Como já contei na semana passada, muitos pilotos correm sob bandeiras que não são as dos seus países de nascimento. Os motivos são os mais diversos, mas todos eles são legítimos e estão dentro das normas da FIA, pois o Código Desportivo Internacional diz que os pilotos usarão a nacionalidade do país que emitiu sua superlicença e, basicamente, qualquer país pode emitir a superlicença de um piloto.
Vamos, então, a outros casos de pilotos que correram por países diferentes daqueles em que nasceram.
Vou começar pelo caso mais diferente, mas que é muito comum em Jogos Olímpicos. De um piloto que poderia correr, mas não corre:
Nikita Mazepin
Por ordem expressa do presidente da FIA, e aprovado pelo Conselho Mundial de Esporte a Motor, desde meados de março deste ano qualquer piloto russo ou bielorrusso poderia competir com uma bandeira neutra enquanto durar a guerra entre Rússia e Ucrânia. “Nós condenamos a invasão da Ucrânia pela Rússia e nossos pensamentos estão com todos aqueles que sofrem com isto na Ucrânia”, disse Mohammed bin Sulayem, presidente da FIA. Atualmente não há pilotos ucranianos nem bielorrussos na Fórmula 1, e apenas Nikita Mazepin é russo (os outros dessa nacionalidade que já correram são Vitaly Petrov, Daniil Kvyat e Sergey Sirotkin). Mas eis que no início de março Mazepin foi demitido da Haas, assim como seu patrocinador russo, sob alegação de que não poderiam ser mantidos por causa das sanções contra a Rússia. Não sei por que não foi aceito de volta, mas suspeito que tenha sido por questões de desempenho e a invasão da Ucrânia pela Rússia tenha sido uma desculpa. Mas é mera suposição minha, já que não há mais motivos para esse banimento. O fato de o piloto estar agora processando a Haas por falta de pagamento de alguns salários acho que vai dificultar ainda mais seu retorno, mas…
Barão de Graffenried
Seu nome era Emmanuel “Toulo” de Graffenried. Nascido em 1914 em Paris, mas de família de longa linhagem suíça, corria com a bandeira suíça. Disputou seis temporadas na Fórmula 1, entre 1950 e 1954 e voltou em 1956, num total de 23 provas (hoje isso tudo seria comprimido em apenas um ano de disputas). Marcou 9 pontos no total e defendeu as equipes Maserati e Alfa Romeo. Sua melhor colocação foi um oitavo lugar no campeonato de 1953 ao volante de um Maserati. Sobre o barão há um par de curiosidades, além, é claro de ser barão. Foi um dos que disputaram a primeira prova de Fórmula 1 da história, em Silverstone em 1950 e foi personagem do filme The Racers (“Caminhos sem volta”), de 1955, baseado na vida do corredor Rudolf Caracciola. O barão foi interpretado por Kirk Douglas, no filme Gino Borghese. Fim de mais um momento cultural? Quase. O Barão de Graffenried venceu o último Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, no Circuito de Gávea, para carros esporte, com um Maserati A6GCS 2-litros de 6 cilindros, em janeiro de 1954, superando vários Ferrari 3-litros (foto de abertura).
Keke Rosberg
Este é um dos exemplos mais óbvios de que país de nascimento nada tem a ver com o da bandeira sob a qual se corre. Ou alguém discutiria que Keijo “Keke” Erik Rosberg é finlandês até a medula? Mesmo tendo nascido na Suécia, mais especificamente em Solna, apenas porque seus pais estavam estudando lá, mas eram finlandeses e pouco tempo depois voltaram para seu país de origem, ele mesmo se considera totalmente finlandês. Keke foi campeão do mundo de Fórmula 1 em 1982 com uma única vitória naquele ano, no GP da Suíça. No total, largou 114 vezes entre os anos de 1978 e 1986, teve cinco vitórias por equipes como Theodore ATS, Wolf, Fittipaldi (sim, correu pela equipe brasileira), Williams e McLaren, e subiu 17 vezes ao pódio. Fora isso, disputou as 24 horas de Le Mans, mas sem resultados de destaque. Keke é o pai de Nico Rosberg, que depois de se sagrar campeão mundial de F-1 de 2016 ,pela Mercedes, se aposentou. Alemão de Wiesbaden. Alemanha, Nico, foi vice-campeão em 2014 e 2015.
Gerhard Karl Mitter
Mitter foi um piloto nascido em Krásná Lípa, uma região da então República Checa, quando esta ainda era independente. Três anos depois de seu nascimento, Hitler tomou o país e o anexou à Alemanha, no triste episódio dos Sudetos, por isso Mitter corria sob a bandeira alemã. Participou de quatro Grandes Prêmios de Fórmula 1 entre 1963 e 1969 e somou três pontos. Seu melhor resultado foi um quarto lugar na Alemanha em 1963. Correu pelas equipes Lotus, BMW, Brabham e Porsche. Morreu em 1º de agosto de 1969, Nürburg, na Alemanha.
Nélson Piquet Jr.
Nélson Ângelo Tamsma Piquet Souto Maior, mais conhecido como Nelsinho Piquet ou Néson Piquet Jr., nasceu em 1985 em Heidelberg, na Alemanha, mas ainda criança se mudou para o Brasil, cresceu em Brasília e sempre correu com a bandeira brasileira. Começou no kart, como a maioria dos pilotos, em 1993, onde ficou até 2000. Dois anos depois foi campeão da Fórmula 3 Sul-Americana. De lá foi para a Fórmula 3 britânica, onde em seu segundo ano (2004) já ganhou o campeonato. Passou então para a GP2, mas sem alcançar grandes resultados. Entre 2008 e 2009 disputou a Fórmula 1 pela Renault. Foram 28 grandes prêmios, 1 pódio e 19 pontos. Depois, entre 2014–15 e 2018–19 correu na Fórmula E. Foram 51 corridas, 2 vitórias, 5 pódios e o campeonato de 2014-2015. Coleciona também algumas vitórias na Nascar Xfinity Series e na Nascar Truck Series.
Gil de Ferran
Relutei um pouco em incluir este caso nesta lista, já que inicialmente era apenas de pilotos de Fórmula 1. Mas como Gil foi dirigente de equipe de F-1 e piloto de outras categorias de ponta do automobilismo, optei por colocá-lo. Quem não concordar, pule para o próximo nome. Gil de Ferran é um ex-piloto e dirigente esportivo brasileiro, nascido na França em 1967, especificamente em Paris, mas que se mudou para o Brasil quando tinha quatro anos de idade. Foi campeão da Fórmula 3 Inglesa, da 500 Milhas de Indianápolis e é bicampeão da CART Gil começou sua carreira, adivinhem, caros leitores, no kart, foi para a Fórmula Ford em 1987 e conquistou o título brasileiro. Em 1988, abandonou o curso de Engenharia quando estava no terceiro ano e se mudou, sozinho, para a Inglaterra. Em 1991 passou a disputar a Fórmula 3, onde conquistou o título no ano seguinte, com sete vitórias. Em 1993 e 1994 correu na Fórmula 3000 e chegou, no ano seguinte, à CART, hoje IndyCar Series. Em 2000 foi contratado pela equipe Penske e foi campeão naquele ano e no seguinte. Em 2002, a Penske foi para a Indy Racing League e levou Gil. No ano seguinte, Gil venceu a 500 Milhas de Indianápolis e no final da temporada anunciou sua aposentadoria da IRL. Em 2005 se tornou diretor esportivo da BAR na Fórmula 1, que no ano seguinte viraria Honda Racing F1 Team, mas saiu em 2007.Depois virou diretor esportivo da McLaren, de onde saiu no início de 2021. Desde então, ele tem sido dono de equipe e em alguns casos piloto de Le Mans, IRL e Indy Car Series.
Andrea Chiesa
Chiesa nasceu em Milão em 1964, mas como muitos pilotos correu com a bandeira suíça (outros tantos fizeram o contrário). Ele tentou participar de 10 corridas em 1992 pela equipe Fondmetal. Para não variar, começou a carreira no kart, em 1982 e em 1985 passou para o automobilismo profissional em 1985. Primeiro para a Fórmula 3 italiana, depois a Fórmula 3000. Em 1992, estreou na F-1. O problema é que das corridas em que ele tentou participar só conseguiu se classificar em três delas e não marcou nenhum ponto. A equipe, então, o dispensou e contratou Eric van de Poele. Em 1993, Chiesa foi para a CART. Ele disputa diversas categorias de monopostos.
Rudi Fischer
Rudolf “Rudi” Fischer mais um caso de alguém que nasceu em outro lugar (no caso em 1912, em Stuttgart, na Alemanha) e correu pela Suíça. Foram 8 grandes prêmios de F-1 entre 1951 e 1952 e seu melhor resultado foi um segundo lugar, justamente na Suíça e um terceiro na Alemanha. É ironia que chama ou retribuição kármica? Sei lá, mas gostei da coincidência. Uma curiosidade sobre Fischer era que ele era o líder de um grupo de pilotos suíços amadores autodenominados “Écurie Espadon”, que virou uma categoria de carros. Eram geralmente Gordinis, no início mas depois passaram a participar também Ferraris e outros modelos italianos. O grupo passou a participar de corridas por toda a Europa, mas seus participantes eram deveras originais e ecléticos, pois Rudi Fischer era dono de restaurante e Peter Hirt, outro dos membros do grupo era um empresário do ramo de ferramentas de precisão. Pronto, fim de mais um momento cultural.
André Testut
Testut nasceu em 1926 em Lyon, na França, mas se mudou para Mônaco. Lá se naturalizou e passou a correr com a bandeira do principado, mas este fato parece que não lhe trouxe sorte. Por duas vezes tentou correr apenas esse grande prêmio, o de Mônaco, em 1958 e 1959, mas nem conseguiu se classificar.
Pessoalmente, acho mais curiosos os casos de nacionalidades em que o país mudou de nacionalidade, como o caso da cidade de Montona. O mesmo acontece com pessoas que nasceram em ex-repúblicas soviéticas. São lituanos ou russos? Bem, depende do ano. Há ainda muitos casos de pilotos que tem dupla ou tripla nacionalidade e optam por uma delas. Atualmente, o mais conhecido é o de Alexander Albon, filho de pai britânico e mãe tailandesa, que optou por correr sob a bandeira britânica, mas tem o que eu considero mais raro, pela origem, que é de Pascal Wehrlein, filho de pai alemão e mãe das ilhas Maurício (mais um momento cultural: o gentílico é mauriciano) e nascido na Alemanha. Pessoalmente, gostaria de ter ouvido o hino das ilhas Maurício e de ver hasteada a bandeira de lá em vez de já tão comum hino alemão mas, convenhamos, Werlhein nunca foi assim um piloto de ponta, então melhor eu procurar essas coisas no YouTube.
Mudando de assunto: como boa oriunda que sou, tenho uma quedinha pela Ferrari, mas as estratégias usadas este ano já me fizeram passar muita raiva. Por isso adorei este meme:
NG