O recente texto do leitor “Formula Finesse” causou uma volta ao passado, mais precisamente 25 anos atrás, quando tinha meus 16 anos e já estava pensando no meu primeiro carro. Na época, meu sonho dourado era convencer meu pai a “arrematar” um Gol S azul-marinho,1985, 4 marchas mas transformado por alguém para motor 1,8-L, um canhão em arrancadas. Tinha valido a tentativa. Mas ainda assim não fiquei a pé: herdei a Marajó SL 1986 que fora de minha mãe, comprada zero-quilômetro na concessionária Metrocar, no bairro paulistano do Jabaquara.
Essa semana, ao me encontrar com a Flaviane, uma queridíssima amiga da minha idade (41 anos), estávamos num papo animado e eu, como bom autoentusiasta, comentei uma passagem da vida do meu tio, que andava com um Escort Ghia 1984, e a réplica dela foi “Nossa, seu tio era chique hein? Andar de Escort…”. Foi nesse momento que me dei conta da importância que dávamos para os carros, o quanto curtíamos os modelos (como mencionado pelo leitor “Formula Finesse!) e hoje tudo isso sumiu das rodas de conversas dos jovens.
Se outrora ficávamos vidrados ao ver o ‘2000’ na traseira de um Santana, babando ao ver um Diplomata “6-bocas” (como costumávamos falar), hoje tudo isso é simplesmente ignorado pelos jovens, que estão em uma geração que parece não ligar mais para o automóvel, talvez o maior símbolo da liberdade que o século 20 trouxe para a humanidade.
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Meu filho mais velho, por exemplo, não fala em dirigir. Não sabe a posição básica dos pedais e me perguntou se existe autoescola que tem carro automático (?!?!). Os colegas dele, todos com quem converso, não se incomodam ou curtem o carro como curtíamos na minha época. A conectividade com o celular é mais importante que a beleza, a vontade de dirigir. Motor? Se for elétrico, a gasolina, álcool, diesel, eólico ou nuclear, não sabem o mínimo. Não têm noção sequer do que significava aquele botãozinho com um emblema que mais parecia um “Z” deitado, que ao ser puxado geralmente fazia acender uma luz laranja no painel.
Tudo bem, alguém dirá. Coisa de quem tem mais de 40 anos, mas e o gosto pelo automóvel, pelo bem não perecível? Falo não perecível porque o gosto dos jovens hoje concentra-se, por exemplo, em celulares que em cinco anos já são obsoletos e descartáveis. Diferenciam um iPhone 10 de um iPhone 11, mas não sabem que Gol, Onix, Polo e HB20 são carros diferentes.
Os carros hoje estão conectados e para o jovem é o quanto basta. Não querem saber se o motor é tecnológico, tem boas respostas. Detalhes construtivos e mesmo a estética. O importante é estar conectado.
E o interessante é que esse fenômeno parece ter atingido até mesmo os fabricantes de som automobilístico. Se outrora curtíamos um Bosch Rio de Janeiro, posteriormente Pioneer ou Kenwood, hoje ninguém mais sabe o que isso representava anos atrás. Você sabe a marca do multimídia que provavelmente equipa o painel de seu carro? Enquanto a minha antiga Saveiro Supersurf ostentava orgulhosamente um Pioneer DEH-636 com controle remoto no painel, hoje eu não faço a mínima ideia de que aparelho jaz no painel da Saveiro G5 que utilizo. E olha que fui atrás para saber…
Talvez por essa razão tenhamos observado uma interessante valorização dos carros dos anos 1980 e 1990. Monzas, Gols, Voyages, Santanas, Opalas, e mesmo picapes como D-20 e F-1000 têm sido intenso alvo de restauradores e colecionadores, com clientes pagando valores de carros zero-quilômetro por eles.
Aparelhos de som Bosch San Francisco, Los Angeles outrora descartados em cantos de oficina hoje são procurados por aficionados, com técnicos especializados até mesmo na adaptação de Bluetooth na faixa AM para compatibilizar com os atuais aparelhos celulares.
É um movimento de restauração de uma época que talvez não volte mais.
DA
Nota: Minha amiga Flaviane citada no texto é arquiteta das boas! O trabalho dela pode ser visto em https://www.instagram.com/arq.flavianepagliarini/ no Instagram