Ultimamente tenho encontrado enormes dificuldades na área de serviços. Quem me conhece sabe como posso brigar pelos meus direitos com unhas e dentes e, reconheço, tenho feito muito isso. O mais recente caso (ainda tenho outros correndo paralelamente, depois conto como acabaram) é com a operadora de TV a cabo. Tenho um pacote bastante amplo de canais mas, dias atrás ao tentar continuar vendo um seriado que vinha acompanhando no sistema on demand, percebi que ele havia mudado de canal para um que não existia até pouco tempo atrás e, claro, é “fechado” dentro do meu pacote.
Comecei a procurar outros seriados que estavam na minha lista mental de coisas a ver e alguns que já tinha visto e, para surpresa de ninguém, eles haviam migrado para esse canal que nem chamo “canal pago”, mas sim “canal pago duas vezes”. Ou seja, teria de desembolsar ainda mais para assistir à programação que já via pelo valor da mensalidade até o dia exatamente anterior. Porque foi de um dia para outro e, obviamente, sem nenhum aviso nem redução da mensalidade — perdi opções que tinha, mas continuo pagando integralmente. Querem me obrigar a fazer um apgrêidi para saber como acaba o seriado. Não, me recuso.
Eis que começam os problemas: com quem reclamar? Tentei os canais mais óbvios da Vivo e, claro, não há opção para esse tipo de problema. Incrível como eles sempre sabem onde me achar, mas quando eu quero achá-los são mais invisíveis que uma agulha num palheiro. Fui então para as redes (anti) sociais onde o máximo que consegui foi uma resposta mais ou menos assim: “essa questão é com as programadoras e nós não podemos fazer nada”.
Mas eu assinei o contrato com a Vivo para um determinado número de canais e de programas. Quem está quebrando o contrato é a Vivo, pois ainda que fosse uma ação das programadoras, ela deveria assumir o ônus ou se entender com essa entidade ectoplásmica chamada programadora e cumprir o que contratou comigo. Eu não deveria ser prejudicada”. Resposta: cri-cri-cri (silêncio, algo frequente para este tipo de caso). Ainda vou continuar brigando, mas preciso procurar outros, paradoxalmente, canais. Mas certamente será um árduo caminho, pois procurei no site Reclame Aqui e encontrei 47.200 reclamações contra a empresa somente nos últimos seis meses e zero, exatamente zero, respondidas. Por isso caio na gargalhada quando vejo entrevistas de executivos que falam na importância do atendimento ao consumidor, a constante busca pela melhoria da qualidade e outros bla-bla-blas.
A Folha de S.Paulo começou a fazer o mesmo. Uma amiga que tem assinatura tentou acessar uma sessão do jornal e se deparou com uma mensagem que tem de fazer um apgrêidi para poder ler essa parte do jornal. Obviamente, quando ela fez a assinatura foi para ler o jornal todo e o valor foi pago integralmente.
Agora esse tipo de obrigação chegou à indústria automobilística: a Volkswagen está analisando a possibilidade de cobrar aluguel para liberar o modo autônomo de seus veículos. Assim, a partir de 2022, os modelos elétricos e autônomos terão funções pagas mensalmente — inicialmente € 7 por hora. Você paga o carro, mas para usar certas funcionalidades tem de pagar novamente – e constantemente. Isto é levar a questão de itens opcionais ou versão topo de linha a um novo patamar que nem sei como classificar. Opcional topo de linha on demand? Sugestões para a redação.
Para mim no caso da TV a cabo, do jornal ou do carro, a questão é a mesma: mudança de regras no meio do caminho e, claro, unilateralmente. Se eu comprasse um carro autônomo (foto de abertura) que fosse um modelo “pé de boi” e depois adquirisse novas funcionalidades, não veria problema em pagar por cada uma delas. Mas para que comprar um carro muito mais caro do que os convencionais e depois ter de pagar de novo a cada funcionalidade? Parece aquelas ofertas de passagem aérea baratinha, sem bagagem nenhuma, 43 conexões, taxas aeroportuárias não incluídas, cobrança de marcação de assento à parte, cobrança até de copinho de água mineral a bordo, taxa de emissão da passagem, cobrança de tarifa de combustível (quase caí nessa uma vez ao trocar milhas por passagem) e outras coisas que só a mais criativa mente é capaz de bolar. Aliás, a Ryanair chegou a pensar em cobrar dos passageiros pelo uso do banheiro então, com perdão do trocadilho, o céu é o limite quando se trata de criatividade das companhias aéreas.
A ideia da VW não é pioneira. A General Motors já cobra por serviços assim em algumas cidades dos Estados Unidos. No caso do modelo elétrico Chevrolet Bolt pode-se optar por uma direção, digamos, convencional, ou pagar uma tarifa extra para usar a condução semiautônoma em condições de trânsito intenso por cerca de US$ 25 mensais. A empresa também cobra US$ 20,80 mensais para a utilização do sistema Super Cruise, que tem câmeras, radares e sensores para acelerar, frear e dirigir o carro dentro da faixa de rolamento. Mas este serviço é cobrado após três anos de uso do carro.
A Ford tem o sistema Blue Cruise para os modelos Mustang Mach 1 (foto 3) e F-150. Por US$ 600 para uma assinatura de três anos e mais US$ 995 em um pacote extra. Mas todos estes valores mudam em função do país, do modelo e do fabricante.
Não desconheço a praticidade de se ter algumas funcionalidades por períodos determinados – sei lá talvez depois de uma cirurgia de joelho possa valer a pena ter um carro que dirija parcialmente sozinho e depois da recuperação voltar ao modo normal — mas não encontrei nenhum contrato com esses detalhes. No caso da operadora de TV a cabo é passagem só de ida: depois de feita a mudança, não se pode voltar para o pacote mais simples. O mesmo com quase todos os serviços que conheço incluindo convênio médico, então faria questão de ler as letrinhas mais miúdas antes de aderir a algo assim.
Entendo que a indústria automobilística procure alternativas para reduzir preços, mas não vejo como isto vá acontecer. Minha natural desconfiança, minha longa experiência com serviços de atendimento ao cliente e a mera observação me dizem que passar a opcionais itens que antes eram de série nunca reduz preço nenhum. Atire a primeira passagem quem pagou menos em algum deslocamento depois que se eliminou a franquia de despacho de malas — no máximo, a pessoa pagou menos do que alguém com mala, mas não menos do que pagava antes, com mala e tudo. Então, caros leitores, desculpem meu ceticismo. Na teoria essas coisas são lindas e tudo vai ficar mais barato, pagaremos preços mais justos os que viajamos com pouca ou nenhuma bagagem, mas na prática acabamos pagando duas vezes.
A redução de custos é algo a ser buscado sempre e não posso deixar de mencionar o imbróglio jurídico que envolve os carros autônomos, território onde há muito espaço para prejuízos milionários. Afinal, em caso de acidente, quem é responsável? Quem deve pagar as indenizações? O motorista, que não estava no controle do veículo, ou o fabricante do carro, que criou o sistema autônomo? E como as seguradoras reagirão a esta novidade? Afinal, trata-se de um limbo legal que, se adotado no Brasil, nos levará a discussões bizantinas intermináveis. Já vejo suas excelências do STF analisando batida de carro em cruzamento em intermináveis sessões televisionadas…
E aqui vai um parêntese. No Brasil, mas não apenas aqui, a legislação obriga o motorista a conduzir o veículo e a assistência é permitida apenas como um aparato de auxílio à condução. Ou seja, ainda dependemos de mudanças no marco jurídico, mas assim como houve mudança nas telecomunicações e no transporte aéreo, pode ser que um dia tenhamos leis sobre o assunto. Novamente, prevejo longas sessões do STF sobre assuntos tão constitucionais como direção autônoma (modo irônico ativadíssimo).
Mudando de assunto: como muitos aqui sabem, coleciono miniaturas de Fórmula 1 e já havia notado que, mesmo comprando na mesma escala, tenho carrinhos de tamanhos totalmente diferentes. Aqui encontrei uma boa comparação que explicita minha impressão:
NG