Corria um ano qualquer dos anos 90. Eu era gerente de Imprensa lá na avenida Goiás e por razões de trabalho, em algumas sextas-feiras eu entrava entre 11 e meio-dia. Mas havia um colega na companhia, que trabalhava lá nos escritórios localizados no que chamávamos de “porão”, que seguia meus passos nestas sextas de “atraso”, ao invés de ficar fazendo as contas que era pago para fazer. Era “porão” mas tinha janelas com visão para o jardim e entrada do prédio concluído em 1930.
Daí, quando me avistava chegando ao prédio, subia ao térreo para cruzar comigo, propositalmente. Olhava-me nos olhos, mirava o relógio e fazia aquele som de “fuuuuuu” labial, acompanhado de um meneio negativo com a cabeça. Ele queria registrar seu desagrado com o meu “atraso”.
Isso aconteceu várias vezes, até que eu resolvi enfrentá-lo:
— Olha aqui, cara, não sei quem é você e nem quero saber. Mas quero que saiba, na próxima vez que você cruzar comigo com este seu bufar e olhar para o relógio, eu vou dar um soco na sua cara. Você não sabe por que eu chego tarde às sextas-feiras e nem precisa saber. Tá avisado, ok? (Eu nunca tive uma briga física nestas várias dezenas de vida).
E fui para a minha sala, no primeiro andar.
Logo após o almoço, a secretária do vice-presidente me avisou: ele quer falar com você.
Fui para a diretoria pensando no que teria acontecido, numa sexta-feira tão normal?
Quando entrei, adivinhei o motivo da chamada. Lá estava, acompanhado do seu chefe, o “ameaçado”.
— É verdade que você o ameaçou? Perguntou meu vice.
— Sim! E cumprirei a minha ameaça caso ele continue fazendo como faz toda sexta em que chego após o horário normal de entrada no trabalho, ao invés de ficar fazendo as contas que deveria fazer. Isso porque para ele ter tempo de sair da sua mesa e chegar no térreo e cruzar comigo, ele tem que parar de cumprir suas funções, vigiando a hora que eu chegaria, entre 11 e meio-dia.
Além disso, chefe, você sabe e autorizou isso, certo?
— Você fica espiando pela janela, esperando-o chegar? Perguntou, com o rosto vermelho de raiva, o chefe do “ameaçado”, que não sabia onde se enfiar.
E sabem o que eu fazia para chegar atrasado? Conto aqui para vocês, mas não contei para ele. Eu saía da Goiás na quinta-feira, lá pelas 6 da tarde. Ou mais cedo, ou mais tarde. Ia para casa e, depois de comer algo leve, deitava. Lá pela meia-noite, o telefone fixo tocava (não existia celular à época) e eu atendia.
Do outro lado, um importante jornalista do setor dizia: “vamos lá, chicolelis?” E eu ia encontrar com ele no Baiuca, bar de música na Faria Lima, saindo de lá por volta das 3 da matina, depois de ouvir uma boa música e alguns goles (sem exagero). Ia e voltava de táxi. Não tinha como chegar na Goiás às 8 horas, certo?
Ele, o “ameaçado”, não merecia a ameaça?
Obs.: Nos nossos “papos” nunca houve qualquer troca de informações, quer seja de minha parte, quer seja da parte dele. Apenas papo descompromissado entre amigos. Assim agia como profissional de Imprensa, com este e muitos outros jornalistas do setor. Era estabelecer uma relação de confiança entre nós.
CL