Não é todo dia, nem todo ano, que um campeonato mundial é decidido como aconteceu na temporada de Fórmula 1 de 2021, aura de raridade que valoriza todo o espectro mundial do esporte a motor. A liderança de Lewis Hamilton durante 51 voltas das 58 que compuseram o percurso de 306,183 km do GP de Abu Dhabi esboçaram que o inglês caminhava seguramente para se tornar o primeiro a conseguir oito títulos na categoria. Décadas atrás, nos anos 1950, Juan Manuel Fangio celebrizou uma frase que explica claramente porque o automobilismo gera tantos apaixonados. Poucas vezes, talvez nunca, o adágio Carreras son carreras (Corridas são corridas) criado pelo argentino foi tão apropriado: uma sucessão de fatos inesperados corroborou para consagrar Max Verstappen como o primeiro holandês a se tornar campeão mundial de F-1.
O acidente de Nicholas Latifi fez muitos torcedores lembrarem da forma como o título de 2008 foi decidido. Na última volta do GP do Brasil de 2008, último da temporada, o alemão Timo Glock (Toyota) não evitou a ultrapassagem de Lewis Hamilton na antiga subida dos boxes, ao mesmo tempo em que, lá na frente, Felipe Massa recebia a bandeirada da vitória e Interlagos explodia de emoção com um brasileiro campeão mundial depois de 17 anos. Mas com a ultrapassagem sobre Glock, Lewis Hamilton (McLaren-Mercedes) chegou em quarto, somou 5 pontos aos 93 acumulados e totalizou 98 pontos, fazendo de Felipe Massa vice-campeão com 97 pontos.
A disputa entre Verstappen e Hamilton durante 2021 foi digna de ser acompanhada: em meio a manobras arrojadas, por vezes discutíveis, e doses de aperfeiçoamento dos carros de ambos, a liderança do campeonato trocou de mão seis vezes. Os dois terminaram 20 das 22 etapas e o holandês pontuou em 21 delas, uma a mais que Hamilton. Em Monza nenhum dois completou a prova, mas Verstappen foi o segundo colocado na Sprint Race, a corrida de 100 km disputada no sábado à tarde e que definiu o grid de largadas. Esse resultado garantiu dois pontos extras. Em conjunto, eles venceram 18 corridas. Max foi o melhor em Ímola, Mônaco, Paul Ricard, Red Bull Ring (duas vezes), Spa, Zandvoort, Austin, Cidade do México e Abu Dhabi. Hamilton começou vencendo no Bahrein e repetiu o resultado em Portimão, Barcelona, Silverstone, Sochi, Interlagos, Losail e Jeddah. Os dois chegaram à última etapa empatados, com 369,5. Max terminou o ano com 395,5 e Hamilton com 387,5.
Em um grid que reuniu 21 pilotos — o polonês Robert Kubica substituiu o russo Nikita Mazepin nos GPs dos Países Baixos e Itália —, Max e Lewis marcaram 35,4% dos 2.207,5 pontos outorgados durante o ano. Num estado socialista nenhum desses 21 concorrentes deveria receber mais de 4,8% desse quinhão. Apesar da limitação do teto de gastos adotada este ano, a F-1 está longe de ser alguma coisa semelhante à igualdade. Nela não faltam manifestações por maior inclusão de classes sociais, etnias ou gêneros, mas a realidade desse esporte tem alicerces tão profundos quanto o faturamento de cada equipe, realidade que vai perdurar por anos, décadas a fio.
A retaguarda técnica, logística e, principalmente, política por trás dos dois protagonistas da temporada revelou que na medida que o equilíbrio cresce, valores são reclassificados e atitudes são julgadas em público como nunca antes. Exemplo disto é a série dos diálogos entre Toto Wolff (diretor da equipe Mercedes) e Christian Horner (seu par na Red Bull) travaram com o diretor de provas Michael Masi. Na longeva época do cada vez mais saudoso Charlie Whitting diálogos semelhantes aconteceram, mas jamais foram tornados públicos e certamente não foram tão abusivos quanto as cobranças feitas por Wolff e Horner junto a Masi. A inconsistência no julgamento de manobras de pista e as mudanças no procedimento de relargada quando o Safety Car entrou em pista são fatos que podem colocar em xeque a permanência de Michael Masi no seu posto ou, no mínimo, rever os padrões de interpretação do regulamento.
Com tudo isso e apesar de tudo isso, o saldo de toda a epopeia da temporada 2021 é positivo: a categoria voltou a ocupar espaços nos meios de comunicação, a audiência cresceu e novos mercados passaram a dar atenção ao campeonato. Em 2022 essa movida ganha um reforço de peso, a estreia de Guanyiu Zhou, o primeiro chinês a competir na F-1.
WG