Reza a lenda que a história de borrifar champagne logo depois de chegar ao pódio na Fórmula 1 começou em 1967 quando os pilotos americanos Dan Gurney a A.J. Foyt venceram a 24 Horas de Le Mans com Ford GT40, e em vez de Gurney simplesmente beber o espumante resolveu chacoalhar a garrafa e incluir os mais próximos no festejo.
A história de celebrar vitória desta forma na Fórmula 1 começou em 1950 quando produtores de champagne francês se uniram para associar a imagem da bebida à comemoração e ao glamour que a categoria proporcionava. Assim, em 2 de julho de 1950 o Grande Prêmio da França, corrido naquele ano em no circuito de Reims-Gueux, em Marne, na região de Champagne, começaram a ser entregues aos três primeiros colocados na prova garrafas da bebida no pódio.
O argentino Juan Manuel Fangio, que depois ganharia cinco vezes o campeonato mundial, recebeu uma garrafa destas pela primeira vez, além dos cumprimentos diretamente dos primos Paul Moët e Frédéric Chandon. O sobrenome já diz tudo, não?
Se você não se lembra desse circuito, não se preocupe. Você não está só. A pista de Reims-Gueux foi construída em 1926 e sediou apenas 11 corridas de F-1 entre 1950 e 1966. Por lá correram (e venceram), além de Fangio, grandes nomes como Jack Brabham, Jim Clark e Bruce McLaren, mas infelizmente foi abandonada há tempos.
Há décadas comemora-se o pódio com bebida (foto de abertura), mas nem sempre é champagne. Desde sempre, houve de tudo no pódio: na 500 Milhas de Indianápolis, a comemoração é com leite, mas já houve suco de laranja. Na Fórmula 1 já teve cerveja, água de rosas frisante e diversos tipos de espumante.
A tradição do leite na 500 Milhas começou em 1936, quando o vencedor da prova, Louis Meyer, que havia sido criado bebendo leite, pediu a bebida para se recuperar das mais de 4 horas de prova — e foi atendido. Como sói acontecer, alguém bom de Marketing na indústria de laticínios viu nisso uma oportunidade de alavancar as vendas do produto e conseguiu colocar o produto para que os vencedores da prova, desde então, bebessem o líquido na hora de comemorar a vitória.
Este hábito foi interrompido brevemente em 1993, quando Emerson Fittipaldi venceu a prova e recusou a garrafa de leite. Ele fez questão de beber suco de laranja e disse, à época e em transmissão ao vivo, que era uma forma de promover a bebida cítrica do Brasil — quem acompanhava a vida pessoal do piloto sabia que ele era dono de uma fazenda em Araraquara, SP com 800 alqueires e 220.000 pés de laranja, produção de 1 milhão de caixas da fruta por ano, vendas anuais de US$ 3 milhões e exportação para diversos países.
A quebra do protocolo teve consequências imediatas e o brasileiro foi duramente vaiado e, dizem, a partir de então começou a pairar uma maldição sobre Emerson. Bom, fato é que ele, que havia vencido em 1989, depois da vitória de 1993 nunca mais subiu ao lugar mais alto do pódio daquela prova, embora tenha disputado até 1996. Eu, hein? Até hoje, a associação de produtores de leite patrocina a bebida no pódio. Previdentes, tem até uma versão sem lactose caso o vencedor tenha intolerância.
Em 1978, o vencedor do GP de Fórmula 1 do Canadá, Gilles Villeneuve, recebeu da organização da prova uma enorme garrafa de cerveja da marca de um patrocinador. A vantagem, neste caso, é que sacudir esse líquido também permite que se dê um banho em quem está perto, ao contrário do leite — e foi exatamente isso o que o piloto canadense fez.
No Bahrein e em outros países árabes em que a sharia veta o consumo de álcool, usa-se água de rosas e romã espumante não alcoólica, chamada de waard. Nos anos 1979 e 1980 os pilotos da Williams, em sinal de respeito a seu patrocinador (uma empresa de aviação do Oriente Médio), comemoraram suas 11 vitórias com suco de laranja.
O fato é que a bebida usada no pódio está sempre mudando, mesmo quando aparentemente é igual. As alterações começaram de maneira sutil, quase imperceptível para o público em geral. Desde a temporada 2017, a rigor, o que vemos no pódio não é mais champagne pois esse nome só pode ser utilizado pelas bebidas produzidas na região francesa de mesmo nome e dentro de determinados padrões de fabricação. Foi naquele ano que terminou o acordo da F-1 com a Moët & Chandon e foi encerrado o uso da champagne Mumm, que acompanhava a festa do pódio desde 2000. Desde então, o que vimos é um frisante que foi usado até o início de 2021, o Carbon.
Produzido por Alexandre Mea — herdeiro de cinco gerações de produtores da família Devavry — esta bebida surgiu por inspiração na Fórmula 1. Feitas à mão, todas as garrafas são de compósito de fibra de carbono, material muito utilizado em veículos, incluindo os de F-1. Cada exemplar vem embrulhado num pano de carbono, num processo que leva uma semana e tem um total de 21 passos. Isso por garrafa.
A cada grande prêmio, eram produzidos exemplares personalizados e decorados contendo champagne Brut, com seis anos de estágio, feito com as castas mais tradicionais da região, Chardonnay, Pinot Noir e Meunier. Cada uma era do tipo Jéroboam, o nome oficial das garrafas com 3 litros de capacidade, e um preço médio de 1.250 euros. Para os mais apaixonados pela bebida tem também a garrafa Mathusalem, de seis litros, que chega aos 8 mil euros.
Uma curiosidade é que, quando utilizadas nos pódios, estas garrafas tinham uma action camera montada no gargalo para que o momento ficasse registrado — uma ideia sensacional e de lindo impacto visual, como este, do GP do Azerbaijão de 2018.
https://www.facebook.com/watch/?v=1031510870339228
Como muito bem notou o leitor Fernando Moreira, alguém mais distraído ou que tenha deixado de ver as comemorações dos últimos meses deve ter estranhado que os três lugares do pódio estejam marcados com “Ferrari”. Não, a escuderia italiana não tem três pilotos, eles nem sempre vencem nem ao menos são os mesmos a cada prova. Trata-se de um patrocínio do espumante Ferrari Trento que, desde o início deste ano faz parte dos festejos dos vencedores.
Isto aconteceu em março deste ano, quando mais uma vez mudou o tipo de bebida usada nas comemorações. Foi quando o produtor italiano de espumantes Ferrari Trento fechou um acordo de três anos com a categoria e assim a marca passou a ser vista no pódio, no paddock e em todos os locais oficiais das etapas do calendário. Mas de certa forma o acordo marca o retorno da Ferrari Trento, já que figurou pela primeira vez na Fórmula 1 em 1981, no Grande Prêmio da Itália, em Monza. Mas, a estreia que deveria ter ocorrido em 26 de março deste ano, demorou uns dias a mais, pois a primeira prova do ano foi no Bahrein, onde vigoram as leis de restrição ao álcool. Assim, a estreia de verdade foi no GP da Itália, no dia 18 de abril.
O processo pode ter surpreendido o público, mas não foi tão rápido assim. As negociações vinham sendo estabelecidas entre Matteo Lunelli, exectivo-chefe da produtora de espumante Ferrari Trento, e o executivo-chefe da Fórmula 1, Stefano Domenicali.
A empresa de bebidas foi fundada em 1902 na província autônoma italiana de Trento por Giulio Ferrari e passou para a família Lunelli em meados do século 20. Essa não é a primeira associação com corridas de veículos para a Ferrari. Embora a empresa seja distinta e desassociada da fabricante de mesmo nome, ambas já haviam feito algumas ações conjuntas.
A bebida das premiações pelos próximos três anos será blanc-de-blanc 100% Chardonnay em Jeroboam, produzida pelo método champenoise, em que a fermentação secundária ocorre na própria garrafa e não num tanque pressurizado.
A vinícola até hoje é familiar e é líder global em sua área, com produção de vinhos Trentodoc.
Para os interessados em repetir a comemoração em casa, uma garrafa dessas custa, no Brasil, cerca de R$ 350. Acessível, perto do preço da Carbon, mas ainda assim eu usaria o método Kimi Räikkönen de celebrar: sem desperdiçar o precioso líquido molhando gente por aí e simplesmente bebendo.
Como ação de Marketing, tiro o chapéu, pois este ano a escuderia Ferrari não anda lá grande coisa, mas já tem garantido os três primeiros lugares no pódio pelos próximos três anos de grandes prêmios.
Mudando de assunto: sim, ainda espero alguma reviravolta para que meu finlandês favorito. Kimi Räikkönen, não deixe a Fórmula 1. Se for assim, talvez tenha que virar frequentadora assídua e não esporádica das transmissões do WRC Artic Rally no Vocêtubo. Quem sabe ele resolve participar, não?
NG