Corria o ano de 1953. Enquanto a América mergulhava numa fase de prosperidade e a juventude delirava com os primeiros acordes de rock and roll, a GM lançava no Motorama, em Nova York, um carro que se tornou um verdadeiro ícone de sucesso: o Corvette. O novo modelo despertou a atenção da imprensa e do público, já que rompia com o tradicionalismo da indústria americana, apresentando uma carroceria fabricada com um novo material — o plástico reforçado com fibra-de-vidro, ou fiiberglass-reinforced plastic — para dois ocupantes.
A empresa equipou o carro com um motor de seis cilindros em linha de 235 pol³, ou 3,9 litros — conhecido também como “Blue Flame”— que não obteve o êxito esperado. A potência de 150 cv brutos não atendia às expectativas da molecada, ávida por velocidade e fortes emoções debaixo do pé direito. Curiosamente, com uma produção total de somente 300 unidades, essa se tornou a geração mais rara e valorizada com o passar do tempo.
O esperado motor V-8 de 265 pol³, ou 4,3 litros, só viria em 1955, despejando quase 200 cv brutos de potência. Um small block poderia ser a solução para o desempenho, mas o esportivo mesmo assim não emplacou, com a produção inferior a 1.000 unidades.
Para o ano seguinte, a marca resolveu dar uma guinada: carroceria bicolor, teto removível e novo conjunto ótico. Enquanto as rádios tocavam Heartbreak Hotel e Elvis Presley se consagrava como rei, ele ganhava uma nova opção de motor, chegando aos 225 cv brutos. Desta vez, a ideia deu certo e o Vette — como é carinhosamente chamado por lá — caiu no gosto do seu público-alvo.
Nos dois últimos anos da década, sofreu algumas mudanças no visual, como adoção de quatro faróis e grade com novo desenho. Além de chamativo, o esportivo se tornou mais potente, com o motor 283 V-8. O país também passava por um período de transição, marcando o fim de uma era do rock e o início de um novo tempo. E o modelo era parte desse novo contexto.
Os anos 1960 revolucionaram o mundo. A juventude rompeu com os padrões e criou seu próprio modo de vida. Os Beatles e Rolling Stones dominaram o planeta e o homem conquistou o espaço. O Vette acompanhou essas mudanças e se adaptou à nova era que chegava. A segunda geração do mito marcou presença em 1963, trazendo uma novidade que sacudiu o mercado: o Stingray.
Mas vamos estacionar na linha do tempo e falar sobre o exemplar desta matéria. O belíssimo conversível 1960 chamava a atenção no showroom da loja. Dizem que os homens têm uma relação de poder com os automóveis. Mas com este é diferente. Suas linhas seduzem os olhos e vamos — instintivamente — acompanhando a simetria de suas formas.
Sem medo de errar é possível afirmar que a geração de 1958 em diante é a mais bela de todas. Os quatro faróis dão uma identidade única ao carro e realçam sua personalidade esportiva. Some-se a isso a suavidade da parte traseira, que inspirou outros modelos e, claro, agrada igualmente aos olhos.
O habitáculo é pequeno, mas suficiente para um casal apaixonado ou um playboy em busca de aventuras. Sentado dentro dele, o mundo parece mais interessante. Ou seria o motorista? Aliás, o Corvette atual é bem maior que os primeiros, que se destacavam no trânsito em relação aos grandalhões da época.
O painel salta aos olhos. Tive que escrever isso. E é bastante ergonômico. O condutor pode observar o conta-giros — bem no centro — com atenção e também o ponteiro do velocímetro subindo com disposição. Mais quatro marcadores diversos estão posicionados por ali, de modo que é possível controlar a máquina sem deixar de dar uma espiadinha na minissaia de sua garota bem ao lado.
Nesse ano o esportivo tinha a opção de duas capotas, sendo uma de lona e outra rígida. Esse detalhe da capota vale outro parágrafo já que, até os dias de hoje, o equipamento com acionamento elétrico é opcional. Economia da empresa? Que nada. Isso pode ser chamado de tradição, já que o citado opcional apareceu pela primeira vez em 1962, mas nunca agradou aos puristas.
Na época em que foi lançado um modelo como este podia ser comprado pela bagatela de US$ 3.872 e foram produzidas mais de dez mil unidades. A cor Roman Red (número 506 A do catálogo) certamente foi a mais vendida. Ainda era possível escolher entre cinco configurações de potência e três opções de transmissão.
Se o leitor aprecia as minúcias, vamos a elas. O teto rígido saía por US$ 236,75 e a facilidade dos vidros elétricos custava apenas US$ 59,20. E para quem diz que os americanos preferem os automáticos, vale salientar que quase 52% dos carros comercializados em 1960 tinha câmbio manual de quatro marchas.
Além de ocupar uma vaga na garagem e nos corações, o modelo também foi destaque em uma popular série de TV. Route 66, estrelada por Martin Milner, foi sucesso por quatro anos e 116 episódios. Basicamente contava as aventuras de dois amigos pela famosa rodovia que liga Chicago a Santa Mônica, na Califórnia. Mas na verdade grade parte do sucesso se deveu ao carisma singular do esportivo
A legião de fãs do clássico pôde acompanhar seu amadurecimento, além das centenas de melhorias agregadas com o tempo. A geração atual reflete toda a tecnologia do presente com toques nostálgicos dos primeiros modelos. Nesses 56 anos ele passou pela vida de avós, pais e filhos, se tornando uma verdadeira lenda e, assim como a águia representa a liberdade, o Corvette é o símbolo do sonho americano sobre quatro rodas.
GDB