A eleição de Mohammed Ahmed Ben Sulayem (foto de abertura) como sucessor de Jean Todt no comando da Federação Internacional do Automóvel (FIA) vai muito além de uma simples troca de comando na entidade que controla o automobilismo mundial desde 1904. Naquele ano foi criada na França a Association Internationale des Automobile Clubs Reconnus (Associação Internacional dos Automóveis Clubes Reconhecidos), que após o término da Segunda Guerra Mundial foi transformada em Federação Internacional do Automóvel. Em 1950 essa entidade criou o campeonato mundial de F-1 e desde então também se ocupa de atividades ligadas ao turismo e mobilidade, sempre sob a óptica e valores predominantemente europeus. A consagração do economista nascido em Dubai (Emirados Árabes Unidos) em 12 de novembro de 1961 vai muito além do fato de ele ser o primeiro não europeu a comandar a entidade: o ex-piloto de rali escolheu como vice-presidente para a América Latina a brasileira Fabiana Ecclestone, esposa de Bernie Ecclestone, e não incluiu em sua chapa nenhum representante dos países com maior representatividade na indústria automobilística.
O currículo esportivo de Ben Sulayem inclui 14 títulos do Campeonato de Rali do Oriente Médio (de 1986 a 1991, 1994 e de 1996 a 2002) e vitórias em provas do campeonato mundial. Sua relação com a F-1, porém, tem um momento hilário: convidado para acelerar um Renault R28 em uma ação promocional da marca francesa, em Dubai, em 2009, sua experiência acabou poucas centenas de metros: ele perdeu o controle do carro ainda na reta dos boxes e destruiu parcialmente o monoposto. Para amenizar a situação ele fez um polpudo cheque aos mecânicos da equipe que se encarregaram de recuperar o modelo. Nessa época ele já um dirigente da FIA.
Quatro anos mais tarde, em 2013, ele tentou derrotar Jean Todt, que presidiu a entidade por três mandatos, de 2009 até 2021. Todt, só não tentou o quarto mandato porque completou 75 anos em 25 de fevereiro último, limite de idade para presidir a entidade que o impediu de lançar uma nova candidatura. De qualquer forma, o francês conhecia o potencial do árabe e o convidou para exercer uma vice-presidência e ocupar uma vaga no Conselho Mundial do Esporte a Motor (WMSC) em 2009. Em 2013 o árabe foi nomeado presidente do projeto “Força de trabalho para o desenvolvimento do Esporte a Motor” da FIA. O plano, inédito na história da entidade, tinha como objetivo traçar uma estratégia para desenvolver e incrementar o esporte nos 10 anos seguintes a partir de 2015, trabalho que aproximou Sulayem dos países em desenvolvimento e onde o automobilismo ainda é incipiente.
Isso explica o resultado da eleição deste ano, quando Sulayem candidatou-se novamente e derrotou o candidato da situação, Graham Stolker, ao conseguir 61,62 % dos 198 votos possíveis. Essa conquista reflete um trabalho iniciado, a meta do novo presidente da FIA: de dobrar o número de pilotos filiados através de um programa que apoie o desenvolvimento do esporte nas nações em desenvolvimento econômico ou esportivo.
“A China e a Índia são países com bilhões de habitantes, mas têm menos pilotos filiados do que a Finlândia, um país onde habitam 5,5 milhões de pessoas. Precisamos criar condições para que mais pessoas possam praticar o automobilismo sem passar pelo que eu passei. Para seguir disputando ralis eu tive que trocar meu carro por um modelo mais simples para financiar minha carreira.”
Tal sacrifício pode soar estranho para alguém que faz parte de uma família influente do Oriente Médio e tem uma coleção de esportivos de alto desempenho. Independente disso, sua leitura do planeta automobilismo está mais do que correta e reflete o que sua equipe de campanha concluiu em mais de 2 mil horas de entrevistas com os presidentes com direito a voto na eleição que o consagrou dia 17 último numa assembleia em Paris.
Apesar dos dois terços de votos registrados em seu favor, Sulayem não pensa em seguir o modelo de gestão de seus antecessores, Jean Todt e Max Mosley, inglês que foi ex-piloto, fundador da equipe March de F-1 e administrador controverso por sua associação pouco clara com Bernie Ecclestone.
“A FIA realizou um bom trabalho até agora, mas é hora de fazermos algumas mudanças. Eu quero delegar o trabalho executivo a um chefe, que terá liberdade para executar nossa política focada em desenvolver o esporte em nações com potencial de crescimento.”
Coincidência ou não, Bernie Ecclestone foi um discreto cabo eleitoral na campanha Ben Sulayem e está representado junto ao novo todo-poderoso da FIA através de sua esposa. Não é segredo para ninguém que Ecclestone foi afastado da F-1 depois de vender o comando da categoria ao conglomerado estadunidense Liberty Media, que alterou profundamente os valores e métodos praticados na categoria. Até o momento as mudanças deram resultado positivo: a audiência nos Estados Unidos e entre o público jovem cresceu significativamente graças à exploração da mídia virtual e de um seriado da Netflix que em 2022 terá sua quarta edição Outra alteração significativa foi a renovação dos contratos com redes de TV em vários países, Brasil incluído. Sulayem afirma que a presença de Fabiana não significa que Ecclestone esteja voltando ao comando da categoria: “Conheço Bernie Ecclestone há anos e reconheço seu valor. Apesar disso, a indicação de sua esposa para representar a América Latina é um fato isolado e que reflete a competência que ela demonstrou à frente do GP do Brasil de F-1.”
A consagração de Sulayem no comando da FIA terá implicações mais extensas que a F-1: países com indústria automobilística consolidada como Alemanha, França e Japão não estão representados na alta cúpula da FIA. Tal quadro reflete a plataforma de companha do novo presidente: “Ao conversar com os representantes dos clubes com poder de voto notei que uma mudança profunda no comando da FIA era algo desejado pela grande maioria.”
WG
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