Em 30 de março de 1972 eu acaba de completar 11 anos de idade, e fazia dois ou três anos que frequentava o autódromo de Interlagos, levado pelo meu tio João Mucciolo (falecido este ano) para as provas de Divisão 4 onde competia com protótipo JK , ou para assistir aos festivais de velocidade, como a Copa Brasil de 1970 e o Torneio BUA de Formula Ford. Mas naquela quinta-feira meu tio não iria à primeira corrida de Formula 1 no Brasil. A minha frustação era enorme, pois a emissora de TV mostrava chamadas de 5 em 5 minutos, e as cenas eram cativantes, mesmo para imagens ainda em preto e branco.
Corrida na quinta-feira? Sim uma quinta-feira da Semana Santa que era feriado no Brasil. As datas também eram um problema: a primeira tentativa foi fazer uma dobradinha com o GP da Argentina, realizado em 23 de janeiro. Mas a exigência de algumas obras atrasaram o projeto. Com isso, a única data possível foi esta, para fugir de uma etapa do europeu de F-2 no circuito inglês de Thruxton. Era comum que os pilotos da F-1 disputassem as duas categorias para complementar o salário.
Essa primeira corrida de F-1 foi o “teste final” da FIA para certeza de que o Brasil reunia todas as condições para sediar uma prova do campeonato mundial e por esse motivo não contou pontos, o que só ocorreria na corrida do ano seguinte, vencia por Emerson.
Amanheci chorando que queria ir à corrida, e meu pai estava irredutível. Não queria enfrentar o trânsito e a distância que teríamos desde a Zona Leste da capital paulista até o longínquo autódromo na Zona Sul. Mais especificamente no extremo sul da cidade. Não tínhamos ingresso e muito menos protetores solares ultrapoderosos de hoje para enfrentar o sol de final de verão.
Cerca de três horas antes do horário da largada, meu pai se cansou dos meus pedidos e decidiu ir até Interlagos para mostrar para mim que seria impossível chegar lá, ou até mesmo entrar no autódromo. Saímos na sua VW Variant 1971 com o discurso de que seria uma viagem perdida, e que ainda perderíamos a corrida na TV, mas isso não me importava. Eu não queria assistir a corrida na TV.
O trajeto até Interlagos foi livre de congestionamento. Acho que todo mundo que queria ir, já tinha ido no dia anterior ou madrugado. Chegamos na ponte sobre o Rio Pinheiros, e tudo livre para subir a Avenida Interlagos. Conseguimos estacionar o carro em um terreno transformado em estacionamento bem na frente do primeiro portão do autódromo.
Por não ter ingresso para acessar as arquibancadas do atual Setor A, decidimos seguir um grupo que caminharia por fora do autódromo em direção ao kartódromo e de lá encontrar um ponto no muro que pudéssemos ver parte da pista. A grande vantagem dessa época era que de qualquer parte do circuito era possível enxergar 70~80% do traçado. A certeza de que iria ver e ouvir um carro de F-1 estava se confirmando.
As dificuldades do percurso foram muitas, pois estávamos caminhando pelo matagal que circundava o autódromo, por fora do muro, seguindo a topografia da pista. Descendo a Subida dos Boxes até o trecho da junção com o anel externo. Descendo um pouco mais até a Curva 4, e dali começava a subida até a Curva 3 e final da Reta de Interlagos.
Nas imediações da Curva 3 havia um buraco no muro do autódromo onde todos já estavam entrando, e o policiamento já não se preocupava em conter. A caminhada continuava, e a busca era por um lugar para se acomodar, afinal havia muitas barracas de camping do pessoal que estava acampado no autódromo há vários dias.
Finalmente chegamos no morro do kartódromo, onde por muitos anos havia a placa da BARDAHL. Na verdade, era uma placa para cada letra, permitindo ser avistada deste do Setor A. Essas placas foram levantadas e serviram como abrigo de chuva e sol para os campistas.
Nosso lugar ao sol foi no final do barranco, onde era possível ver e ouvir muito bem os motores Ford Cosworth V-8 roncando em alta velocidade pelo Retão. A Ferrari não veio para essa prova extraoficial, portanto não foi dessa vez que escutei os 12 cilindros roncarem em Interlagos.
Do ponto em que ficamos era possível ver muito bem o final da reta, a Curva 3 e 4, a aproximação para a Curva da Ferradura, e depois os carros reapareciam na Subida do Lago e Reta Oposta. Sumiam no contorno da Curva do Sol e ressurgiam na freada do Sargento. Depois de um trecho de visão obstruída para a Curva do Laranja, conseguíamos ver novamente na entrada dos “S”, Curva do Pinheirinho, que ainda tinha o pinheiro ao centro, Bico de Pato (também chamado de Cotovelo na época, Mergulho e entrada da Curva da Junção.
Foram voltas de pura emoção, com Emerson Fittipaldi largando desde a Pole Position para liderar 32 voltas, quando quebrou a suspensão traseira do seu Lotus 72D, carro com o qual seria Campeão Mundial naquele ano. A quebra aconteceu na reta dos boxes aproximadamente onde começa a rampa de acesso. Não foi possível vê-lo se retirando para os boxes, mas através do rádio de pilha chegou a informação. A emoção de ver os carros na pista continuou até a vitória de Carlos Reutemann com Wilson Fittipaldi Jr subindo ao pódio em terceiro.
Não me lembro da caminhada de volta até o carro e muito menos a dificuldade que meu pai enfrentou até chegarmos de volta em casa. Provavelmente eu tenha dormido ou até mesmo sido carregado por ele, afinal tinha só 11 anos, era uma criança, e só meu pai sabe o quanto fui grato a ele por esse dia.
Pai, te amo, esteja onde você estiver.
GB
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