Meus caros leitores sabem muito bem como eu sou curiosa. Aliás, na minha família é algo que vem de berço e, pelo visto, passa de geração para geração. Quando meu sobrinho era pequeno não parava de perguntar tudo, o tempo todo. Minha irmã, assim como minha mãe, sempre foi adepta de escutar os filhos, de fomentar a curiosidade e responder sobre tudo, mas, humana que é, um dia cansada de horas de ouvir e responder sobre as coisas mais estranhas disse: “Filho, para de perguntar tanto ‘por quê’, por favor. Dá um tempo.” Pessoalmente, eu já teria implorado isso umas duas horas antes. E ele: “Mãe, por que eu pergunto tanto por quê?”. Desnecessário dizer que nós duas caímos na gargalhada.
Bem, fato é que eu também sou assim mas, para minha felicidade, hoje não preciso ficar perguntando a ninguém pois todas as respostas estão ao alcance de um clique — o que é muito mais perigoso, pois minha curiosidade não para de aumentar. Depois de pesquisar sobre as bandeiras sob as quais os pilotos correm e os motivos para isto nas duas últimas colunas (penúltima e última) fui atacada por outra dúvida: e como isso funciona com as equipes? Claro que todo mundo sabe que Ferrari é italiana, mas o que determina a nacionalidade de uma equipe de corrida? Especialmente com aquelas menos vitoriosas, que não costumam subir ao pódio e por isso mesmo nunca ouvimos os hinos, quais são suas nacionalidades?
Bem, primeiro ponto: não é a origem do patrocinador, do dono, nem a do fabricante do motor, do chassi, nada disso. É a do país que emite a permissão para que opere. Claro que quem emite a licença é, na realidade, a Autoridade Desportiva Nacional de um país. Como a licença tem um período determinado de validade, e esta deve ser renovada, a “nacionalidade” do time pode mudar ao longo do tempo — e de fato isso já aconteceu algumas vezes.
A Benetton, por exemplo, era britânica até 1996 quando mudou para italiana, num raro caso de equipe que ganhou corridas sob duas nacionalidades, pois parece que isso não dá lá muita sorte. A Red Bull nem sempre foi austríaca — de fato, até 2007 corria sob a bandeira britânica. A Renault, quem diria, passou de francesa para britânica em 2011 e voltou a ser francesa em 2016. Este tipo de mudança, somada à regra da nacionalidade pelo país de emissão da permissão, foi motivo de algumas gafes históricas na hora de tocar os hinos das equipes no pódio, como quando foi tocado o hino britânico para a Red Bull no lugar do austríaco em 2009 ou o britânico para a Shadow em 1973 no lugar do americano, ou a canadense Wolf, que ouviu o hino britânico, entre vários outros exemplos.
Até 1968, o país que emitia a licença da equipe determinava, inclusive, a cor do carro. Por exemplo, uma escuderia italiana era a única que podia usar o italiano “rosso corsa”, uma francesa era a única que podia usar o “bleu de France” e os britânicos (com algumas exceções, é verdade, como McLaren e Brabham) estavam autorizados a correm com a cor “verde britânico de corrida”.
Mas como qualquer pessoa mais observadora ou com boa memória pode me corrigir, isto não era bem assim. Parei? Não, caros leitores. É que uma brecha no regulamento permitiu que houvesse uma gigantesca exceção nesta regra. Como a cor estava vinculada à licença dada à equipe e não ao construtor, as equipes que entraram na Fórmula 1 para correr em carros construídos por fabricantes de outros países antes de 1968 puderam pintar carros na cor nacional de seu país de origem. Quem não lembra da equipe do francês Guy Ligier e seus carros “bleu de France”, construídos pelo britânico Charles Cooper entre 1966 e 1967?
Isto não significa, no entanto, que a nacionalidade esteja vinculada ao país onde está a sede da escuderia. Na verdade, a maioria delas está baseada na Inglaterra e até a italianíssima Ferrari tem instalações em solo britânico. Mas não sua sede, que eles não são loucos de brigar com os tifosi.
Basicamente, a maior parte das equipes está sediada na Inglaterra por questões logísticas. A ilha está perto da maior parte dos circuitos. Até pouco tempo atrás fazia parte da União Europeia (não sei se muda algo na questão da logística, é algo a ser observado no médio prazo) e já existe toda uma infraestrutura de fabricantes de peças, fornecedores e de mão de obra. Segundo um levantamento da BBC, hoje a Inglaterra detém 80% do total de engenheiros de alta performance disponíveis no mundo todo. Sim, já sei, a BBC é britânica e pode estar puxando a brasa para sua sardinha, mas mesmo que não sejam 80%, acredito que esse número seja realmente bastante elevado. Assim como engenheiros, há também técnicos e estrategistas disponíveis lá. É como o comercial dos biscoitos Tostines: vende mais porque está sempre fresquinho ou está sempre fresquinho porque vende mais?
Isso é visível quando uma equipe fecha ou é vendida. Aconteceu com a Jaguar, que foi comprada pela Red Bull e por isso se instalou em Milton Keynes apesar de ter licença na Áustria.
Tudo está muito ligado à riquíssima história britânica de competições, que chega mesmo a ser anterior às corridas de automóveis e começa com as de cavalos. A primeira prova de Fórmula 1 foi na Inglaterra, em 1950.
A exceção mais famosa, é claro, é a Ferrari. Mas para a Scuderia, estar baseada na Itália é uma questão de honra, assim como para sua torcida e ninguém nem cogita em tirar sua base de Maranello. Não sem encomendar o próprio caixão e o funeral primeiro.
Alpha Tauri e Alfa Romeo também são pontos fora da curva e ambas estão baseadas nos países de origem de seus fundadores, respectivamente Itália, já que a origem da Alpha Tauri é a Minardi, e Suíça, já que a Alfa Romeo é sucessora da Sauber.
A Haas é outro caso interessante. Seu proprietário, o americano Gene Haas, emitiu a licença da equipe nos Estados Unidos, mas também tem um pé a Inglaterra, em Banbury, e outro na Itália, por estarem mais perto do calendário europeu de circuitos. Estrategicamente, faz sentido, pois atualmente entre 60 e 70% das equipes estão baseadas na Inglaterra. É o tal pragmatismo americano.
As equipes atuais
Alfa Romeo
- Localização: Hinwil, Suíça
• Fundada: 1950
• Bandeira sob a qual corre: Suíça
• Campeonatos de construtores: 0
• Campeonatos de pilotos: 2
AlphaTauri
- Localização: Faenza, Itália
• Fundada: 2020
• Bandeira sob a qual corre: Itália
• Campeonatos de construtores: 0
• Campeonatos de pilotos: 0
Alpine
- Localização: Enstone, Reino Unido
• Fundada: 2021
• Bandeira sob a qual corre: França
• Campeonatos de construtores: 0
• Campeonatos de pilotos: 0
Aston Martin
- Localização: Silverstone, Reino Unido
• Fundada: 2021
• Bandeira sob a qual corre: Reino Unido
• Campeonatos de construtores: 0
• Campeonatos de pilotos: 0
Ferrari (ver foto de abertura)
- Localização: Maranello, Itália
• Fundada: 1950
• Bandeira sob a qual corre: Itália
• Campeonatos de construtores: 16
• Campeonatos de pilotos: 15
Haas
- Localização: Kannapolis, EUA; Banbury, Inglaterra; Maranello, Itália
• Fundada: 2016
• Bandeira sob a qual corre: EUA
• Campeonatos de construtores: 0
• Campeonatos de pilotos: 0
McLaren
- Localização: Woking, Reino Unido
• Fundada: 1964
• Bandeira sob a qual corre: Reino Unido
• Campeonatos de construtores: 8
• Campeonatos de pilotos: 12
Mercedes
- Localização: Brackley, Reino Unido
• Fundada: 1954
• Bandeira sob a qual corre: Alemanha
• Campeonatos de construtores: 8
• Campeonatos de pilotos: 9
Red Bull
- Localização: Reino Unido
• Fundada: 2005
• Bandeira sob a qual corre: Áustria
• Campeonatos de construtores: 4
• Campeonatos de pilotos: 5
Williams
- Localização: Grove, Reino Unido
• Fundada: 1977
• Bandeira sob a qual corre: Reino Unido
• Campeonatos de construtores: 9
• Campeonatos de pilotos: 7
Mudando de assunto: vejam o que aconteceu esta semana na cidade de Liège, na Bélgica, perto de Spa. Um trem apareceu todo pintado com os símbolos da Red Bull, logo depois da vitória de Max Verstappen. Num dos fóruns dos quais participo alguns ingleses (que surpresa!) disseram que a Red Bull deveria pagar a pintura do trem de volta à original. Outros participantes de diversos países acharam muito original e, no geral, gostaram. E vocês leitores? Pessoalmente, acho engraçado quando se aplaude que se escrevam poesias no asfalto, que se pintem empenas de prédios (sem autorização e mesmo com autorização) e que se acha isso arte de rua, mas quando é um campeão do seu país se critique. Vejam, não há outro piloto holandês ou belga disputando a F-1, só há um, logo não se fala de polarização entre duas torcidas, é entre torcer por ele ou não torcer.
NG
A coluna “Visão feminina” foi publicada excepcionalmente nesta 5ª feira, seu dia normal é 4ª feira.