Acabou. Depois de algumas semanas de colunas simpáticas, sobre comemorações na Fórmula 1, champagne e outros assuntos que, aliás, me agradam muito, acabou a Norinha paz e amor — pelo menos por um tempo.
Certamente o fato do meu computador ter pifado ajuda no meu mau humor. Vamos dizer que ele está na UTI e meu marido está tentando ressuscitá-lo, mas também porque uma série de fatos me fizeram voltar a reclamar dos meus colegas jornalistas e da falta de conhecimento sobre leis de trânsito e, por que não, de bom senso e até mesmo da mais básica pesquisa no Gúgol.
Tudo começou faz alguns dias quando vi, num noticiário de uma afiliada da TV Globo, a triste notícia de um atropelamento de uma avó e seu neto em Sorocaba, interior de São Paulo, por um “motoqueiro”.
Em primeiro lugar, não gosto de generalizar qualquer ocupante de moto como “motoqueiro”, mas, vá lá, vamos deixar passar essa. O apresentador, indignado, disse que o motociclista não socorreu as vítimas. OK, concordo. Foi mal, muito mal, e constitui violação do Artigo 304, capítulo XIX do Código de Trânsito Brasileiro. O jornalista poderia ter citado o artigo e a pena (detenção de seis meses a um ano ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave), a título de esclarecimento, mas, como sempre, aí é a Nora montessoriana falando.
A cena foi captada por câmeras de segurança colocadas no local — uma praça onde a vovó havia levado a criança para brincar e de onde voltava para casa. A emissora cansou de repetir a cena. Não apenas naquele dia, nem apenas no primeiro noticiário da manhã, mas uma semana seguida, em todos os noticiários locais. Sempre igual. Dá para ver claramente os dois saindo da praça, atravessando a rua, a moto chega, atropela o menino e vai embora, deixando-o caído no chão.
Tudo aconteceu à noite, às 19h00, portanto, com menos visibilidade. Vendo a cena em detalhes três coisas para as quais nenhum jornalista fez nenhuma menção: a criança de seis anos atravessa sozinha, sem estar sendo segurada pela adulta pela mão; ambos atravessam no meio da rua, longe da esquina; o motoqueiro/motociclista aparentemente vê a senhora e chega a desviar dela, pois é nítido que muda a trajetória, mas então surge o menino de trás dela e acaba atropelando-o.
Pelo Artigo 69 do CTB, um pedestre só é obrigado a atravessar na faixa de pedestres se ela estiver a até 50 metros de distância de onde ele estiver, mas manda o bom senso que se olhe bem quando se atravessa no meio do quarteirão, e especialmente à noite. Ou não?
Os jornalistas disseram sei lá quantas vezes que a velocidade máxima por lá é 40 km/h, o que é facilmente visível na placa que está na rua e que tem que ser apurado a que velocidade a moto trafegava. Evidentemente que sim mas, em princípio, não parece estar andando a milhão. Ontem o condutor se apresentou à polícia com seu advogado e entregou a moto para perícia. Não conheço o motorista nem estou aqui defendendo-o, estou apenas criticando o trabalho da imprensa que sempre cai na esparrela do vitimismo. Aliás, felizmente o menino está bem e já teve alta do hospital, sem consequências.
Vendo a reportagem, feita alguns dias depois do acidente, também observei que há outro senhor de idade passeando tranquilamente de mãos dadas com uma criança, olhando literalmente para o céu, no leito carroçável e de costas para o sentido do trânsito! Por que não andar pela aprazível pracinha? Faz tempo que o interior de São Paulo mudou. Sorocaba tem quase 700.000 habitantes e sei lá quantos carros. Sem falar que a criança está do lado de fora, por tanto, mais exposta, ainda, aos veículos que passam. Mais uma vez, o apresentador se limita a comentar que esse fato “demonstra que a praça é frequentada por crianças e idosos”, ou algo parecido. Como dizem, é “eita” atrás de “affe”.
Não tenho filhos (por favor, não me venham com o tal “lugar de fala”), mas tenho vários sobrinhos e afilhadas e participei de muito perto da infância de todos eles assim como participo da infância de filhos de amigos e quando saio com eles agarro a mão deles como se fosse Wolverine com as garras de adamantium. Não tem essa de não querer ou se soltar, até porque sou eu quem os segura pelo pulso, nada de mãozinhas dadas. Nunca, jamais, em décadas, nenhuma criança se soltou de mim perto de uma via. Assim como nenhuma andou sem cinto de segurança comigo.
Canso de ver jornalista querer ser fofo e achar iniciativas “simpáticas” ou “progressistas”, mas que são verdadeiros atentados à lei. Morro de vergonha de alguns colegas. Como li recentemente, os grupos sempre usam para si denominações bacanas, felizes, mesmo que não seja nada disso. Segundo o comentário, progressistas raramente visam realmente o progresso e por aí vai. Nem vou mencionar outros para não arrumar mais dor de cabeça pois a do meu computador pifado já é suficiente. Mas, caros leitores, façam seus próprios exercícios e verão que dá muito certo.
Já discuti muito quando começaram a pintar poesias no asfalto e ciclofaixas por conta própria. Quem analisou a viabilidade de interromper o trânsito nesses trechos? Pelo que vi, nos dois casos a tinta usada sequer era adequada e provocava derrapagens e acidentes de motos e das próprias bicicletas. Isso, sem falar no princípio de que espaços públicos são, justamente, espaços de todos, não de uma parcela da população. Mas teve jornalista defendendo esse tipo de iniciativa — no mínimo, ilegal.
Eu mesma sou jornalista e entendo que somos generalistas. Quase sempre, somos levados a nos especializar em algum assunto, mas mesmo assim somos surpreendidos por detalhes. Durante décadas escrevi sobre Economia e apesar de todos os cursos que fiz sobre o assunto, o Plano Collor me surpreendeu — a mim e a todos. Era difícil entender os detalhes disso na prática. Isso para não falar nos trocentos planos que vieram depois. Mas hoje é até mais fácil com o Sr. Gúgol — então porque estas criaturas não o consultam? Por que não observam as imagens que são tão óbvias? Ninguém mais sabe que travessia de pedestres tem de ser feita na faixa própria ou, por uma questão de segurança, na esquina, onde costuma haver sinalização, seja semafórica, seja de preferência?
Mudando de assunto: para não variar, minha combinação ideal de piada infame e autoentusiasmo:
NG