Não adianta. Meu autoentusiasmo supera qualquer coisa. Tenho minhas torcidas, mas também tenho meus princípios e, não raro, eles convergem. Os esportistas pelos quais torço são os que seguem os princípios que eu considero fundamentais. E a recíproca é verdadeira.
Sei, também, que automobilismo é esporte individual na aparência, mas extremamente coletivo. Se vemos um piloto e é ele quem recebe o troféu, há, por trás dele, uma enorme equipe de mecânicos, engenheiros e todo tipo de profissionais que trabalham para que vitórias sejam possíveis ou, quando elas não acontecem, se alcancem os melhores desenvolvimentos tecnológicos. É clichê, porém verdade, que o automobilismo, e especialmente a Fórmula 1, é laboratório para a indústria em geral e todos nós, simples mortais que guiamos sedãs, muitas vezes com motores 1,0, nos beneficiamos grandemente desses desenvolvimentos.
É por esse motivo que fiquei tão incomodada domingo passado com a atitude de Lewis Hamilton após a corrida da Turquia ¨(foto de abertura). Sim, meu marido diz que eu implico com o piloto inglês e provavelmente ele tenha razão, mas no último final de semana ele me deu motivos de sobra para implicar com ele. Como em qualquer situação, acho que roupa suja se lava em casa e ele criticar a atitude da equipe publicamente e dizer que não deveria ter parado tão tarde ou então não ter parado de forma alguma para trocar os pneus, me pareceu deselegante. Lembrei do Alonso e seus comentários antipáticos. Não acho que piloto deva ser bonzinho — acho que a palavra final pode ser dele, pode espernear, gritar, exigir da equipe (obviamente sem ofensas pessoais), mas sempre a portas fechadas. Em público, deve ser um gentleman com todo seu time.
Hamilton também foi injusto por dois motivos. Primeiro porque a equipe o chamou duas vezes bem antes da hora em que ele realmente parou e ele ignorou os apelos. Ou seja, parou quando quis e não quando foi chamado. Em segundo lugar, poderia ter continuado sem fazer a troca? Talvez, mas pelo tempo que o Ocon, o único a completar o GP sem substituir os pneus, vinha perdendo a cada volta, teria ficado ainda mais atrás em termos de posições — ou poderia ter estourado algum pneu e não ter sequer terminado a corrida.
Sempre fico com a impressão de que com ele é “eu ganho, nós perdemos”. Sim, cara metade, eu implico com ele. Você tem razão e nunca neguei, mas desta vez, estou cheia de motivos.
A outra atitude achei talvez ainda pior, pois vai contra tudo aquilo que se aprende que o esporte deve fomentar: justamente o espírito esportivo. E vamos à digressão da semana: quem me conhece sabe que sou fã incondicional de rugby. Não somente pelo esporte, mas sobretudo por aquilo que ele compreende. Não se trata apenas de dois times, que tentam roubar uns dos outros uma bola oval durante dois tempos e chutá-la acima de uma trave entre outras duas. OK, simplifiquei muitíssimo as regras do esporte, mas ele tem coisas fundamentais: em caso de falta, o juiz não chama a atenção do jogador que a cometeu. Fala com o capitão do time do jogador faltoso. Jogador nenhum questiona a decisão do juiz (em compensação, eu mesma em raríssimas vezes vi algum juiz errar), jogador sem bola é intocável, e muitas outras coisas. Respeito e honra são primordiais.
Num jogo da primeira divisão francesas, sem grande relevância, vi um jogador chamar a atenção do juiz para uma falta que ele havia cometido e o juiz não havia visto. Fico emocionada quando vejo coisas assim. Algum tempo atrás um jogador francês deu um soco num juiz. Foi banido do rugby para o resto da vida e algo tão estranho que foi notícia e até hoje é mencionado como algo raro.
Bom, voltando ao piloto inglês. No sábado ele conquistou a pole position na Turquia. Mérito dele. Aliás, como sempre reconheci, ele tem qualidades excepcionais e é dos melhores de todos os tempos. Mas, como trocou alguns componentes do motor, foi punido com dez posições no grid de largada e já sabia disso de antemão. Ainda assim, ganhou o pneu que todo piloto que faz a pole position recebe e autografa. O segundo lugar, de Valtteri Bottas, seria na verdade o primeiro no grid. O que Hamilton fez? Deu o pneu ao companheiro de equipe, autografado por ele, não sem antes escrever: “Para Valtteri. Aproveite meu troféu da pole”.
O Bottas sempre foi quieto, gente boa e certamente não merecia uma humilhação dessas. Quer dar o pneu para ele? Dá — no máximo, assina e fica quieto. É obrigado a dar? No máximo, assina e fica quieto. Mas a atitude dele foi horrorosa, em minha opinião.
A terceira atitude horrível do final de semana foi a foto postada pela faz-tudo dele, Angela Cullen, dentro do habitáculo do Mercedes. Sempre critiquei a forma como Hamilton a trata — refiro-me (ênclise simplesinha, mas está valendo) à forma em público, não sei em privado. Ela mesma postou a foto no Instagram dela e escreveu: “quando seu chefe diz que você pode entrar no carro dele você não diz não”. Ela comenta quão feliz ficou, o que deixa claro que, apesar de trabalhar com ele há tanto tempo, é a primeira vez que isso acontece. Lembrei que Checo Pérez entrou na Red Bull este ano e o filho dele apareceu em fotos dentro do carro há pouco tempo…
Pior ainda, ela escreveu que “Lewis foi muito bom segurando minha garrafinha de água“. Isso mostraria quão próximos são. OK, estudei Jornalismo, não Psicologia nem Psiquiatria, mas fiz análise durante algum tempo e se isto não é Síndrome de Estocolmo ou alguma outra coisa desse tipo… Entendo que boa parte deste último exemplo diz mais sobre a Angela Cullen do que sobre o Hamilton, mas também mostra o grau de submissão — algo só possível quando um exerce o domínio e o outro aceita. Sem os dois componentes, o fenômeno não acontece. Só sei que não me soa nem um pouco normal tudo isto e as três atitudes me parecem extremamente antidesportivas e até mesmo desumanas. Pronto, falei.
Mudando de assunto: tem uma loja perto de casa aonde vou com alguma frequência. É do tipo “tem tudo”, mas ao contrário, porque nunca tem nada do que preciso. Ainda assim, insisto, pois sempre que posso priorizo o pequeno comércio. Eles têm o péssimo hábito de sempre perguntar para quê quero o objeto pedido. Recentemente perguntei se tinham lâmpada de LED, luz branca morna, de 5 W. “Para que você quer?”. Para pôr num abajur e iluminar. “Ah… não, não temos. É sempre assim. Mesmo as coisas mais óbvias. Semana passada me vinguei. Fui buscar soda cáustica granulada para desentupir um sifão. “Para que você quer?” Para misturar com água e beber. “Ah… não temos”. Como sempre, saí sem o produto, mas pelo menos me diverti.
NG