Lembram quando eu disse que estava num momento Clóvis Bornay? Que quando eu puxava uma pena vinha não uma galinha, mas uma fantasia de carnavalesco inteirinha? Caí nessa novamente. Comecei escrevendo sobre um assunto, carros e mulheres, e ele acabou criando vida própria e se desdobrando em vários. E cá estou eu, novamente, com a mesma base, mas abordando outro aspecto.
Desta vez, algo que poderia ser uma piada pronta, especialmente aquelas contadas por aquele tio inconveniente que insiste em achar que reunião familiar é para desfiar um rosário de infâmias (felizmente, estou livre disso): mulheres no comando. Agora, de equipes de carros de corrida.
Como já disse ultimamente, não tenho certeza se o ambiente de carros de competição é machista, pois vejo de tudo e pesquisando encontro mulheres em todos os setores, incluindo aqueles mais “mão na graxa”, como ficou claro nas minhas colunas mais recentes neste espaço. Há machismo (e comportamentos condenáveis por serem puro preconceito) em algumas áreas, mas diria que isso acontece especialmente em algumas bolhas. Tem mais a ver com as pessoas que estão envolvidas do que com o segmento em si.
Lembro quando o Bob Sharp escreveu sobre minha chegada ao AUTOentusiastas, em novembro de 2015, que um comentário de um leitor destoou dos outros. Era algo como “mulher escrevendo sobre carros ou sobre futebol não tem como dar certo”. Foi o único nessa linha em pouco menos de uma centena de manifestações daquela vez. Todos os outros comentavam o texto em si, sem pré-julgamentos e sem sequer mencionar que a autora era uma mulher. Muitos criticaram a atitude daquela pessoa e elogiaram a qualidade do meu texto. Como eu digo, acho que esse tipo de comportamento é típico de algumas bolhas, mais do que de um setor. Da minha parte, fico longe de bolhas em geral e mais longe ainda daquelas com atitudes que não me agradam.
Pois bem, vamos a alguns exemplos de mulheres que estão ou estiveram à frente de equipes mas não apenas na Fórmula 1. Já aviso que os resultados alcançados por elas foram bem variados, assim como os de homens à frente de equipes de corrida.
E, claro, não posso esquecer da iniciativa lançada pela escocesa Susie Wolff em 2016, Dare To Be Different (“ouse ser diferente”), cujo objetivo é inspirar e aumentar a participação feminina no automobilismo. A ONG foi fundada por Susie junto com o presidente da Associação de Esportes a Motor, Rob Jones e visa incentivar meninas a participarem mais do automobilismo, em várias funções.
Susie foi uma competente piloto de testes da Fórmula 1, inclusive da Williams, até 2015, quando deixou as pistas para continuar como executiva. Gostei muito de uma entrevista que ela deu há alguns anos e de onde pincei esta frase a respeito das corridas de kart das quais participava: “Meus pais nunca me fizeram acreditar que o que eu fazia era incomum e foi só no final da adolescência que percebi que havia tomado um caminho diferente — e era uma das poucas mulheres a fazer isso”.
Claire Williams (foto de abertura)
O caso de Claire é uma mistura de gosto com circunstâncias. Ela é filha do lendário Frank Williams (1942-1921), que fundou a equipe junto com Patrick Head em 1977 – na verdade, na sequência de várias empreitadas com outros sócios iniciada em 1969.
Claire nasceu na Inglaterra e se formou em Ciências Políticas na universidade, mas seu primeiro emprego foi como assessora de Comunicação do circuito de Silverstone. Em 2002 foi exercer o mesmo cargo na equipe Williams, que já pertencia a seu pai. Subiu algumas posições até ser nomeada chefe de equipe, a principal executiva do time, em 2013.
Dirigiu a Williams entre 2013 e 2020 quando saiu depois que o fundo Dorilton Capital comprou a equipe. Atualmente, o diretor-executivo da equipe é Jost Capito. Durante a gestão de Claire, a Williams teve um renascimento, entre 2014 e 2015, mas depois disso caiu para ser uma das equipes de pior resultado da F-1. Sem recursos para voltar aos bons tempos, Claire vendeu a escuderia ao grupo de investimentos. A Williams sempre havia sido considerada uma equipe familiar, de “garagistas”. Em seu meio século de atividades acumulou 16 campeonatos mundiais — nove de construtores, atrás até hoje apenas da Ferrari, e sete de pilotos. Grandes nomes correram pela Williams, como Nélson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost, Ayrton Senna e Felipe Massa, entre outros. Mas desde 1997, quando Jacques Villeneuve ganhou o campeonato, a Williams não consegue um título mundial.
Ser mulher na F-1 é vantagem ou desvantagem? “Eu nunca notei meu gênero. A F-1 é um esporte sobre ser bom no que você faz”, disse Claire numa entrevista logo depois que saiu do circo da Fórmula 1. “As pessoas não reparam se você é homem ou mulher, mas essa é a minha perspectiva e é assim que fui tratada na Williams”. “Só recebi comentários negativos de pessoas de fora do esporte e de gente que escreve em mídias sociais, mas eu realmente nunca dei a mínima para isso”.
Monisha Kaltenborn
Nos 72 anos de Fórmula 1 houve até agora apenas duas mulheres no cargo mais alto de uma equipe. Claire Williams certamente é a mais famosa, mas não podemos nos esquecer de Monisha Kaltenborn, que dirigiu a Sauber entre 2010 e 2017.
Monisha nasceu na Índia, mas quando ainda era criança sua família se mudou para Viena e lá ela se formou em Direito e mais tarde estudou Economia na renomada London School of Economics. Foi graças a seu primeiro diploma que entrou em 2000 na equipe Sauber, para cuidar do seu departamento jurídico. Doze anos depois, o dono da equipe, Peter Sauber, transferiu 33% da equipe para Monisha, tornando-a coproprietária. Isto foi em maio. Em setembro, Sauber se aposentou e nomeou Monisha chefe de equipe. Em julho de 2016 o grupo Longbow Finance assumiu a Sauber e no ano seguinte Monisha saiu do time. O anúncio foi feito pela equipe num comunicado seco e pouco simpático que dizia que a saída dela era “de comum acordo”, mas esclarecia que os motivos eram as diferenças na visão sobre o futuro da empresa e que a saída era imediata.
“A visão de como atingir os objetivos era muito diferente entre mim e eles. Ainda estou certa de que meu caminho teria levado ao objetivo. Não mudaria nada, absolutamente, com exceção de alguns detalhes, teria feito tudo igual”, disse Monisha numa entrevista depois de deixar a equipe. Durante a gestão dela, o melhor resultado da Sauber foi um sexto lugar em 2012; o pior foi um décimo (e último) lugar, em 2017.
Em fevereiro de 2018, Monisha retornou ao automobilismo com a fundação da KDC Racing, que fez sua estreia nos campeonatos italiano e no ADAC (automóvel clube alemão) de Fórmula 4. KDC era um empreendimento 50% de Monisha Kaltenborn — o ‘K’ do nome da equipe — e 50% da empresária franco-monegasca Emily di Comberti “Di Comberti”), cujo filho Aaron disputou a Fórmula 3 britânica. Mas a equipe não prosperou.
Pela data em que assumiu, Monisha foi a primeira mulher a assumir o cargo de chefe de equipe de uma equipe de F-1.
Maude Yagle
Fora da Fórmula 1 há mais exemplos de mulheres à frente das equipes. E alguns são muito, muito antigos. Em 1929, Maude Yagle era a proprietária do carro pilotado por Ray Keech que venceu a 500 Milhas de Indianápolis e ela se tornou a primeira mulher dona de equipe a vencer a Indy 500. Ironicamente, naquela época as mulheres não podiam entrar nas garagens nem na área dos boxes de Indianápolis e ela, mesmo sendo a dona da equipe vitoriosa, teve de acompanhar tudo desde as arquibancadas, como uma espectadora comum. Infelizmente, sabe-se pouquíssimo sobre ela. Entre outras curiosidades, ela registrou o carro que comprou com o nome de M.A. Yagle, tentando evitar que se soubesse que era uma mulher. Mas foi em vão, pois em pouco tempo todos tinham conhecimento disso. Keech morreu somente 17 dias depois da vitória, num acidente de carro num outro circuito, e os bólidos de Maude tiveram pobres resultados nos dois anos seguintes até que foram praticamente esquecidos.
Não posso deixar de mencionar outras mulheres donas de equipe da Indy como Bessie Lee Paoli, que em 1952 viu seu carro chegar em segundo lugar na 500 Milhas, com Art Cross ao volante. Em 1962 Elmer George participou da prova dirigindo um carro da equipe de sua esposa, Mari Hulman George. Em 2008, Sarah Fisher se tornou proprietária de equipe. Ela também havia competido em 2009 e 2010 antes de se tornar dona de escuderia em tempo integral, o que aconteceu de 2011 a 2015.
Beth Paretta
Já falei bastante sobre a equipe Paretta na semana passada, mas não custa lembrar do feito quando falamos de mulheres donas de equipes. O auge da Paretta Autosport como equipe feminina foi no ano passado, na edição 2021 da 500 Milhas de Indianápolis. Beth foi a chefe de equipe da Paretta Autosport que colocou a suíça Simona de Silvestro no grid da prova mais tradicional do automobilismo americano.
Beth já havia tentado lançar uma equipe primordialmente feminina em 2016. O time tinha motor, patrocinadores, fundos financeiros e uma equipe, porém faltou o básico: um carro. Mas o ano passado foi de consagração para Beth. “Tivemos um grande primeiro ano trabalhando com Roger Penske e a equipe Penske como parte do programa ‘Race for Equality & Change’ (“corrida pela igualdade e a mudança”) e desde então, comecei a trabalhar para ter a estrutura certa e a oportunidade de crescer com o time”, disse Beth. O sucesso da equipe foi tão grande que foi o motivo das dificuldades este ano: boa parte dos integrantes da equipe ganhou uma grande visibilidade e saiu para outros times. Para este ano, a Paretta tem uma aliança com Ed Carpenter, piloto e dono de equipe que disputa a Indy.
Mudando de assunto: ultimamente ando meio confusa com tanta bobagem que leio. E quando digo bobagem não me refiro a ponto de vista diferente do meu, mas a coisas escritas erradas, mesmo. Esta nota me chamou a atenção. Fiz Exatas no segundo grau, mas não me lembro de ter visto nenhuma unidade de eletricidade em volume – por óbvio, nenhuma em litros. Mas, como disse, ando meio confusa…
NG