistas não demorou a chegar. Na temporada de 1970 o Superbird venceu 18 corridas e terminou entre os 10 primeiros em 31 provas. Além disso trouxe o lendário Richard Petty para o lado Mopar da força. Missão completa!
O exemplar da matéria chegou ao Brasil há pouco tempo. Ele está em uma coleção de muito bom gosto que também conta com outros muscle cars lendários. Com o tempo contarei essa história em detalhes para vocês. O mais legal é que o proprietário atual é o terceiro dono e o carro foi completamente restaurado no Texas.
Debaixo do capô nós temos o motor de 440 polegadas cúbicas, 6-pack e uma configuração ainda mais radical. Esse carro recebeu um kit stroker (virabrequim com manivelas mais longas para aumentar o curso dos pistões e bielas correspondentes), forjado, e o motor conta agora com cabeçotes de alumínio. São 505 polegadas cúbicas (8,3 litros!)
Mas vamos às sensações ao volante. Assim que entrei no carro e fechei a porta pesada, puro aço de Detroit, já estava imerso em uma atmosfera especial. O painel dos Road Runners cresce na frente do motorista, ao contrário dos pony cars, onde a posição de guiar é um pouco mais elevada. Mas a ergonomia também é muito boa.
Girei a chave. O big-block ganha vida. Ele é o segundo veículo equipado com o 440 V-8 que tive a oportunidade de guiar e esses carros são realmente incríveis. Mais do que um simples meio de locomoção, os muscle cars têm — verdadeiramente —- algo especial e uma energia bastante própria.
Vale destacar aqui a caixa manual. Curiosamente o Dodge Challenger 1971 que havia guiado com a mesma mecânica também trazia esse tipo de câmbio bastante apreciado por todos aqueles que gostam de sentir, quase que literalmente, o carro nas mãos.
Deixei o V-8 ronronando em marcha-lenta por alguns segundos. Uma pisada de leve no acelerador movimenta lateralmente toda a carroceria. A alavanca de câmbio com o chamado pistol grip, é algo à parte. Também um elemento que soma nessa experiência singular. Quem assistiu ao filme “Corrida contra o destino” (Vanishing point, 1971) entende exatamente a que me refiro.
Com toda essa potência e torque seria possível até sair em quarta marcha. Mas não seria divertido, sem dúvida. Algo interessante sobre esse contato inicial é que o carro é extremamente dócil para dirigir, ao contrario do 426 Hemi que prefere rotações mais elevadas. Importante ressaltar que, em 1970, ele teve uma primeira dona. Ah, essas mulheres entusiastas são demais.
Mas é na hora de acelerar que sentimos uma parte do potencial desse conjunto. Ele tem pneus diagonais e, sem dosar muito acelerador, faríamos uma daquelas tradicionais arrancadas no melhor estilo norte-americano, marcando o asfalto.
Mesmo assim deu para notar — você vê claramente no vídeo —que o corpo cola no banco a cada aceleração. O conta-giros sobe juntamente com o batimento cardíaco e o som do V-8 ecoa pela rua de uma maneira fenomenal. A combinação de 8,3 litros, câmbio manual e uma boa pitada de história fez dessa uma das experiências mais incríveis que tive nesses 14 anos de estrada. Fecho o texto com a máxima criada pelo marketing e repetida por entusiastas mundo afora: Mopar or no car.
GDB