Quando pensamos em Opel, lembramos da linha de carros que a GM do Brasil nos apresentou na década de 90, nos aproximando enormemente da linha Opel da Europa, às vezes de forma quase simultânea quando pensamos no Corsa e no Vectra B. Sabemos que a história é bem mais longa, pois a raiz e o caule que geraram e sustentaram a linha de automóveis da GM do Brasil são puramente Opel, apenas com uma variação de mecânica e de visual (Opala) ou na continuação de sucessos como o Kadett de terceira geração: o nosso tão querido Chevette em 1973, também é fruto de um ambicioso projeto mundial, e que chegou aqui seis meses antes do resto do mundo.
Veio o Monza anos depois, novamente em consonância com os lançamentos da matriz, mas depois dele ficamos com um bom hiato sem produtos novos na GMB, coisa que só mudou com o Kadett em 1989, um carro que seriamente nos indicava como funcionava a linguagem Opel de então: automóveis aerodinâmicos, com vidros colados rentes à carroceria, interior elaborado e sempre repletos de soluções que não encontrávamos nos outros carros nacionais. Mesmo vindo anos depois dos seus lançamentos originais, Kadett e Omega nos “acostumaram” mal com a linha alemã, e dali em diante a gente queria sempre mais. Todo o resto sabemos de cor e salteado, e até por isso é motivo de festejos quando botamos a mão num carro oriundo dessa época e nobre origem. É o caso desse Astra GLS 16v 1999, do meu melhor-novo-velho-amigo-oculto Elton, decididamente um cara de bom gosto, que disponibilizou para avaliação o seu lindo carro.
A configuração é deliciosa, vermelho e de duas portas, teto solar e o maravilhoso motor DOHC 16v Opel/Chevrolet; praticamente um Opel Calibra que entrou para o monastério e agora se esconde sobre pesados e rudes trajes religiosos, abandonando quase qualquer vaidade mundana. Exageros à parte, o Astra nessa configuração bacana, inclusive com a robusta caixa F23 de ré sincronizada, fez a minha alegria e a do Jeison Paim numa tarde de sábado, um carro que a cada parada depois da ação era contemplado de fora não em silêncio, mas em animado bate-papo e na inevitável troca de impressões.
Vamos a elas? Subam de carona!
Andando no Astra GLS do Elton
Sendo um carro de duas portas, é natural que elas sejam amplas e pesadas na movimentação; o lado bom é que o acesso é facilitado e entramos com facilidade no Astra, encontrando logo bancos cobertos por um veludo cinza, macio e quente, qualidades raras nos carros dos dias de hoje, todos acometidos pela febre incessante do frio “material ecológico” preto. Ao sentarmos no banco que tem pouco apoio nas suas laterais, a mão esquerda vai direto tentar achar o ajuste de altura, que no caso é inexistente e não há nada a fazer quanto a isso: percebe-se de imediato que o banco é um pouco mais alto do que deveria ser, não entregando aquela ergonomia que nos deixaria com o traseiro mais perto do chão, fundamental para sentirmos ainda melhor as reações do carro.
Bom, se o banco não tem ajuste, quem sabe o volante de direção, não é? Sim, encontramos o ajuste após bastante procura, o mecanismo está logo abaixo do berço do interruptor de ignição e partida, fazendo parte da moldura que o envolve; uma solução muito interessante e elegante, detalhe da fina engenharia alemã. O volante de direção é delicioso ao toque, com ótimos apoios para os polegares, diâmetro total contido e aro do volante nem grosso e nem delgado demais, perfeito para ser usado em qualquer condição.
O motor, previamente aquecido, pega fácil e a lenta estabiliza de imediato. Engrena-se a primeira marcha da famosa caixa F23 e se parte com facilidade, sendo a embreagem muito leve e positiva no acoplamento/desacoplamento. A caixa de marchas, no entanto, é pesada ao toque: primeira, segunda, terceira, quarta, quinta…nenhuma marcha entra leve ou de forma extremamente fácil. Não falta precisão nos engates e a distância entre eles é bem correta, mas o acionamento do início ao fim exige mais firmeza, não é uma caixa Volkswagen que quase engata sozinha, por puro ato de pensamento.
Na manopla da alavanca de câmbio F23 (foto ao lado) é indicado o padrão do “H” com a ré sob a 5ª. O bloqueio para não haver engate involuntário da ré é apenas no câmbio. No câmbio F17 a ré é ao lado da primeira.
Na estrada
O Astra desde os primeiros metros parece realmente um carro leve, de acordo com o seu tamanho externo, e é o motor 16v bem anos noventa que deveria contrariar um pouco isso, ao menos em baixas rotações. Mas, surpreendentemente, isso não acontece, mesmo em rotações pouco acima da lenta. Com o carro em movimento e em marchas altas, o motor empurra sem ratear, não demonstrando que está sendo forçado em baixa, fornecendo potência e torque como um bom aspirado dos nossos dias, supercoerente. É fácil de lidar em baixas e médias rotações, arrancando dos sinais em subidas com enorme facilidade sem nunca precisar corrigir o motor com a embreagem. Lembro bem de outros carros 16v daquela década, Tempra, Gol, etc., que me pareciam bem menos enérgicos em condução normal.
À medida que chegamos no trajeto de teste — livre, seco e de ótima visibilidade — fomos puxando cada vez mais forte, inicialmente nas retas, para sentir o real poder do motor Opel/Chevrolet 16-válvulas. Com a pista livre e sem perigos periféricos, mais de uma vez fizemos o ponteiro do velocímetro e do conta-giros perfilarem quase iguais à direita: 170 km/h indicados a exatas 6.000 rpm em quarta marcha, a quinta entra apenas como protocolo, pois já é hora de frear. Ainda existiam mais 500 giros até a faixa vermelha, e a quinta marcha, com espaço o suficiente, certamente levaria o carro para mais de 200 km/h reais, pois os 128 cv (126,2 hp para pagar menos IPI) pareciam estar todos presentes, como na época em que o Astra saiu da linha de montagem. Numa última puxada, inclusive, ele atingiu os 170 km/h, também em quarta e manteve essa velocidade por um breve tempo em leve e longo aclive vindo embalado do plano. Além do motor, o perfil aerodinâmico do Astra corta com eficiência o ar.
Quando novo, importante lembrar, a velocidade máxima divulgada era de 203 km/h, e sua aceleração de 0 a 100 km/h realizada em rápidos 9,1 segundos, ou seja, é um carro rápido de verdade mesmo para os dias de hoje, e a sua facilidade de manter velocidades altas na faixa de 140 km/h para cima é um forte indicativo dos seus ótimos predicados. Apesar do motor “acabar” teoricamente nos 5.400 rpm, segundo sua ficha técnica, ele parece ainda feliz também acima disso, cantando grosso e não demonstrando a aspereza esperada até os 6 mil giros, muito menos percebe-se decréscimo de potência. Cada mudança de marcha nesse regime é uma verdadeira pancada, com o ímpeto do motor crescendo novamente após a troca, os giros caindo cada vez entre elas. Não quero nem imaginar o que teria sido um Kadett GSi com esse motor, ainda lá em 1991, apesar do hiato de potência ser de apenas 8 cv (de origem o motor rendia 136 cv). É outro tipo de coração.
Andando desse modo, exigindo tudo, nota-se mais claramente que o motor GM Família II está um passo adiante em agilidade do que a caixa pode proporcionar. Como dito antes, ela continua um pouco pesada e agora um tanto “borrachuda” nas necessárias trocas rápidas, mas não perde a precisão e nunca te deixa em dúvida. Inclusive transmite uma sensação de coisa robusta, feita para aguentar abusos, mas o tempo necessário nas mudanças é maior do que seria o ideal. Não se atira a alavanca como é possível fazer em outros carros, exige mais condução e força em ritmo esportivo. Acostuma-se, mas não é o ideal. Largando forte, com o motor em 3.500 rpm, ele patina pouco e pega tração logo, sem perda de tempo, é rápido e cheio de vida.
Os discos de freio nas quatro rodas são sensíveis ao toque e estancam o carro com facilidade, a sensibilidade do pedal do freio é ótima. Aliás, foi por causa desses discos e pinças que as rodas precisaram ser de 15 polegadas e não 14 como nos Astra com motor 1,8 e 2,0 de oito válvulas.
A direção tem assistência eletro-hidráulica, mas não do modo como as entendemos nos carros atuais, levíssimas e doces em baixa velocidade. No Astra existe certa resistência e peso em qualquer velocidade, não chega a ser pesada, mas ela dá claros sinais que seu ajuste não é para brincadeiras. Se você precisar andar forte vai achar um Chevrolet diferente aqui, não um Monza de antigamente, mas um carro cujas raízes alemãs estão bem definidas em todos os aspectos, especialmente na direção firme que fica deliciosamente precisa nas curvas, como vamos abordar no capítulo mais saboroso da avaliação.
Dobrando as curvas
Após nos acostumarmos bem com o motor e os comandos principais, era hora de explorarmos mais as capacidades dinâmicas do carro, as curvas conhecidas estavam nos chamando e o tempo armava-se para chover, momento ideal de aproveitar cada centímetro quadrado do asfalto perfeito, seco e aquecido e mandar ver. As primeiras tomadas são feitas ainda com alguma reserva, tateando a aderência dos pneus e adivinhando o comportamento do Astra, mas logo em seguida as precauções são deixadas de lado e já estamos puxando forte, percorrendo o caminho sinuoso com enorme facilidade, contando com a ajuda da direção precisa e da pouca rolagem da carroceria — suspensão levemente rebaixada — e mais pelas rodas bem perto dos cantos do carro.
Importante ressaltar que a maioria das curvas eram de baixa para média, contornadas em sua imensa maioria com a terceira marcha espetada, um meio-termo perfeito para analisar a qualidade da suspensão, da carroceira e do motor perto do limite.
Continuando, o carro é neutro e aceita muita velocidade até à boca da curva, toque suave no freio e entra-se nela firme, acelerando suavemente com a tração funcionando perfeitamente. A traseira é literalmente pregada, não forçamos frenagens malucas com o intuito de provocá-la, deixamos ela lá quieta, e fomos explorando sutilmente a aderência dianteira, a medida que o entusiasmo (e a velocidade) cresciam a cada curva.
Se você der mais ângulo de direção do que precisa, aí sim, a frente começa a sair, mas é preciso dirigir errado para isso acontecer antes do que devia, ser bruto mesmo, fingir inépcia…o que for. De todo jeito, também é um modo de palmilhar seus limites, ter uma ideia do quão seguro o carro é, do quanto ele te deixa errar antes de andar a sério.
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E o Astra é muito permissivo, andando forte — mas agora concentrado em fazer o melhor traçado —ele só vai começar a sair de frente de modo progressivo quando a velocidade for realmente alta demais para aquela curva, mas ele avisa muito bem e a escapada nunca é dramática. Ele escorrega milimetricamente até o limite da faixa central, nunca invadindo espaços alheios, cantando os pneus e a direção ficando leve quando perde atrito, mas que retoma o peso e a compostura com enorme facilidade assim que você aliviar o acelerador, o tempo todo te passando a mensagem real de carro íntegro e seguro.
Seguro, com comportamento acessível para quase todo tipo de motorista e divertido, é assim o Astra nas curvas. O motor é forte para manter o passo nelas e só sendo muito louco ou ruim para se meter em encrencas sérias— o carro é uma mãe.
Conclusão
O Astra GLS certamente é um carro que não vai surpreender positivamente motoristas fortemente balizados pelos carros atuais, ou pessoas que não se importam com automóveis como nós, que não têm dentro de si uma chama autoentusiasta. Sua ergonomia não é tão perfeita como quase qualquer carro atual, a direção e a caixa de marchas são inequivocamente pesadas para 2022 (sem falar que caixa manual, hoje, parece crime passível de fogueira); o motor bebe com vontade e não têm o empurrão fácil lá de baixo dos pequenos turbos que são comuns no mercado.
Mas o reverso da medalha, para quem gosta mesmo, é muito mais legal. É um carro dos anos noventa, pequeno, aconchegante e realmente bastante sofisticado. Parece até que a GMB gastou todo o dinheiro em coisas realmente importantes no carro; dane-se a falta de ajustes do banco e do painel de desenho um tanto simplório para uma versão GLS. Todo o “resto” é legal demais, o motor era um dos melhores e mais avançados da época, parente direto daquele que animava o Vectra GSI e empurrava os monopostos da Fórmula Opel. O largo cabeçote de alumínio aceita que se ponha a mão em cima dele sem queimar, mesmo depois de muito abuso, prova curiosa e táctil da capacidade de dissipação de calor desse caro material.
As rodas com cinco parafusos aprisionam quatro discos que param forte o carro, ainda sem acionar o ABS. O comportamento é maduro e muito seguro nas curvas, e em toda a gama de rotações o carro se movimenta com facilidade inesperada para um dois-litros 16V de antigamente. Dá vontade de pegar uma estrada longa com ele e rodar até a gasolina entrar na reserva. O Elton, inclusive, irá fazer uma longa viagem com o carro, ultrapassando as fronteiras nacionais — quem disse que não dá para viajar para longe com “carro velho”?
Tudo ratifica que era um dos melhores e mais exóticos hatches da sua época, exótico por manter a configuração de duas portas, já em franca decadência, um verdadeiro esportivo disfarçado em versão de luxo. O esportivo da família, o Sport de mecânica mais simples, nem chegava perto em termos de sofisticação. O Astra GLS, assim — como o testado — parece um sucessor digno da sigla GSi, que voltaria poucos anos depois (2003) num Astra mais pesado, quatro portas, e carregado na decoração esportiva. Esse da avaliação, ainda com o visual puramente europeu, é a síntese de muita coisa boa que a influência Opel fez aqui no Brasil, um produto oriundo de uma linhagem vencedora, de um tempo que ficou lá para trás, mas que sempre lembraremos com forte saudade.
Nosso veredicto? Volta, Opel!!!!!
“Fórmula Finesse” / Bento Gonçalves, RS
Jeison Paim / Farroupilha, RS