Eram tempos diferentes, sem celulares, nem mesmo orelhões de rua. Tempos em que andávamos de bonde, Fusca, Gordini, DKW, Simca e até o elegante Fissore (mecânica DKW). Assistíamos TV Admiral, em preto e branco, como televizinhos, e dançávamos ao som da Sonata nos bailinhos de garagem na casa dos meus amigos Orival e Maneco. Tempos de loucuras juvenis.
Por isso roubamos um bonde, numa madrugada, lá pelos anos 60. Não me lembro quem estava comigo, mas tenho certeza que o Maneco e o Orival não participaram dessa (Será? Não lembro bem.). Bonde era uma coisa maravilhosa de andar. Descer dele andando então, uma aventura!!!! Tinha aberto e fechado, como o modelo Camarão, que roubamos(*) na Ponta da Praia. E, principalmente, não poluía
Saímos do Regatas Santista, que tinha um belo salão de festas. Era um baile de formatura, daqueles sensacionais, com grandes orquestras, como a de Silvio Mazzuca, Dick Farney (que sempre dava uma canja, cantando, acompanhando-se ao piano, nos intervalos fazendo as moças derreterem de emoção com sua voz de veludo), Tabajara, Luiz Arruda Paes e a do Simonetti, Erlon Chaves, entre muitas outras, além de conjuntos de Santos, como o do Zago, Blow Up…. Qual era a daquela noite, não lembro.
Na lembrança, só que todos os jovens, apesar do calor sufocante (todos estes bailes aconteciam sempre no verão santista) vestiam smoking ou, os menos privilegiados, terno preto, camisa Volta ao Mundo (a primeira de tecido sintético, que não absorvia o suor que escorria até as partes baixas, se é que me entendem), sapatos Bibo (terrivelmente apertados no bico), de cromo alemão e gravata Bat Masterson. O terno era de Pervinc 70, ou Tergal, que também não absorviam a transpiração. Mas por que usávamos essas coisas horríveis?
Porque era a moda! Simples assim! Como hoje usa-se jeans esfarrapados, era a moda!
Por seu lado, muitas moças usavam no cabelo um negócio chamado laquê (hoje virou gel fixador, sem odor) para dar firmeza no penteado, que também ganhava volume com Bombril colocado no meio dos cabelos. Era quase impossível colar o rosto com aquele cheiro, simplesmente horrível do tal do laquê.
Mas sempre valia ir aos bailes, cujos convites eram muito disputados e frequentados por moças bonitas, mesmo que “laqueadas”.
Mas, e o roubo(*) do bonde?
Bem, um dia, antes do baile acabar, nossa turma resolveu ir embora, pra pegar o penúltimo bonde, que nos deixaria na esquina do Canal 1. Em Santos, localizada na ilha de São Vicente, existem sete canais que conectam, diretamente, a praia ao porto (o maior da América Latina), construídos pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito. Ele os criou para sanar o sério problema de higiene que quase dizimou a população da cidade, que perdeu 22 mil dos 50 mil habitantes, entre os anos de 1890 e 1899.
Era, salvo engano da memória, o bonde 2, que estava parado na rotatória, esperando a hora de sair, com destino a São Vicente, a primeira cidade brasileira (Cellula Mater da nacionalidade, fundada em 22 de janeiro de 1532, por Martim Afonso de Souza).
Entramos no veículo e vi que o motorneiro (o “motorista”), que estava sentado do lado de fora, fumando um cigarrinho, junto com seu colega, o cobrador, e que havia esquecido de retirar a chave de ignição (não era este o nome, mas …) algo semelhante a uma “chave de boca”.
— Olhem, o motorneiro não levou a chave! vamos levar? Foi a sugestão de alguém imediatamente, aceita pelo grupo. E lá fomos nós, fechamos as portas, e a “8 pontos”, a velocidade máxima, com os dois “tripulantes” correndo desesperados, e inutilmente, atrás do bonde. Trocamos de “motorneiro” por várias vezes, até chegarmos perto da Igreja do Embaré, pelo menos uns três ou quatro quilômetros adiante. Sempre em linha reta e à beira-mar. Ih! A Polícia vem ai! Gritou um de nós
Paramos no ponto seguinte e saímos, devagar, sem correrias, como se fossemos passageiros normais, indo cada um para um lado. Não podíamos “dar bandeira”, não é?
Mas o susto não passou mesmo de um susto. O Fusca, preto e branco, da Polícia Civil, com sua única e minúscula luz vermelha piscando, e uma sirene desafinada, passou sem que seus ocupantes, membros da então Guarda Civil, sequer olhassem para o nosso lado
Mas, como eu disse lá no começo do texto, eram outros tempos, sem celulares, nem mesmo orelhões e isso impediu que motorneiro e cobrador fizessem a devida queixa do roubo(*) do bonde para a polícia.
E cada um seguiu para sua casa, tranquilamente sem, nos dias seguintes, comentar a história nas rodas da turma, com medo de dar encrenca
Mas com o “orgulho do feito: roubamos (*) um bonde. Só conto esta história agora porque o crime já prescreveu (deve fazer uns 60 anos), conforme me garantiu um amigo advogado.
Tomara que o dr. Marcos esteja certo.
Anos depois, na França, minha “carta” de motorneiro
E não é que, pouco mais de 50 anos depois, editor no Diário do Comércio (falecido jornal impresso da Associação Comercial de São Paulo), eu fui à França, onde aprendi a conduzir um moderníssimo bonde da Alstom, a empresa anfitriã, em La Rochelle, que tem trens do Metrô de São Paulo. A diferença maior entre o bonde que roubei é que este tinha alimentação do seu motor elétrico por cabos aéreos. E no francês ela é captada de uma estreita canaleta, no solo, entre os trilhos, que só libera energia para um pequeno braço do veículo, sem risco para passageiros e muito menos pedestres que, por acaso, pisem na canaleta. A outra diferença, é que eu tinha o Diploma For Rolling Stock Driver On Citadis Tram (diploma de motorista de material rodante no bonde Citadis).
La Rochelle, onde “nasceu” New Orleans
Foi em 1718 que Jean-Baptiste Le Moyne de Bienville saiu de La Rochelle, sede da Alston, para fundar a cidade às margens do Mississipi, que muitos usam uma forma americanizada de pronunciar New “Orlins”, mas o correto é a pronuncia francesa, New “Orleans”, conforme um dia explicou-me Mark Hogan, norte-americano, ex-presidente da GM no Brasil, responsável pelo lançamento do Vectra, realizado em New Orleans, em 1996. Ele também lançou o Corsa e o Omega.
A ligação da GM com New Orleans seguiu por muito tempo, por intermédio do patrocínio do Bourbon Street, pré-inaugurado dias antes da inauguração oficial, com BB King, pela Rainha do Blues de New Orleans, Marva Wright (que já nos deixou). O primeiro contato com ela foi lá em New Orleans, no Second Line, um delicioso bar de blues. Ela retornou ao Brasil por várias vezes, assim como BB King, Ray Charles, Diana Krall e dezenas de artistas do blues e do jazz, que o excelente Bourbon Street trouxe ao Brasil.
CL
(*) Na verdade, fomos autores de um furto, pois não houve ameaça ou violência (o que caracterizaria o roubo), mas optei pelo uso, ainda que errôneo da ação, porque “roubar” é mais popular. Explicado está, para que meu querido mestre de Direito Usual na Faculdade de Comunicação, Gildo dos Santos, não fique zangado comigo, muito menos meu amigo advogado, que me orientou na questão.