Na minha geração, dentro da família, há uma enorme predominância de mulheres, tanto do meu lado paterno quanto materno. Tenho apenas uma irmã e, na primeira “leva” de primos, nascemos sete mulheres e um único homem. Depois houve algumas tentativas de equilíbrio, mas com fracasso total. Tanto que somos 18 primos irmãos do lado da minha mãe, mas apenas 5 homens e 13 mulheres. Do lado do meu pai, 5, todas mulheres. E não foi por falta de primeiros, segundos e até terceiros casamentos de pais e tios, pois tem de tudo, até quem continua com o primeiro cônjuge.
Fato é que carrinho de rolimã na minha infância era raridade. Com algumas separações, pais que moravam em outros países e divórcios na família, muitos tios preenchiam lacunas. Dois deles brincavam com meu primo mais velho (quase dois anos mais novo do que eu) de carrinho de rolimã, empinar pipa, assim como o ensinaram a andar de bicicleta (e ele a mim, sem rodinhas), patins… Era uma saudável bagunça de brinquedos de menino e menina. Até mesmo porque meu primo durante vários anos foi o único menino e se não brincássemos com ele com o carrinho de rolimã ou a bicicleta, ele dependeria exclusivamente dos vizinhos que nem sempre estavam disponíveis nos mesmos horários. Então, era tudo junto e misturado e as primas nos juntávamos a ele nas corridas – na verdade, no revezamento, porque era apenas um carrinho que, muitas vezes, sofria acidentes e avarias mil.
Como quase todos morávamos em casas e em bairros tranquilos (exceto minha avó paterna, que morava num apartamento, em pleno centro de Buenos Aires), tudo acontecia na rua. Talvez por isso tenha me acostumado às corridas e goste tanto até hoje. Era de bicicleta, de patins (até hoje sou boa nisso, seja nos de quatro rodas, com os que comecei, seja nos de lâmina, que aprendi a usar no gelo), ou de autorama com os três filhos da melhor amiga da minha mãe.
No apartamento da minha nonna tínhamos que improvisar. Felizmente, o terraço era gigantesco, pois usávamos o terraço do prédio, que ocupava a cobertura. Entre cordas de roupa que secavam ao sol, minha irmã e eu usávamos os carrinhos miniatura do meu pai e do meu tio para simular corridas. Lá, era ao contrário, só havia brinquedo de menino. E um zilhão de bolinhas de gude. Nunca soube o que eles faziam com tantas e tenho certeza de que nós duas fomos responsáveis pela drástica diminuição da coleção — culpa do terraço, que era muito grande.
Na casa da minha tia-avó não havia brinquedos das minhas primas, e um dia meu tio-avô, que era engraçadíssimo, inventou a mais infame das corridas e certamente a mais longa da qual participei. Chovia horrores havia horas e ele já não sabia mais o que fazer com quatro crianças dentro de casa e nos mandou buscar caramujos no jardim. Não demoramos em achar alguns. Cada um escolheu um. Ele os colocou num canto da garagem, um ao lado do outro e deu início à corrida de caramujos. Aquele que atravessasse a garagem inteira mais rapidamente seria o vencedor. Não lembro como terminou a prova, mas sim que inventamos outra brincadeira depois de um tempo e, provavelmente, fomos fazer naninha em algum momento ou simplesmente fomos embora e abandonamos os bichos à própria sorte. Confesso que fiz o mesmo em casa uma vez com meus sobrinhos, mas eles aguentaram e um deles ganhou, sim, a prova.
É claro que com o passar dos anos comecei a preferir corridas mais rápidas. Quando pequena, acompanhava, no rádio, junto com meu nonno, as provas de bicicleta de que ele tanto gostava, mas sem entender nada — apenas pela companhia, pois até hoje acompanhar qualquer esporte pelo rádio para mim é algo incompreensível. Nem futebol consigo. Aliás, aos finais de semana muitas vezes ele saía para pedalar com meu pai. Coisa bem de italiano. Depois com meus pais conheci as provas de carro do Automóvel Clube Argentino e do Lyons Clube — eles chegaram a participar de algumas, coisa superfamiliar, mas me lembro muito pouco. Obviamente, nada de velocidade, eram mais provas de regularidade e de carros de passeio, algo muito amador, mais para que os associados se divertissem no final de semana e confraternizassem. Estava mais para Busca ao Tesouro do que para corrida mesmo.
Quando a televisão se popularizou realmente é que comecei a me esbaldar. Aos 13 anos conheci minha xará, filha de um preparador de carros sobre o qual escrevi neste espaço. Íamos juntas para a escola, o então primeiro ano do segundo grau. Eu subia primeiro no ônibus e ela uns 5-10 minutos depois. Como a viagem era longa, era uma falação só, pois nenhuma de nós era de conversar pouco. Certamente ela continua assim, mas infelizmente perdi o contato depois que estive na casa dela na Califórnia e não consigo achá-la. Há anos a procuro, mas em vão. Bem, como não desisto jamais, uma hora hei de conseguir.
As segundas-feiras eram especialmente terríveis para os outros passageiros do ônibus, porque no domingo havíamos visto a corrida de Fórmula 1. Pensem, caros leitores, que eu subia no ônibus às 5h40 da manhã. Hoje acho que éramos duas loucas, pois a essa hora deveríamos deixar as pessoas dormirem, mas o fato é que nunca, nunquinha, ninguém nos pediu para ficar quietas. Não falávamos alto não, só falávamos muito, e a viagem durava pouco mais de uma hora. Ééramos fãs de James Hunt e achávamos ele o mais lindo do grid (continuo achando), simpático, ousado, totalmente não convencional… E ela ainda tinha os insights do pai. Era a combinação perfeita. Fãs e ainda por cima bem informadas tecnicamente.
No ano seguinte eu me mudei para o Brasil. Seguimos em contato durante vários anos. Ela continuou ligada ao automobilismo por causa do pai e do irmão, mas não se envolveu diretamente nunca. Eu, como aficionada, cada vez assistia mais modalidades. Mas confesso que gosto mesmo é de corrida de carro. Vejo algumas provas da moto GP, tenho vários amigos que têm moto, vários querem convencer meu marido a comprar uma, mas ainda me atraem mais as quatro rodas.
Várias vezes sonhei em participar de um rali, mas como navegadora. Adoraria estar no Rali da Finlândia, mas seria um lastro inútil, pois seria totalmente incapaz de fazer o que um navegador de verdade faz, mas ia gostar demais disso. Mas do que num do tipo Dakar. Sei lá, das várias vezes que dirigi na neve, carro, trenó e snowmobile, adorei. Acho uma sensação incrível e tive que me policiar, pois me empolguei tanto que no trenó, ao fazer uma curva fechada sobre um rio, vinha a milhão e quase joguei meu marido para fora do trenó. Na verdade, ele foi para fora, só não foi totalmente porque se segurou e conseguiu voltar. O mesmo no snowmobile. Deslizar na neve é demais.
Nas madrugadas de insônia acompanho os ralis e as provas da DTM ou suas reprises. Não faço a menor ideia de como estão os campeonatos e, sinceramente, não ligo muito. Gosto mesmo é de ver cada prova, mesmo que fora de ordem. Sei lá, é loucura que chama isso?
Mudando de assunto: caros leitores, dar-lhes-ei uma folga de algumas semanas (fazia tempo que eu não soltava uma mesóclise!). Estarei de volta a este espaço no dia 26 de outubro e, a partir de então, a coluna será quinzenal. Aproveitem o descanso destas escrevinhações.
NG