Em 18 de novembro de 1976, na abertura do X Salão de Automóvel, o Fiat 147 foi mostrado pela primeira vez ao público. Eu tinha quase oito anos de idade. Lembro-me perfeitamente das fotos daquele carro em formato de caixinha de fósforos, segundo minha concepção da época, estampadas nas revistas Autoesporte e Quatro Rodas.
Naquele tempo, como diria o piloto e escritor Jan Balder, “a gasolina já havia sido injetada em minhas veias”, e eu já adorava carros, motocicletas e, principalmente, ler as revistas especializadas. Também me lembro dos comentários e conversas do meu pai, dos meus irmãos e do meu cunhado, a respeito da novidade da Fiat brasileira.
Desde a primeira vez que vi aquele carrinho senti algo diferente por ele. Gostava de ir à concessionária SAF Veículos, que ficava muito perto da minha casa em Sorocaba, ver os modelos Fiat e Alfa Romeo em exposição.
Antes de continuar, assista a este vídeo comigo no 147 GLS 1300 branco Alpi que tenho hoje, em ação até num rali de regularidade do Jan Balder:
Além dos carros, também me impressionava a arquitetura única em forma casca geodésica do local (como se fosse uma enorme abóboda de concreto, foto abaixo)) onde os carros ficavam expostos. Aquela estrutura de concreto abrigava o showroom dos carros e por si só era uma obra de arte. Para minhas referências da época, aquela estrutura parecia uma enorme nave espacial. Aquele local parecia mágico, tudo estava muito bem integrado com a proposta de inovação do Fiat 147.
Além disso, a Fiat me cativava também pelas propagandas inusitadas como, por exemplo, a travessia da ponte Rio-Niterói com um litro de gasolina, a subida e descida da escadaria da Igreja da Penha e a proeza definitiva na “Roda da Morte”, entre outras.
Contudo, foi somente em meados de 1977, quando a minha irmã Cristina, que trabalhava em São Paulo numa agência de publicidade, comprou um Fiat 147 0-km, foi que tive a oportunidade de andar naquele carrinho. Era uma versão L, na cor marrom Siena.
Naquele dia a sensação de ser passageiro me deixou ainda muito mais impressionado com Fiat 147, principalmente pelo espaço interno em contraste ao tamanho do carro e pela agilidade que o carrinho apresentava no trânsito. Aquele seria, o primeiro dos muitos 147 que passariam por minha vida.
Infelizmente, meu irmão bateu com o Fiat 147 da minha irmã num poste, o carro deu perda total. O seguro indenizou minha irmã e ela comprou outro em 1978, na cor marrom Volterra. A reputação de um carro bom que o 147 da minha irmã tinha conquistou a família e acabou por convencer meu pai, um entusiasta de Chevrolet (sempre havia um Opala ou Caravan na garagem) a comprar dois 147: um deles 1981 versão L 1050 a gasolina, frente Europa, cor vermelho Imola, para minha mãe e outro com a mesma configuração, porém ano 1977 cor branco Alpi para utilizar na empresa de Construções dele. Finalmente eu havia obtido o acesso diário àquele carro que eu tanto gostava, principalmente ao vermelho Imola, o meu preferido.
Em 1983, meu pai passou por vários reveses nos negócios e perdemos quase tudo que tínhamos. Era época de recomeçar, e após a venda de todos os nossos carros e o da empresa para honrar os compromissos financeiros, ficamos um tempo sem automóvel em casa. Quase no final daquele ano, em novembro, recomeçamos com um 147 GL 1978 1050 a gasolina cinza Bosco metálico, equipado com rodas Jolly de liga leve de aro 13 polegadas.
Imediatamente eu me apaixonei por aquele carro, eu estava me adaptando rapidamente.
nova realidade financeira e tinha consciência de que a fase dos carros novos e mais sofisticados já era parte de um passado e que talvez nunca mais voltasse`. Mas eu não me importava com aquilo, o que contava no momento era que aquele Fiat 147 tinha uma configuração muito interessante, com bancos em veludo, sendo os dianteiros reclináveis e com encosto de cabeça, forração interna em veludo, painel de instrumentos mais completo e volante mais sofisticado em relação a versão L. Enfim, era um carrinho bem legal.
E aquele foi o primeiro Fiat 147 que eu dirigi. Foi tão marcante como a primeira vez que eu dirigi um carro na minha vida três anos antes, com 12 anos.
Numa quarta-feira à noite, eu e o meu irmão Otávio fomos assistir a uma partida de futebol do Esporte Clube São Bento pelo Campeonato Paulista no Estádio Municipal Walter Ribeiro (popularmente conhecido como CIC). Na volta eu pedi para meu irmão deixar eu dirigir, foi muito emocionante aquele momento, o qual também foi à primeira vez que dirigi à noite. São coisas impossíveis de se esquecer. Até aquele dia o único carro que eu havia dirigido havia sido a Caravan Comodoro do meu pai.
Após aquele dia, mesmo sendo menor idade de idade, passei a dirigir quase todos os dias o Fiat 147 GL cinza Bosco. Atitude impensável e até passível de julgamento de irresponsabilidade nos dias atuas, porém, normal na vida de muitos garotos nos anos 1980 e principalmente em cidades do interior. Assim toda minha referência em dirigir foi construída em cima do pequeno Fiat.
Em agosto de 1986, mais uma vez apareceu um 147 em minha vida: ano-modelo 1980, versão Standard, cor bege Dolomiti, motor 1300 a álcool. Era meu primeiro carro, presente dos meus pais quando completei 18 anos. De fato, era uma versão espartana, ou seja, com bancos em vinil e sem encostos de cabeça, volante enorme (comparado ao GL), painel bem simples e objetivo com mostradores contendo somente as informações básicas. Não havia console e tampão no porta-malas, pneus 145/80R13S e rodas originais de aço, ou seja, modelo básico.
Mas o carro tinha algumas boas qualidades, como, por exemplo, a potência do motor 1300 movido a álcool que apresentava um desempenho superior ao GL 1978 1050 (não existiu versão a álcool nessa cilindrada). Para referência, alguns dados do motor 1300 a álcool vs. o 1050 a gasolina, na ordem e números brutos SAE: 62 cv a 5.200 rpm vs. 55 cv a 5.800 rpm e 11,5 m·kgf a 3.000 rpm vs. 7,8 m·kgf a 3.800 rpm.
Aos poucos o valente 147 Standard 1300 a álcool foi me conquistando e se tornou um fiel companheiro durante boa parte da minha juventude. Eu acabei ficando com aquele carro por quase seis anos! Consolidava-se, assim, minha forte ligação afetiva com o primeiro carro da Fiat brasileira.
Ainda nos anos 1980, mais precisamente em 1987, eu trabalhava aos finais de semana como gerente de um bar noturno com música ao vivo, que era do meu cunhado. E uma das minhas atribuições era levar alguns funcionários do bar para suas residências após o encerramento do expediente de madrugada. Para isso, eu utilizava o Fiat 147 GL 1050 ‘79 verde Búzios metálico com um lindo interior monocromático bege que meu cunhado deixava comigo para essa finalidade. Embora não fosse meu, foi outro carro da linha que me deixou saudade.
Ainda em relação à memórias de situações inusitadas com o 147, me lembro muito bem de duas ocasiões ambas na Rodovia Castello Branco, sentido interior-capital. A primeira em julho de 1978, minha irmã Cristina estava me levando para passar as férias no apartamento dela em São Paulo, seguíamos a noite com chuva pela rodovia e quando chegamos à altura do pedágio Barueri, cuja praça estava em fase final de construção, por algum motivo minha irmã se confundiu com as sinalizações, fez um movimento brusco para não bater numa cabine e por pouco o carro não capotou, um baita susto!
E na outra, o engenheiro que trabalhava na Construtora do meu pai era de São Paulo e nas férias de 1979 ele me convidou para passar uns dias na casa dele. E nossa viagem para São Paulo foi justamente no dia em que ele havia comprado, em Sorocaba, o Fiat 147 amarelo Canarie o primeiro carro 0-km que ele estava adquirindo. Lembro-me que o meu pai o levou até a concessionária de Sorocaba, aquela mesma da abobada de concreto. Ficamos lá por um tempo até liberem o carro. Ele todo feliz pegou o Fiat 147 novinho e partimos para São Paulo. Porém, o fato marcante foi a baixa velocidade com que o Dr. Geraldo — era assim que o chamávamos — fez o trajeto. Ele acreditava que o carro devia se amaciado com velocidade não superior a 45 km/h! Aquela viagem parecia interminável, lembro-me de lhe ter perguntado por que não andava mais rápido e também da expressão do meu pai quando contei como foi a viagem!
O melhor
Finalmente em 1991 comprei o que considero o melhor de todos os Fiat 147 que passaram por mim: Fiat 147 Pick-Up City 1988 vermelho Nearco 1300. Motor a álcool e câmbio de cinco marchas. Última série. Era seminova, o dono anterior havia comprado 0-km e usado muito pouco o carro, baixíssima quilometragem (18.000 km), a caçamba intacta aparentando que nunca havia sido transportado nenhum tipo de carga e o estado da pintura estava incrível. Era realmente um carro muitíssimo bem conservado.
As reportagens da época mostravam uma ficha técnica e dados de desempenho bem atraentes: motor de 1.297,4 cm3; 59,7 cv a 5.200, torque de 10 m·kgf a 2.600 rpm e taxa de compressão de 10,5:1, segundo a revista Quatro Rodas, que informava velocidade máxima de 141m/h e aceleração de 0-100 km/h 15,9 segundos. Infelizmente, eu fiquei muito pouco tempo com ela, pouco mais de dois meses. Eu a havia comprado em sociedade com meu irmão e neste meio tempo apareceu uma oportunidade de negócio para ele, e como eu não tinha condições de comprar os 50%, a solução foi vender a nossa City 1988.
Ainda nos anos 1990 convivi com três 147 que o meu irmão teve: GLS 1979 bege Dolomite; Rallye preto Etna 1980 e GL 1981 marrom Matera.
O Fiat 147 não foi uma unanimidade em nosso país, mesmo tendo sido um carro considerado inovador na época: motor transversal, suspensão independente nas quatro rodas, pneus radiais de série, ótimo aproveitamento de espaço (apenas 20% do volume geral do carro ocupado pela mecânica). Das características do modelo, a que mais me chama atenção é a assinatura do lendário engenheiro Aurelio Lampredi (1917-1989) no motor do Fiat 147.
Bom, e as 147 coincidências?
Por obra do destino ou simplesmente por talvez eu prestar mais atenção nesse número, frequentemente me deparo com situações curiosas a respeito. Assim segue uma pequena lista destas coincidências:
– Quando minha filha nasceu o quarto do hospital era número 147!
– Quando formatei a 2ª edição do meu livro “Memórias de um Autoentusiasta,” o capítulo VIII: – Histórias do Fiat 147 GLS 1979 foi parar justo na página 147
– Mais de uma vez já recebi senha para algum atendimento com o número 147
– No último exame de sangue de rotina a taxa do meu colesterol estava em 147 mg/dl- O final do meu CPF é 147
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Ou seja, essa combinação numérica parece me seguir. Dos tempos da infância, ainda preservo um Fiat 147 Rallye Autorama Estrela de 1980, que funciona perfeitamente até hoje, inclusive acendendo os faróis. Sem dúvida, este brinquedo também contribuiu de forma expressiva na construção desta paixão. Felizmente a minha história com o Fiat 147 continua atualmente com modelo GLS 1979 branco Alpi que está comigo desde 2005 (história contada na seção “Carros dos Leitores” do AE). Todas as vezes que eu o dirijo sinto as mesmas emoções construídas nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Ele representa parte da minha história.
Quem me conhece sabe que gosto de todos os tipos de carros, modernos ou antigos. Sinto prazer em dirigir qualquer automóvel. Contudo, as minhas memórias afetivas sempre me remetem aos carros nacionais fabricados entre 1976 a 1989. Sem dúvida, independentemente de valor ou desempenho, Opala, Caravan, Chevette, Monza, Escort, Corcel, Kombi, Passat, Gol, entre outros da época, fazem o meu coração bater mais forte.
Mas se eu tivesse que escolher apenas um entre os meus preferidos, seria, sem dúvida, o Fiat 147!
Marcelo Conte
Jundiaí – SP