(continuação da edição anterior)
Continuando onde parei, infelizmente eu soube que muitas vezes a polícia parar carros apenas para “ganhar um suborno”. Vimos mais de um caso em que o motorista dava dinheiro ao agente bem no carro à nossa frente – e não era pagamento de multa, não. A recomendação nesses casos é recusar educadamente o pedido. Se o policial insistir, não discuta e recuse educadamente. Me disseram que você pode ligar para a locadora de veículos para resolver o problema com o policial, mas prefiro não passar por isso.
Se a polícia parar você por uma infração de trânsito, ela deve indicar o delito que você cometeu antes de pedir que pague antecipadamente ou na delegacia mais próxima.
Há também as paradas que eu chamei de estranhas. Em torno de algumas vilas, os carros têm de pagar uma espécie de pedágio. Não ficou muito claro se todos os veículos pagam nem quanto nem por quê. Nosso superguia Peter me explicou, mas não tenho certeza. Acho que eram apenas os veículos da localidade que pagavam, mas não garanto e não quis incomodá-lo.
Há grades improvisadas, pessoas que recebem o dinheiro (vivo, sem comprovante, como quase tudo na economia tanzaniana) e seguem em frente. Novamente, mais um motivo para eu não dirigir lá, pois nem saberia o que fazer.
De acordo com o Status Global de Segurança Rodoviária da Organização Mundial de Saúde de 2018, a Tanzânia ocupa o sexto lugar no mundo em mortalidade em acidentes rodoviários, a sétima causa de morte na Tanzânia, com uma taxa de mortalidade de 46,17 por 100.000 habitantes. Nos relatórios de 2020, a Tanzânia reportou uma redução de 26% nos acidentes rodoviários de 18 de julho de 2019 a março de 2020.
A gasolina não é barata para a renda dos locais. Custa 2.971 xelins tanzanianos o litro (US$ 1,28) e o diesel 3.154 xelins (US$ 1,35). A Tanzânia não produz petróleo e somente um pouco de gás, que serve para gerar a maior parte da energia do país, pois apesar da insolação que recebe não produz energia solar tampouco eólica. Energia solar é marginalmente usada nos povoados remotos em placas do tamanho de uma folha A4, mas apenas o suficiente para carregar um celular, por exemplo, ou para esquentar água.
Esse foi o caso dos nossos acampamentos. Passei um mês sem saber o que era um secador de cabelo, ar condicionado ou televisão no quarto, pois a geração das plaquinhas era suficiente apenas para uns abajures e carregar celulares, câmeras e só. Mas, acreditem, não senti falta de nenhuma dessas coisas diante de tudo o que tinha para ver e aprender. O resto da pouca energia elétrica gerada e consumida no país vem de hidrelétricas e térmicas a carvão. E, sim, as quedas de energia eram muitíssimo frequentes – nós víamos várias durante nossa permanência nos quartos, apesar de que só chegávamos a nossas hospedagens por volta das 17h30 e saímos às 8h00.
Provavelmente por causa do alto preço do combustível é que bicicletas e motos fazem tanto sucesso por lá. Não vimos em toda nossa estadia as grandes marcas de petroleiras internacionais, mas ninguém parece se preocupar com a procedência do combustível. E mais uma curiosidade: era bastante comum frentistas mulheres. Vimos muito mais mulheres nessa função do que homens.
Mais de 75% do transporte de mercadorias na Tanzânia é rodoviário e 80% do tráfego de passageiros. No total, o país tem 86.500 quilômetros de estradas, geralmente em más condições. Apesar da colonização britânica, o transporte ferroviário é ínfimo e são frequentes os atrasos e os cancelamentos. A maioria dos trens sai ou chega a Dar es Salaam, onde está o maior e o mais importante porto do país, e onde também está concentrada a maior frota de carros: 1 milhão (em 2012) para uma população na metrópole de cerca de 4 milhões.
Não estivemos na maior cidade do país, justamente Dar es Salaam, mas fizemos ótimas fotos no aeroporto de Arusha, que é justamente o ponto inicial dos safáris e é extremamente movimentado. Como eu disse, é uma viagem única e, na minha opinião, imperdível. Mas vá preparado e, claro, o bom humor é fundamental numa aventura deste tipo. Digo mais uma vez: amei ter ido à Tanzânia.
A Tanzânia não tem fábricas de carros, mas há um par de indústrias que adaptam Land Cruisers para safáris. Usamos um desses e são os mais vistos e os mais apreciados pela robustez e facilidade de manutenção. De fato, extremamente eficientes e valentes. Encaramos (bem, o Peter encarou) todo tipo de terreno com galhardia e tivemos um único probleminha — algo com o escapamento, mas segundo o Peter, nada mecânico. Em algum momento da viagem começou a fazer um barulho estranho, mas de fato não houve alterações no comportamento do veículo e nem precisamos parar para fazer qualquer reparo. Ele até nos disse o que era, mostrou fotos que tirou do escapamento, mas confesso que agora não me lembro. Só que era algo relativamente banal e não havia necessidade de parar para nenhum tipo de conserto.
E agora, o momento turismo da coluna. Vimos, sim, milhares e milhares de animais. De pouca quantidade, só rinoceronte que avistamos apenas um em 11 dias de safáris das 8 às 17h30. Uma pena, pois é um animal fantástico. Muitíssimo mais animais do que havíamos visto na África do Sul, como já contei aqui. Não quero comparar pois são duas viagens completamente diferentes e as duas valem muito a pena, mas acho que fizemos bem em ir primeiro à África do Sul e depois à Tanzânia. O inverso não teria funcionado tão bem. Mas nos dois casos, dá para ver animais realmente de perto.
Das 11 noites de safáris, 6 foram passadas em acampamento, por opção nossa. Não são barracas de moradores de rua ou sem-teto, muito pelo contrário. Cada uma tem de 40 a 50 metros quadrados, com banheiro e chuveiro privativos (com cortina, mas um deles tinha um segundo chuveiro, externo, algo comum na África e que eu adoro e uso sempre que tem), cama gigantesca com dossel e mosquiteiro, como nos filmes, e varanda. Mas são de lona, sim. A vantagem é que não se precisa carregar chave nem cartão, basta abrir o zíper da tenda!
É uma experiência ímpar, com tudo o que a palavra significa. Dormir ouvindo o rugido dos leões, os gritos das hienas e o relinchar das zebras é maravilhoso. Mas sair de pijama na porta da tenda, com celular na mão, à meia-noite para filmar dois elefantes que entraram no acampamento e um deles estava diante da nossa barraca, é algo indescritível. Nos aconteceu no Serengueti.
Nesse mesmo acampamento tivemos outra experiência hilariante. Não tem água potável nem encanada mas sim, como meu marido apelidou, água molecular. É trazida até o chuveiro por um moleque. O que seria uma caixa d´água é na verdade um saco com capacidade para 25 litros (foto ao lado) Na hora do banho, precisávamos avisar à recepção (eram umas 8 tendas no total), que mandava uma pessoa. Detalhe: as comunicações eram por walkie talkie ou usando a lanterna, piscando intermitentemente para chamar a atenção de um guarda, dependendo do acampamento. Depois do pôr do sol e antes do amanhecer não se pode andar sozinho pelo acampamento nem mesmo nas hospedagens que são de alvenaria, como foi o caso de uma em Lake Manyara, e para ir ou voltar do jantar éramos sempre escoltados por guardas. O motivo é simples: todas elas ficam dentro de parques, por onde os animais circulam livremente e, é claro, há enormes riscos para as pessoas se não forem tomados alguns cuidados.
Mas voltemos à nossa água molecular. Um rapaz buscava água numa fogueira próxima das tendas, onde ficava esquentando, e jogava uns 10 litros na “caixa d´água”, misturando com outro tanto de água fria. Aí, era só abrir o registro do cano do chuveiro de dentro da tenda, se molhar, fechar novamente, se ensaboar, abrir o registro e se enxaguar. Claro que isso era feito em etapas e lavar o cabelo demandava várias da minha parte. Quando a água acabava no meio do banho, e sempre acabava, era só gritar “maji” que quer dizer água em suaíli, e o valente Ebenézer ia buscar mais. Ele ficava do outro lado da lona do chuveiro e a comunicação era rápida e eficiente.
E foi justamente essa água que atraiu os elefantes na primeira noite. Deve ter ficado alguma no reservatório e como esses paquidermes são muito preguiçosos, um deles simplesmente arrancou o reservatório para beber. Esse barulho nos alertou e como sempre ficam guardas de plantão no acampamento, já estavam seguindo os dois brutamontes. No dia seguinte, vimos os destroços da nossa caixa de “maji”.
Passamos a viagem toda escovando os dentes com água mineral, entre outras peculiaridades.
Nesse mesmo acampamento, na noite seguinte, quando éramos escoltados para nossa tenda depois do jantar, perguntei para o segurança se havia muitas hienas, pois havia ouvido várias depois da incursão dos elefantes, na noite anterior. Ele me disse: “claro, e tem uma aí, bem do seu lado”. Apontou a lanterna e a um metro e meio de mim havia uma hiena adulta, que batia na minha cintura, e nos acompanhava desde que havíamos saído da tenda principal. Com a luz na cara, ela se afastou. E não, eles não andam armados, no máximo vimos guardas com rifle de ar comprimido num dos acampamentos. Nos outros os guardas, geralmente massais, usam bastões. Se isso é o suficiente ou não, não faço a menor ideia.
Guarda armado só vimos na nossa caminhada de duas horas dentro do parque Arusha, com um ranger (aí já não era nosso guia Peter). (foto de abertura) Foi outra experiência fantástica a de andar tão próximo de animais selvagens. Isso só é possível lá porque não há leões e somente poucos leopardos. Sem predadores naturais, mesmo os bravos búfalos ou elefantes são menos agressivos. Não é que eles estejam domesticados nem mesmo acostumados a seres humanos — eles apenas não nos reconhecem como predadores e, exceto se você se aproximar demais ou fizer movimentos violentos, eles não atacam.
Fora isso, teve a hospedagem no acampamento em Tarangire onde há um laguinho ao lado da piscina e elefantes, zebras, gnus e outros animais aparecem o tempo todo para beber água. De vez em quando, na hora do congestionamento, algum não quer disputar espaço e simplesmente ruma para a piscina do hotel. Em dois dias tivemos que sair das espreguiçadeiras no final do dia para ficar um pouco menos perto de um elefante que apareceu.
Outro dos muitos pontos altos da viagem foi ter “esticado” a viagem até o rio Mara, na fronteira com o Quênia. Eu queria muito tentar ver a travessia dos animais na migração — aquela cena clássica dos filmes do “Animal Planet”, quando milhares de gnus e zebras atravessam o rio para chegar à Tanzânia e na travessia algum é pego pelos crocodilos. Encaro esse tipo de coisa como o ciclo da vida. Demos muita, muita sorte, pois ver travessias, principalmente longas, é uma raridade. Nós ficamos lá dois dias inteiros e vimos quatro travessias — duas delas de mais de meia hora cada uma, com milhares e milhares de animais.
As outras duas foram interrompidas — uma por um guia inexperiente ou mal-intencionado do outro lado do rio que colocou o jipe na frente da manada de gnus, bloqueando o caminho deles que, desconfiados, interromperam a travessia e mudaram de rumo, e outra porque um crocodilo gigante apareceu nas águas do rio e os animais voltaram para o outro lado do rio.
Digo que tivemos sorte porque outro casal que estava no mesmo acampamento que nós somente conseguiu ver travessia no quarto dia de plantão. E digo plantão porque é isso mesmo. Sai-se por volta das 6 da manhã (ok, nós saímos às 8 os dois dias pois o casal Gonzalez só sai de madrugada se é absolutamente imprescindível) e fica-se dentro do jipe, às margens do rio até umas 16h00. Os animais do outro lado andam, às vezes se juntam em grupos gigantescos e quando parece que vão atravessar, mudam de ideia e começam a andar, ou mesmo correr, para o outro lado. Ou ficam parados no mesmo lugar por horas seguidas.
Os jipes então andam na mesma direção dos animais, mas do outro lado do rio, e afastados até que em algum momento os bichos resolvem atravessar. É então que os jipes saem a milhão na direção do rio, para que possamos ver de perto a travessia. O afastamento é importante até o início da travessia porque para-brisas, retrovisores e grades refletem o sol e assustam os animais, impedindo que atravessem.
Depois de iniciada a jornada, eles baixam a cabeça e só olham para o rio à procura de crocodilos e nesse momento não há problema em chegar perto das margens. Mas a cada interrupção, o recuo de todos os veículos é necessário. Fizemos isso sei lá quantas vezes nos dois dias de plantão. Nos dois dias, almoçamos dentro do jipe e a cada mudança de lugar parávamos ao lado de outro carro para alternar nossos interlocutores, pois não se pode descer dos veículos.
Em todos os safáris há rusticidade, mas o grau varia muito. Nós recebíamos dos hotéis, assim como quase todos os turistas, caixas de papelão com o almoço. Eram três caixas iguais entre si, uma para o Peter, outra para meu marido e uma terceira para mim, mas variavam um pouco de uma acomodação à outra. Numa delas tivemos acepipes realmente bacanas, incluindo itens de aperitivo, mas sempre de qualidade e diria que num dos casos, de alguma sofisticação.
Geralmente vinha suco de frutas de caixinha, água mineral, uma maçã, uma banana, um pedaço de frango assado (para comer com a mão, pois os talheres eram de plástico e sempre quebravam), um acompanhamento que quase sempre era arroz, às vezes também um sanduíche ou um pedaço de torta de legumes ou frango, às vezes um pedaço de bolo… sempre muito saboroso.
Vimos algumas pessoas que tinham serviço VIP e os guias desciam dos jipes com toalha de mesa, travessas e pratos de cerâmica ou metal, talheres de metal e comida acondicionada em chiques embalagens térmicas, com saladas, arroz e outros acepipes, além de vinho e água. Um dia o Peter pediu para nossa hospedagem fazer assim e comemos com toalha de mesa massai e tudo. Um charme.
Aliás, o almoço era sempre em áreas designadas para isso dentro dos parques, com bancos e mesas e, não raro, macacos à volta – essa era a parte perigosa, pois eles atacam e roubam comida e costumam ser bem agressivos. Vimos alguns ataques que resultaram em arranhões e muitos sustos, além da perda da comida.
No parque Tarangire comemos dentro de uma área que estava toda gradeada, como uma gaiola. Nós é que ficávamos dentro. Mas as grades foram meio mal planejadas e passavam muitos pássaros por elas e tínhamos que cuidar da comida do mesmo jeito. A diferença é que os macacos são mais agressivos do que os pássaros…
Passamos um dia numa comunidade perto de Ngorongoro, onde aprendemos como plantam arroz e banana para vender nos mercados locais e para uso próprio e experimentamos cerveja e vinho de banana. Também lá dentro fomos ver como se entalha madeira (meu marido tentou, mas só fez figuração para as fotos), estivemos com um grupo que ensina pintura para o pessoal da vila ter alguma renda e alguma profissão.
Passeamos entre as casas, conversamos com muita gente e realmente vimos e sentimos como vivem — com muita dificuldade, mas com muita alegria. Fomos muitíssimo bem recebidos. Aprendemos e vimos como fazem as casas de lama e estrume com galhos de árvores e teto de folha de bananeira… Voltamos do passeio com telas dos pintores locais, bichos e esculturas entalhadas, claro, e almoçamos num restaurante caseiro com comida suaíli feita em panelas de barro em fogão a lenha. Tudo delicioso e extremamente variado, assim pudemos provar muita coisa.
Também passamos uma tarde numa aldeia massai. É impressionante como lá tudo está parado no tempo e vivem como há 100 anos. Na vila (sempre muito, muito pequenas), de formato circular, tudo de terra batida, as casas são feitas de lama e estrume pelas mulheres. Os massais são polígamos e tem às vezes 10 esposas — na verdade, não há limite, depende apenas de quantas o homem quer ter.
Os filhos são criados por todas as mulheres da vila, em espécies de creches comunitárias e as crianças não estudam – nem dentro nem fora da vila. É raríssimo alguém estudar e, quando o faz, tem de ser fora pois não há escolas nas aldeias massais. Eles não têm língua escrita e todos os costumes são passados oralmente. As crianças massais, como as tanzanianas em geral, estão sempre jogando futebol. Mesmo descalços, ou com o calçado típico que é uma sola plástica quase plana com tirinhas e com bolas de todo tipo e estado de conservação.
Até hoje se alimentam como antigamente: apenas carne bovina, carne de carneiro, sangue bovino (tomam puro, sangram o animal no pescoço, mas apenas o suficiente para extrair o sangue, sem matá-lo), bebem leite (incluindo de camelo, que às vezes criam) e alguns grãos. Mas não plantam absolutamente nada nem colhem nada — por isso não comem nenhuma fruta nem verdura. Galinhas e seus ovos são apenas para venda, nunca são consumidos, assim como nenhum tipo de ave.
Obviamente não tem luz elétrica nem fontes de energia, exceto lenha e, em alguns casos, uma minúscula plaquinha solar apenas para carregar a bateria do celular, invariavelmente modelos bem antigos e simples e não tenho certeza de que todos tenham aparelho. Vi apenas o chefe com um. Fazem questão de não se misturar com outras tribos e de não ter hábitos de fora da tribo, mas recebem super bem quem os visita.
Têm contato com outras pessoas apenas quando vão ao mercado negociar produtos — especialmente o gado que os caracteriza, pois são basicamente pastores e como não cultivam nada perambulam à procura de pasto para os animais. Aliás, os massais continuam sendo nômades, embora as mulheres e as crianças fiquem mais nas aldeias. O chefe da tribo que nos recebeu falava inglês muito bem pois, como dizia, havia estudado.
Assim como os outros habitantes da aldeia, tinha muito orgulho de suas raízes. Nos recebeu dentro da casa dele, sem janelas, como todas as casas massais, redonda e de um único cômodo. Tem apenas um buraquinho minúsculo para que entre um fiapo de luz e somente depois de algum tempo é que nossa vista se acostumou e conseguimos vislumbrar as camas/assento e a parte reservada à cozinhar. Conversamos muito longamente e aprendemos muito sobre a cultura massai. Eles não vão a médicos nem tomam remédios e cada pessoa na tribo tem conhecimentos de como usar ervas para se curar.
Depois, claro, nos fizeram participar de danças e rituais e tenho algumas fotos e vídeos bem ridículos do meu marido pulando junto com eles (mas à metade da altura, no máximo) e de mim mesma dançando, sacudindo os ombros e tentando dar aqueles gritos bem agudos enquanto mexia o colar e pulava. Claro que não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo, mas pouparei meus caros leitores de ver esses papelões que fizemos. Felizmente, como eu disse, os massais não tem língua escrita então exceto os meus, não há registros que provem que fizemos tudo isso…
Segundo o censo, cerca de 10% da população do país é de massais, mas a verdade é que ninguém faz a menor ideia, porque eles são nômades e não precisam (nem querem) responder ao censo nacional. Também não tem documento de identidade, matrícula escolar, carteirinha de vacinação, nenhum tipo de registro. Ou seja, os 10% são um chute como outro qualquer.
Como em todos os lugares na Tanzânia, sempre oferecem alguma coisa para comprar e como fizemos em todos os lugares, compramos, apesar dos preços altos. Voltei com um colar que coloquei na parede e uma pulseira massai que uso com alguma frequência. Na saída, meu marido deu dinheiro ao chefe para a tribo.
Sinceramente, não tem como estar num lugar com tantas carências e não fazer de tudo para ajudar. Não conseguimos. Aliás, qualquer que seja a estimativa de gastos numa viagem como esta, deve-se prever uma quantidade considerável para gorjetas e compras deste tipo. Eles contam com isso. Em cada hospedagem, três pessoas levavam nossa mala e as duas malas de bordo que tínhamos — assim, era gorjeta para três, quando uma poderia ter levado a mala e nós mesmos as malinhas. Mas é assim que funciona por lá e fizemos distribuição de renda à nossa maneira.
Um detalhe que faço questão de contar e que fez nossa viagem, já cheia de emoções, menos problemática: antes de viajar marcamos um horário no Ambulatório do Viajante do Hospital Emilio Ribas. Tivemos uma consulta de 3 horas de duração, exclusiva, com um epidemiologista que nos deu dicas valiosíssimas de como entrar e sair saudáveis desta viagem. Fizemos um tratamento profilático contra a malária que durou 50 dias, incluindo um bom período na volta, pois não há vacina nem prevenção, mas com ele se evita que se morra se contraíssemos a doença.
Atualizamos e reforçamos vacinas, mesmo as não obrigatórias para o lugar, mas que é prudente ter, como a antitetânica, febre tifoide, hepatite B e tomamos até a de pneumonia, pois a última coisa que eu quereria é ficar doente do outro lado do mundo. Sempre recomendo esse serviço a todos que vão viajar, mesmo que seja dentro do Brasil, pois as dicas são importantíssimas. Fomos pela segunda vez e aprendemos coisas novas.
E, claro, não menos importante: o atendimento e as vacinas do calendário do SUS são tomadas lá mesmo, sem custo algum. Para as que não são do calendário, saímos com o pedido médico e as tomamos num laboratório particular. Foi uma tranquilidade para nossa viagem.
Para quem como nós queria ficar perto de animais selvagens, em seu habitat, foi uma viagem e tanto. Muito aprendizado, muitas novidades, paisagens incríveis e, claro, um zilhão de fotos e vídeos que só Deus sabe quando vou conseguir arrumar como sempre faço.
Mudando de assunto: é claro que não posso deixar de comentar sobre a Copa do Mundo. Gosto de futebol e sou quase “boleira”, daquela espécie que acompanha, comenta, critica… Gostei de a Argentina ter sido campeã pelo que jogou e, sim, sou fã do Messi. Todo dia agradeço ao Barça por tê-lo revelado, treinado, pago regiamente e cuidado. E deixo de lado questões políticas, justamente algo que a torcida sempre fez lá do outro lado do rio da Prata. Sempre gostei que o país todo apoiasse a seleção, independentemente de quem está no governo. Nada mais irritante do que torcer para o Neymar ter uma lesão para que um bolsonarista não ganhe a Copa, ou querer que o time perca para que o treinador petista seja vaiado. Na Argentina, como se viu, essas coisas são deixadas de lado e mesmo pessoas de direita reconhecem os méritos de um Maradona amicíssimo e fã de Fidel Castro e nunca deixaram de torcer para que ele levantasse a taça. O mesmo em relação aos governos. Não importa qual presidente vai receber a seleção, importa é que ela ganhou — e tomara que continue assim. Cansei de envolver política em tudo. Ultimamente, até se Mercúrio está retrógrado em Libra é uma questão política. Ufa!
Feliz Natal e um excelente Ano Novo a todos meus caríssimos leitores.
NG